Ele era corajoso para enfrentar, por exemplo, duas ditaduras, mas ele era um poeta, viu?
Um ano após a estreia nos cinemas do país do filme Marighella, o Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ) era eleito, pela primeira vez, deputado federal. Há uma conexão simbólica entre os fatos, afinal, o parlamentar atuou no longa, interpretando um frade dominicano brasileiro, que lutou contra a ditadura militar (1964-1985) e foi torturado.
No filme, o personagem interpretado pelo deputado participa de uma cena na qual ele defende a Carlos Marighella (interpretado por Seu Jorge) que Jesus foi um homem negro. No entanto, o frade acaba sendo um dos responsáveis pela captura do militante pela ditadura.
"Foi uma das experiências mais bonitas da minha vida", relembra o deputado em entrevista ao programa Bem Viver desta segunda-feira (4), quando se completam 55 anos do assassinato de Marighella.
"A vida de Marighella tem que ser sempre lembrada e homenageada, um homem que foi preso por duas ditaduras, um amante da liberdade, da democracia, do socialismo, como declaração de amor, da humanidade, do enfrentamento e superação da injustiça, da exploração, da miséria, da fome. Um brasileiro nordestino, homem negro, enfim, que figura histórica foi o intelectual e militante Carlos Marighella”, defende o deputado.
Carlos Marighella nasceu em Salvador (BA), em 1911, e chegou a ser considerado o inimigo número um do regime, muito pela sua atuação na Ação Libertadora Nacional (ALN), grupo fundado por ele.
O filme, dirigido por Wagner Moura, foi inspirado na biografia escrita por Mário Magalhães e deveria ter chegado aos cinemas ainda em 2019, mas enfrentou restrições por parte da Agência Nacional de Cinema (Ancine), que foram lidos como censura pela equipe do filme, inclusive pelo deputado.
Pastor Henrique Viera relata o que leva para sua atuação como deputado do que aprendeu na biografia de Marighella.
"Essa coragem com ternura e essa poesia com força política, essa rebeldia que, ao mesmo tempo, não vai para um lugar apenas, sei lá, de dureza. Essa síntese entre coragem e ternura, entre rebeldia e poesia, é alguma coisa que eu aprendo com Marighella, tento atualizar na minha vida, na minha militância e nos corredores de Brasília.”
Na conversa, o deputado também faz uma avaliação do resultado das eleições.
Confira a entrevista na íntegra.
Qual a avaliação do senhor do resultado das eleições para o Psol?
De fato, não foi o resultado que nós esperávamos, um contexto em que o voto útil do campo progressista influenciou bastante também.
Mas eu avalio que nós temos força social, uma direção muito consciente, figuras de grandes nomes na sociedade e uma militância muito mobilizada. Acredito que foi algo conjuntural, contextual. Todos os partidos ao longo da sua história passam por oscilações.
O Psol tem uma relevância muito grande para a esquerda brasileira e ele tende a retomar um caminho de crescimento já no próximo período.
Então estou consciente dos limites do resultado deste ano, mas não desesperado, nem desanimado. Acredito que tem lastro social, uma direção consciente, grandes parlamentares, militância mobilizada e capacidade de crescimento nos próximos anos.
O senhor se envolveu no apoio de algumas candidaturas evangélicas. Qual a avaliação?
Eu me envolvi com candidaturas progressistas no geral. Por exemplo, do William Siri e da Taís Ferreira, que foram reeleitos e bem reeleitos aqui no Rio de Janeiro. Jô Calvalcante, uma das mais votadas em Recife, que é do nosso campo dentro do Psol.
Do campo evangélico progressista, a gente pode destacar a Ava Santiago, em Goiânia, a 4º mais bem votada, muito importante.
Também tem o Pastor Wellington, em Maceió, que fez uma votação muito expressiva para uma primeira candidatura e está criando lá o movimento Fé na Luta.
