Embora a China não venha tendo a mesma centralidade na campanha presidencial de Donald Trump deste ano em comparação com a de 2016, quando venceu, o herdeiro e magnata do setor imobiliário continua mantendo o discurso hostil, tratando-o como uma ameaça à economia dos Estados Unidos.
A candidata democrata, por sua vez, durante a campanha tem falado pouco sobre a China. Em seu discurso de aceitação da nomeação à candidata, Kamala Harris afirmou esperar que "os EUA – não a China – vença a competição do século 21". Foi a única menção ao país asiático. Em seu discurso de aceitação, Trump fez 14 menções à China, incluindo acusações de roubo de empregos e de construções de fábricas de carros no México para vendê-los nos EUA "sem impostos".
As plataformas de ambos os partidos para estas eleições, porém, mostram um consenso em relação à China. A do Partido Democrata – que não foi atualizada após a saída de Biden da corrida presidencial –, tem uma seção inteira dedicada ao país, onde afirma que Biden reconhece a República Popular da China (RPC) como "o concorrente estratégico mais importante dos EUA". Afirma também que a administração democrata investiu no país e em nas alianças no exterior para "competir vigorosamente com a China", "mas não buscamos conflito", diz o documento.
Já a plataforma dos republicanos se compromete a "garantir a independência estratégica da China", prometendo revogar o status de Nação Mais Favorecida, entre outras medidas. Esse status, que garante algumas vantagens comerciais, foi dado mutuamente entre os países após a normalização das relações diplomáticas em 1979.
A diferença no que é anunciado entre democratas e republicanos em relação á China é tênue. Ao mesmo tempo, promessas de campanha já mostraram não ser necessariamente um parâmetro confiável para prever a política externa relativa ao país. Nas eleições anteriores, Biden afirmou que eliminaria as tarifas criadas no governo Trump sobre importações da China, sob o argumento de que acabaram sendo impostos para os consumidores e empresas dos EUA. Mas a política continuou e se expandiu.
Trump chegou inclusive a cobrar a administração atual por isso, em um debate com Kamala Harris em setembro. Após o moderador apontar o argumento de Harris contra a imposição de tarifas a importação, dado que poderia afetar os consumidores estadunidenses (o mesmo argumento de Biden na campanha anterior). Trump contraargumentou que quem está pagando é a China "e outros países". "Se ela não gostasse delas, eles deveriam cortado imediatamente as tarifas, mas essas tarifas estão lá há três anos e meio sob sua administração", questionou o republicano.
O governo Biden-Harris também tem dado continuidade à política de restrições comerciais, principalmente na área de semicondutores, proibindo exportações dos chips mais avançados e de máquinas para produzi-los. Nessa e em outras áreas, os Estados Unidos têm conduzido a União Europeia para apoiar seus passos. Embora, a União Europeia (e outros países do Norte Global, como Japão, Austrália e Coreia do Sul), acompanhem a política estadunidense nesse sentido, não há uma concordância absoluta. Os EUA não conseguiram emplacar no G7, por exemplo, a ideia de necessidade de "desacoplamento" da China, e chegaram ao acordo de chamar a estratégia do Norte Global em relação à China de "redução de riscos", uma mudança que para muitos analistas chineses também não passa de retórica.
Outro exemplo foi a resistência da Alemanha contra a aplicação de tarifas em carros elétricos chineses por parte da União Europeia, posição que foi derrotada.
Alguns veículos estadunidenses vêm especulando sobre qual seria a preferência do lado chinês; vários – como no caso da Bloomberg –, afirmam que a China preferiria a fórmula democrata, pela questão das tarifas anunciadas por Trump e uma suposta possível maior estabilidade com Harris.
Qual é a expectativa na China
Diante das especulações e questionamentos, o governo chinês (através do Ministério de Relações Exteriores) tem reiterado que as eleições presidencias nos EUA são um assunto interno desse país. Na mesma toada, Victor Gao, um dos analistas da geopolítica mais proeminentes da China, disse em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, que "a China é, na melhor das hipóteses, uma observadora".
Gao, que é professor da Universidade Soochow e vice-presidente do centro de estudos Centro para China e Globalização, acredita que o governo chinês não tem preferência entre os candidatos e que seu foco é "a defesa de seus interesses fundamentais". O acadêmico se mostra preocupado com a continuidade da linha do governo Biden, já que Harris não tem se diferenciado substancialmente do atual presidente, principalmente em relação a escaladas de conflitos militares.
"Joe Biden provavelmente será registrado na história como um guerreiro da guerra fria; se Kamala Harris continuar com essa mentalidade de guerra fria do presidente Biden, sua administração, se ela for eleita, continuará se movendo em uma direção muito perigosa, no que diz respeito à guerra, ou guerra fria ou guerra por procuração", lamenta Gao.
Questões internas e a linha vermelha da China
Entre as ações dos EUA que mais incomodam a China está a ingerência em assuntos internos, a principal é Taiwan, considerada a linha vermelha. Mas também estão as tentativas de desestabilização nas regiões autônomas de Xinjiang e Xizang (Tibete). Esta última acaba de ter uma lei aprovada nos EUA, que foi repudiada na China.
Se Trump tornou a China um dos centros da campanha que o levou à presidência de 2016 a 2020, o germe das políticas e orientações atuais dos Estados Unidos em relação ao país asiático já vinha de antes, principalmente a partir da Iniciativa lançada em 2011, no primeiro governo Obama chamada Pivot to Asia (Redirecionamento para a Ásia).
Oficialmente o programa foi justificado por uma suposta superconcentração da política exterior estadunidense no Oriente Médio (ou Ásia Ocidental) , que teria "descuidado" a Ásia Oriental. Mas para a pesquisadora filipina da Iniciativa de Sondagem do Mar do Sul da China, Anna Rosario Malindog-Uy, essa reorientação da política externa dos EUA tem como único motivo a contenção do crescimento econômico e geopolítico chinês.
Trump renomeou o Comando do Pacífico dos EUA para Comando Indo-Pacífico. O uso da ideia do Indo-Pacífico faz parte dessa mesma estratégia. Para os chineses, o Indo-Pacífico é um conceito forçado, o tipo de ideia que serve como base para fazer uso da "jurisdição de braço longo", também muito criticada pela China.
A plataforma do Partido Democrata deste ano também dedica a uma seção ao "Indo-Pacífico", que começa afirmando que "os EUA são uma potência indo-pacífica". Por isso, segue o documento, a administração atual se compromete no "apoio às Filipinas e outros aliados e parceiros para resistir às ações hostis e à coerção da China".
Embora para a China as restrições comerciais unilaterais sejam um problema, a principal preocupação do lado chinês hoje, em relação ao rumo dos Estados Unidos, parece ser a do risco de escalada e expansão dos conflitos militares.
Edição: Rodrigo Durão Coelho