TENSÃO

Brasil e Venezuela esperam que temperatura das relações baixe e se estabilize para evitar aumento na tensão

Diplomatas dos dos países entendem que chegou o momento de estabilizar e acalmar as relações depois de duas semanas

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Último encontro de Maduro com Lula foi em março durante a cúpula da Celac em São Vicente e Granadinas - Prensa Presidencial

Calma e espera. Esse tem sido o lema para as chancelarias de Venezuela e Brasil depois de duas semanas de trocas de notas oficiais, declarações na imprensa e até a convocação do embaixador venezuelano no Brasil para consulta. O objetivo agora é esperar os próximos passos e segurar onde for possível para evitar outra escalada na tensão diplomática entre os dois países.

O último capítulo dessa relação se deu no sábado (2), com uma nota da chancelaria venezuelana. O texto pede para que os brasileiros deixem de tentar se intrometer nas questões internas da Venezuela e ficou tons abaixo das notas anteriores trocadas entre Caracas e Brasília. Agora, a ideia dos diplomatas brasileiros e venezuelanos é tentar evitar ao máximo continuar uma troca de acusações e ver se o primeiro escalão se mantém mais calado. 

A tensão entre os dois países começou depois das eleições venezuelanas, que tiveram como vencedor o presidente Nicolás Maduro. O Brasil não reconheceu o resultado do pleito e pediu a publicação dos resultados desagregados. No entanto, foi o veto brasileiro à entrada da Venezuela no Brics que azedou o clima

Para os chavistas, a medida é injustificável e representa uma ingerência nos assuntos internos do país. A diplomacia venezuelana entende que não houve explicação formal para o veto. O presidente, Lula, e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, não falaram sobre o tema publicamente ou explicaram internamente o motivo para a decisão. Os próprios diplomatas brasileiros não foram informados em um primeiro momento sobre os critérios usados para rejeitar a entrada da Venezuela. 

A sensação dos dois lados é de que, agora, a tendência é que os ataques dos dois lados diminuam o volume e se estabilizem em compasso de espera.

O sociólogo e professor da Universidade Central da Venezuela (UCV) Atílio Romero afirma que o Brasil tem dado declarações difusas. Primeiro pede atas, depois fala em respeitar os interesses internos, mas chegou a sugerir novas eleições. 

“A Venezuela adota uma política de quem não nos quer, não queremos. Com Chile foi assim e com todos os outros também. A Venezuela está sendo coerente com essa política. Pra mim pareceu um erro brigar com Lula, com declarações imprudentes. Mas depois tiraram Lula do cenário e colocaram Itamaraty e Celso Amorim. A ideia é manter os espaços diplomáticos”, afirmou ao Brasil de Fato.

O resto deixa pra lá

Para a chancelaria venezuelana, tudo o que foi dito fora do corpo diplomático não pode entrar no cálculo da relação. Um exemplo usado foi o do procurador-geral Tarek William Saab. Em entrevista, ele chegou a dizer que Lula era um agente da Agência de Inteligência dos EUA (CIA). A declaração, no entanto, foi desautorizada pelo Ministério das Relações Exteriores, que disse se tratar de uma declaração de caráter pessoal e que não reflete uma posição do Executivo.

Outro ponto que interferiu na temperatura foi uma publicação da Polícia Nacional Venezuelana. A postagem nas redes sociais da corporação trazia uma imagem com a bandeira do Brasil e a legenda: “Quem mexe com a Venezuela se dá mal”. Diplomatas venezuelanos não quiseram comentar o caso, mas destacaram que a publicação foi apagada. 

As relações entre Venezuela e Brasil foram rompidas em 2019, depois que o ex-presidente Jair Bolsonaro tomou posse. Durante 4 anos, os países não tiveram embaixadores no vizinho e mantiveram apenas trâmites consulares. Depois desse período, o trabalho da diplomacia brasileira foi remontar a estrutura no país vizinho e reestabelecer os laços construídos desde 1843. 

Se para a diplomacia um rompimento das relações representaria um retrocesso em um processo que dura dois anos, para o comércio também representaria um baque em uma retomada lenta para a balança de Brasil e Venezuela.  

Durante os primeiros governos de Lula e a presidência de Chávez, os dois países se aproximaram muito em termos comerciais. Entre 2003 e 2006, as trocas entre empresários brasileiros e venezuelanos passou de US$ 600 milhões (R$ 3,5 bi) para US$ 3,55 bilhões (R$ 20 bi). Mas o pico das exportações brasileiras para o país vizinho se deu em 2008, quando foi de US$ 5,13 bilhões (quase R$ 30 bi). Até 2016, as vendas de produtos do Brasil para a Venezuela se mantiveram acima de US$ 1 bilhão (R$ 5,5 bi).