O Vini Lima, em São Paulo, embora não tenha tido a votação que a gente esperava, é um garoto jovem, com um futuro brilhante pela frente, fazendo um trabalho belíssimo com PopRua, direitos humanos e vai crescer muito ainda.
Qual a importância dessas candidaturas alcançarem espaços de poder? É uma disputa por representatividade?
Sim, são evangélicos que têm uma agenda de defesa da democracia, do Estado laico, do respeito à diversidade, dos direitos humanos, da justiça social, da responsabilidade com o meio ambiente.
Então, são candidaturas que têm esse fator pedagógico de demonstrar que a fé pode ser um instrumento a serviço do bem viver, do bem comum, da luta do nosso povo empobrecido e trabalhador, fazer esse contraponto pedagógico e até ajudar a esquerda a não generalizar o campo evangélico.
Nós precisamos enfrentar com muita firmeza o fundamentalismo religioso que é perigoso, violento, tóxico, antidemocrático e, sim, tem muita força dentro do campo cristão e evangélico, óbvio que tem, eu reconheço isso. Mas ele não representa a totalidade.
Precisamos ter vínculo e diálogo sincero com o nosso povão, e parte do nosso povo é precarizado, explorado, trabalhador, lutando para sobreviver no corre da vida, parcela desse povo evangélico. Por isso que é importante ter evangélicos na política, enfrentando o fundamentalismo, defendendo a democracia, caminhando com o nosso povo, demonstrando que a fé não pode ser instrumento de poder, de ameaça, mas sobretudo de amor e cuidado.
Qual a responsabilidade da igreja no combate ao racismo?
Combater o racismo é uma causa do evangélico. Então cabe as igrejas entenderem que o combate ao racismo é obediência ao evangelho. Jesus enfrentou o preconceito, a opressão. Ele caminhou ao lado das pessoas que eram estigmatizadas.
É precisa compreender que caminhar com Jesus é não ficar em silêncio diante de qualquer forma de preconceito e discriminação.
Então, até por fidelidade ao evangelho, é preciso refletir sobre o cristianismo quando ele é racista. É preciso refletir sobre a relação com as religiões de matriz africana.
Infelizmente, muitos púlpitos têm pregações racistas que demonizam as religiões de matriz africana. Isso gera um ambiente de hostilidade, de ameaça, de violência.
Então, as igrejas precisam entender que a luta contra o racismo e a obediência a Jesus, é testemunho de verdadeiro amor ao próximo, não apenas amor de palavra, mas amor de atitude.
É preciso refletir sobre a história da própria igreja para que ela não reproduza uma teologia, uma leitura da Bíblia, uma pregação que seja racista e é preciso defender, neste país, a liberdade, sem ameaça e sem medo dos povos de matriz africana.
Porque não é à toa que as religiões de matriz africana são as mais perseguidas, porque é uma intolerância de base racista. É preciso que as igrejas também se coloquem ao lado da juventude negra, que é o principal alvo do fuzil, e o próprio Estado, ao lado das mulheres negras, que são as mais desvalorizadas no mercado de trabalho, na sociedade como um todo.
Onde há produção de sofrimento por causa da injustiça racista, a igreja não pode lavar as mãos e ficar em silêncio ou fechar os olhos.
Amar o próximo não é um sentimento, é uma atitude concreta de estar ao lado. Então, que esse mês de novembro seja o mês também de despertar, de reflexão, de autocrítica, de amor, de atitudes dentro das nossas igrejas, assim que eu prego, assim que eu desejo, assim que eu quero fazer junto com a minha comunidade de fé.
Nesta segunda-feira se completam 55 anos do assassinato de Carlos Marighella. O senhor participou do filme dirigido por Wagner Moura sobre o militante. Como foi isso? Foi o Wagner que te convidou?
Sim, o Wagner Moura descobriu que eu também tinha uma caminhada como ator, me convidou para fazer um teste porque viu uma convergência muito grande entre o personagem e a minha vida: religioso, jovem de esquerda lutando contra violências e injustiças contra o nosso povo.
