Os moradores da associação filantrópica União Auxiliadora dos Cegos de Minas Gerais, localizada no bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, temem ficar sem abrigo. O local é uma casa de pessoas cegas em situação de vulnerabilidade desde a década de 1970, e está ameaçado de despejo por uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRT) da 6ª Região. O processo diz respeito ao não pagamento do INSS de funcionários nas décadas de 70 e 80.
Segundo membros da associação, passando por dificuldades financeiras, a instituição deixou de pagar os encargos ao Governo Federal e a dívida cresceu, tornando-se “impagável”. Em 2012, a casa foi a leilão no TRF 1, mas, por meio de recursos judiciais, os cegos conseguiram manter a posse da casa.
Porém, o processo foi transferido para o TRT da 6ª região, que reabilitou a decisão do leilão no último mês. A casa, que, de acordo com os responsáveis, é avaliada em mais de R$ 7 milhões, foi leiloada por apenas R$ 720 mil.
Frei Gilvander Moreira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), afirma que a associação está tomando as medidas legais para evitar o despejo.
"O desembargador, ao se apegar a detalhes técnicos e em formalidades processuais, autorizou o despejo. No entanto, acionamos a Defensoria Pública da União (DPU), que deve entrar com uma ação civil pública questionando essa decisão. O argumento é de que o local é o lar dos idosos e, portanto, deve-se respeitar a dignidade deles, conforme o Estatuto do Idoso. Os direitos de moradia e dignidade precisam ser assegurados”, defende.
De acordo com ele, o despejo seria ilegal por diversos motivos.
“É uma casa-lar, é impenhorável. Então, se não pode ser penhorado, logo, não pode ser leiloado. Outro ponto é que um dos princípios fundamentais da Constituição é a dignidade humana. Ao ordenar o despejo, essa decisão acaba violando o princípio constitucional da dignidade humana”, continua Frei Gilvander Moreira.
De acordo com ele, foram enviados ofícios à ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo, solicitando que seja aberta uma negociação com a casa e que sejam destinados recursos para que o local seja revitalizado e volte a atender os cegos que procuram a associação em busca de apoio.
‘A perda desse espaço seria como a morte’
Além do valor financeiro, o lar tem um valor social imensurável. O local recebe cegos de todo o país, que moram, estudam e têm toda uma vida atrelada à casa, que é completamente adaptada para eles.
O presidente da associação, Renato Leonardo Ferreira Jesus, que é cego e trabalha como voluntário desde 2015, afirma que existem pessoas morando há mais de 40 anos no lar, e que não têm outras referências ou apoio para sobreviver.
"Algumas pessoas que moram aqui têm família, mas muitas delas criaram um vínculo tão grande com este lugar que se tornou o lar delas. Há moradores que estão aqui há 44 anos, 50 anos. Ao todo, são 10 moradores, além dos funcionários. Esse vínculo é tão forte que a perda desse espaço seria, para eles, como a morte, pois aqui é onde eles moram, estudam e se dedicam a melhorar de vida”, comenta.
A associação
A associação data de uma época onde não se discutia políticas de acessibilidade e as pessoas cegas não tinham oportunidades dignas de integração e inclusão na vida em sociedade, sendo muitas vezes exiladas de suas famílias. Ao longo dos mais de 50 anos de história, a associação já recebeu mais de mil cegos.
A casa também oferece refeições, estadia temporária e outras atividades, de forma acessível.
“Este lugar não é apenas uma adaptação física para os moradores. Ao longo de sua história, mais de mil pessoas cegas já passaram por aqui. É uma trajetória de vida que causa impacto e emoção em qualquer ser humano. Além dos moradores, servimos refeições para muitos visitantes que passam por aqui”, conclui Renato.
O outro lado
O Brasil de Fato MG entrou em contato com o TRT da 6ª região para comentar sobre o caso. A matéria será atualizada caso haja posicionamento do tribunal.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Ana Carolina Vasconcelos