Coluna

Que delícia é pedalar em Niterói

Imagem de perfil do Colunistaesd
O programa cicloviário Niterói de Bicicleta foi iniciado em 2013 e chama a atenção de gestores de mobilidade ativa no Brasil - Prefeitura de Niterói
Cidade é comandada pelo mesmo grupo desde 2013 e, assim, mantém políticas públicas positivas

*por Rogério Viduedo

Um privilégio na vida de ciclista viajante é chegar em cidade ciclável, dessas que você desembarca a bicicleta de dentro do bagageiro do ônibus, deixa a estação rodoviária pedalando e logo encontra uma ciclofaixa para se dirigir ao destino em segurança. Niterói é uma delas. Vizinha do Rio de Janeiro, tem a melhor vista da Cidade Maravilhosa, situada do outro lado da Baía de Guanabara.

Com população de 481 mil habitantes e 451 anos de vida, ela tem uma virtude – e também sorte – de ter conseguido na última eleição municipal, manter no poder o mesmo grupo político em ação desde 2013 e, assim, não ter o azar de ver interrompido o andamento das políticas públicas que estão dando certo, como é o caso da política cicloviária daqui de São Paulo, que vem patinando desde 2017, depois de quatro anos de intensa expansão promovida pela administração de Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores,.

Visitei Niterói, enfim, em julho deste ano. O bairro de Icaraí foi meu pouso por três noites devido a um treinamento de jornalismo de segurança viária que ministrei a pedido do Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento (ITDP). Escolhi ficar lá pelo fácil acesso que se tem ao centro do Rio de Janeiro, sede do instituto, a partir do sistema de barcas que navegam a baía.

Você tanto pode levar a bicicleta dentro delas, em qualquer horário, quanto pode deixá-la em segurança, e também sem custo, no Bicicletário Araribóia, inaugurado em 2017. É coberto, dispõe de 446 vagas e outras facilidades, como vigilância, banheiro, ferramentas para manutenção e água gelada. Para fazer o cadastro, só precisa do documento com foto.

Outro motivo que me levou para lá foi a vontade de conhecer de perto os resultados do Niterói de Bicicleta, o programa cicloviário iniciado em 2013 cujo sucesso chama a atenção de muita gente gestora de mobilidade ativa no Brasil. Além do grande bicicletário, que no momento está com edital em andamento para dobrar a capacidade por causa da demanda, o programa se transformou em uma coordenadoria na burocracia municipal, aumentou para 82 quilômetros a extensão de ciclofaixas, ciclovias e ciclorrotas, e pretende chegar a 120 ainda em 2024.

Desde que comecei as atividades do Jornal Bicicleta, visitar Niterói sempre esteve na minha lista de desejos. Em 2018, escrevi uma matéria sobre o anúncio da prefeitura para um edital que buscava selecionar uma empresa que faria o projeto executivo do sistema de ciclovias na Região Oceânica, distante uns 20 quilômetros do centro e que já recebeu parte desses trechos. No ano seguinte, soube que qualquer pessoa que chegasse de bicicleta no Museu de Arte Contemporânea tinha entrada grátis. Eu achei aquilo o máximo, pois uma coisa que eu valorizo é poder acessar equipamentos culturais que tenham local para guardar a bicicleta. Além disso, recentemente, implantaram um sistema de bicicletas de aluguel, o NitBikes, que qualquer pessoa pode usar sem pagar nada e que está fazendo muito sucesso entre munícipes e turistas.


Sistema cicloviário de Niterói fornece segurança e conforto aos ciclistas / Rogério Viduedo

Pedalar lá é uma delícia. Durante os giros pela cidade pude ver de perto que tem muita gente usando a bicicleta em Niterói, inclusive muitas mulheres, o que é sinal de que a estrutura gera segurança e tem um certo conforto. Também percebi que estimular o uso é só parte do projeto da atual administração para melhorar a qualidade de vida da população. Durante um passeio de 30 quilômetros guiado pelo ex-coordenador do Niterói de Bicicleta, Filipe Simões, fomos até o recém-criado Parque da Orla de Piratininga, uma lagoa outrora despejo de esgoto doméstico que foi revitalizada com a adoção de sistema de jardins filtrantes e devolvida para a população como um equipamento de lazer com nove quilômetros de ciclovias e que é digno dos prêmios que recebeu.

Em um país em que o automóvel é rei e as motociclistas são as princesas, ver uma cidade ampliando a cultura da bicicleta da forma como Niterói está fazendo é motivo de alegria para quem cobre o setor. Nos últimos 30 dias, a média de 4.010 ciclistas registradas pelo contador na avenida Roberto Silveira, por exemplo, é 17% maior que o da avenida Brigadeiro Faria Lima na capital paulista, com média diária de 3.423 ciclistas no mesmo período.

A Prefeitura de Niterói tem o objetivo fazer com que a bicicleta seja responsável, até 2030, por 14% das viagens dentro do município, um valor mais que o dobro dos atuais 6% - e que já não é pouco para os padrões nacionais. Em São Paulo, que já foi referência em política cicloviária, essa proporção não passa de 1% do total. A cidade tem como meta, dentro do Plano de Ação Climática, de chegar a parcos 4% no final da década, o que é um número difícil de alcançar já que o abandono da política pública iniciada a partir da eleição de João Dória em 2016 colocou freios não só na expansão de infraestrutura, mas também nas ações de promoção do uso da bicicleta.

Aguardem mais novidades positivas de Niterói. No ano que vem a cidade será sede do Bicicultura, encontro nacional de cicloativismo, evento cuja execução poderia estar em risco - assim como todo o programa Niterói de Bicicleta esteve - caso o candidato de extrema-direita que disputou o segundo turno com Rodrigo Neves (PDT), ganhasse o segundo turno da eleição para prefeito em 27 de outubro. Felizmente, Neves venceu e, com ele, a bicicleta.

*Rogério Viduedo é jornalista de São Paulo e integrante do Programa de Jornalismo de Segurança Viária da Organização Mundial da Saúde. Cobre as áreas de segurança viária a mobilidade sustentável desde 2016. Em 2018, criou o site Jornal Bicicleta para cobrar autoridades por soluções eficientes para deslocamento da população. Recebeu o Prêmio Abraciclo em 2021 com a reportagem, "Cultura da bicicleta se aprende na escola".

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

Edição: Thalita Pires