Mas eu fiz o teste, passei no teste, fiz a preparação de elenco, então foi um trabalho artístico, mesmo, ali eu atuei como ator, de fato.
E foi uma das experiências mais bonitas da minha vida, eu já tinha feito algumas peças de teatro, eu já tinha feito o espetáculo de palhaçaria, porque eu também sou formado nessa arte do palhaço, mas foi a minha primeira experiência no cinema.
Tinha um elenco maravilhoso, super engajado com a vida e a causa de Marighella. Nós produzimos ali afeto, companheirismo, amizade, porque tinha ali o profissionalismo de fazer um bom filme, mas tinha consciência política e cidadã por parte do elenco e com uma direção muito competente, sensível e amorosa do Wagner Moura.
Então, vou te falar, bateu até a saudade aqui agora, falando com você. Que tempo bonito esse, de gravação desse filme, que obra importante.
A vida de Marighella tem que ser sempre lembrada e homenageada, um homem que foi preso por duas ditaduras, um amante da liberdade, da democracia, do socialismo, como declaração de amor, da humanidade, do enfrentamento e superação da injustiça, da exploração, da miséria, da fome, um brasileiro nordestino, homem negro, enfim, que figura histórica foi o intelectual e militante Carlos Marighella.
Há alguma coisa na trajetória de Carlos Marighella que o senhor tenta trazer para dentro do seu mandato, da sua carreira política de forma geral?
A coragem dele e a poesia dele, porque ele era corajoso para enfrentar, por exemplo, duas ditaduras, mas ele era um poeta, viu?
Ele tinha a ternura na alma. Então eu procuro dentro de Brasília ter coragem para jamais recuar diante da extrema direita, até mesmo de alguns fascistas que existem ali como deputados, uma barbárie. Então, é preciso ter coragem.
Mas eu procuro não endurecer a alma, não ficar com o meu coração de pedra. Eu procuro ter força e ternura nas palavras, até para enfrentar, por um lado, a extrema direita e, por outro, dialogar com o nosso povo.
Essa coragem com ternura e essa poesia com força política, essa rebeldia que, ao mesmo tempo, não vai para um lugar apenas, sei lá, de dureza. Essa síntese entre coragem e ternura, entre rebeldia e poesia, é alguma coisa que eu aprendo com Marighella, tento atualizar na minha vida, na minha militância e nos corredores de Brasília.
E qual é o caminho mais importante para o combate à extrema direita, a política ou a arte?
Não tem solução sem as duas caminhadas juntas. A política é o espaço da coletividade, da luta pelo bem comum, do enfrentamento às injustiças, é onde se define recurso, orçamento, política pública, economia, investimentos em educação, saúde, assistência, segurança, meio ambiente...
Política é a dimensão coletiva da vida que determina, objetivamente, como vai ser, como funciona a nossa sociedade.
Então a política é própria da vida e é através da política que a gente pode transformar a sociedade para o bem das pessoas.
Agora, a arte: "a gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão e arte". Não existe vida humana sem o lúdico, sem a brincadeira, sem a paixão, sem o afeto, sem o gozo, sem o enamorar-se, sem a contemplação, sem a devoção, sem o abraço, sem a amizade.
A gente não é só uma matéria bioquímica se autorreproduzindo. A gente é paixão, a gente é canto, a gente é consciência.
O que seria da vida sem a arte e o que seria da sociedade sem os artistas?
Os artistas são profetas, eles paralisam o tempo, eles desaceleram a correria da vida, eles nos lembram que nós não somos máquinas. Nós somos gente, "gente é feita para brilhar e não morrer de fome", como diz o artista Caetano Veloso.
Bem, pelo menos estou falando dos artistas com sensibilidade artística, de fato, e que entendem que a arte tem que estar a serviço do bem da vida.
Então, para transformar a sociedade, enfrentar a extrema direita, produzir uma vida boa para todo mundo, com um prato cheio, casa segura e liberdade para ser e viver, é política e é arte. As duas são absolutamente necessárias.
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Edição: Martina Medina