Com o aumento das sanções dos Estados Unidos sobre os venezuelanos, o comércio entre eles se reduziu e a movimentação passou de US$ 4,56 bilhões em 2014 para US$ 469 milhões (R$ 3 bi) em 2017.

Desde 2021, os dois experimentam uma retomada, ainda que tímida. Em 2022, segundo o Observatório de Complexidade Econômica da ONU, os brasileiros venderam US$ 1,33 bilhão (R$ 7,69 bilhões) para os venezuelanos e compraram US$ 361 milhões (R$ 2 bilhões).

Para o professor de Economia Política da Universidade Bolivariana da Venezuela Reinaldo Tamaris, é muito difícil que os dois países rompam relações, porque isso também teria um impacto em um comércio crescente. 

“Se rompesse relações, o problema seria a nível econômico, porque isso está se recuperando. Ainda assim, é um processo lento, que não seria sentido de maneira imediata para diferentes setores da sociedade”, afirmou ao Brasil de Fato.

Crise entre Venezuela e Brasil

A tensão envolvendo os dois países vizinhos começou na corrida eleitoral venezuelana. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) brasileiro enviaria dois observadores para acompanhar o pleito, mas desistiu depois de Maduro afirmar que as urnas brasileiras "não são auditadas". Em vez de observadores, o governo brasileiro enviou o assessor especial, Celso Amorim, para Caracas durante as eleições. 

Maduro foi eleito para um terceiro mandato com 51,97% dos votos contra 43,18% do opositor Edmundo González Urrutia. A oposição venezuelana contestou o resultado e afirmou ter recolhido mais de 80% das cópias das atas eleitorais e, segundo a coalizão de direita Plataforma Unitária, isso garantiria a vitória de Urrutia.

Isso, somado a denúncia de um ataque hacker contra o sistema eleitoral da Venezuela, levaram Maduro a pedir uma investigação pela Justiça. O órgão eleitoral atrasou a divulgação dos resultados detalhados alegando a atuação hacker, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) venezuelano investigou os supostos ataques, recolheu todo o material eleitoral do órgão e ouviu 9 dos 10 candidatos que disputaram o pleito. Só Edmundo González Urrutia não compareceu.

O governo brasileiro começou a articular com Colômbia e México uma mediação da questão eleitoral venezuelana. Os três governos emitiram duas notas conjuntas pedindo a publicação das atas eleitorais pelo CNE e não pela Justiça do país. O TSJ da Venezuela validou a eleição de Maduro e pediu a publicação dos resultados desagregados em até 30 dias. No entanto, mais de 3 meses depois do pleito, os resultados ainda não foram publicados e o site do órgão eleitoral continua fora do ar.

Lula então passou a oscilar entre pedir que a situação seja resolvida internamente, sugerir a realização de novas eleições e dizer que não reconhecia a vitória de Maduro se os resultados das atas não fossem publicados e, consequentemente, sua vitória nas urnas fosse comprovada de forma independente. 

A relação entre Venezuela e Brasil se estabilizou momentaneamente até a cúpula do Brics, realizada em Kazan, na Rússia, de 22 a 24 de outubro. Nela, o governo venezuelano esperava ser incorporado ao grupo na categoria de “Estado parceiro”, mas ficou de fora da lista de 13 novos integrantes por um veto do Brasil. A decisão do Itamaraty revoltou os venezuelanos.

O motivo do veto não foi justificado publicamente pelo governo de Lula. O presidente não compareceu ao evento e enviou o chanceler, Mauro Vieira, para chefiar a delegação. Caracas afirma que a decisão foi uma “punhalada nas costas” e que a medida de “ingerência” do governo brasileiro é uma forma de interferir na política local.

Em audiência na Câmara dos Deputados, Amorim reforçou que a questão do pleito deve ser resolvida por venezuelanos e que o Brasil não reconhece a eleição do presidente Nicolás Maduro, até que sejam apresentados os resultados desagregados. Amorim não explicou claramente o veto no Brics. Primeiro, disse que é preciso ser um país com influência e que represente a região, algo que, para ele, a Venezuela não cumpre. Em um segundo momento, citou o mal estar entre os governos brasileiro e venezuelano. 

Em resposta à fala do assessor especial, o governo da Venezuela convocou o embaixador venezuelano no Brasil, Manuel Vadell, para consultas. Em nota, Caracas afirmou que a medida foi tomada depois das declarações “intervencionistas e grosseiras” de Amorim. A chancelaria venezuelana também convocou o encarregado de negócios do Brasil em Caracas para demonstrar “rechaço” às declarações de representantes do governo brasileiro em relação ao processo eleitoral do país. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho