Eleições nos EUA

Trump e Kamala não mudam política contra Venezuela, mas petróleo pode forçar EUA a negociar com Caracas

Venezuelanos enfrentam bloqueio dos Estados Unidos desde 2017 sem poder vender seu principal produto no mercado externo

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Os candidatos para a presidência dos EUA, Kamala Harris, pelo partido democrata, e Donald Trump, pelo partido republicano. - AFP

As eleições dos Estados Unidos impactam diretamente os rumos da Venezuela. O país é bloqueado de vender seus produtos há 7 anos no mercado externo justamente por uma proibição do Departamento do Tesouro dos EUA e, agora, terá pela frente um novo presidente que terá que decidir entre manter as sanções ou flexibilizar o bloqueio contra os venezuelanos. E o principal fator para essa mudança de postura pode ser o petróleo.

As pesquisas eleitorais indicam disputa apertada e os dois cenários são estudados por Caracas. A gestão dos democratas foi responsável por rotular a Venezuela uma "ameaça inusual para a segurança interna dos Estados Unidos" a partir de uma ordem executiva de Barack Obama em 2015. Já os republicanos implementaram medidas mais duras contra a economia venezuelana com a gestão de Trump proibindo a venda do petróleo da Venezuela no mercado internacional. 

Nos últimos 2 anos o contexto mudou. A crise energética gerada pela guerra na Ucrânia e os ataques israelenses na Faixa de Gaza impactou o mercado do petróleo e os EUA começaram a flexibilizar o bloqueio contra a Venezuela por meio de licenças.

Empresários e congressistas estadunidenses – tanto republicanos como democratas– foram à Venezuela para negociar com o governo a venda de combustíveis e a produção de petróleo por empresas dos EUA no país sul-americano. Segundo o Wall Street Journal, a própria Chevron pressionou a Casa Branca para não isolar ainda mais o mercado petroleiro venezuelano. 

Mas o que muda de Kamala Harris e de Trump para a Venezuela?

Tanto a democrata quanto o republicano têm falado pouco sobre a América Latina na campanha eleitoral. O principal tema de preocupação é a migração, principalmente de países da América Central.

Para o ex-diplomata e analista internacional venezuelano Sergio Rodríguez Gelfenstein, não há diferença na política externa de republicanos e democratas, o que muda são os métodos. Para ele, no entanto, que Trump pode ter um pragmatismo na relação com Caracas, já que precisa do petróleo venezuelano.

“A política dos democratas e dos republicanos é diferente em relação à política interna. Na política exterior as diferenças são mínimas, são operativas, não de concepção. Os dois partidos são imperialistas. Os dois querem subordinar outros países. A diferença é na forma. Se ganhar Kamala Harris vai ter uma continuidade da política exterior dos EUA para a Venezuela. Se ganhar Trump, pode ter mudanças, não porque Trump seja amigo da Venezuela, mas porque os republicanos são pragmáticos. Eles estão focados em solucionar os problemas independente do que é ideológico”, afirmou ao Brasil de Fato.

As relações entre Venezuela e EUA estão cortadas desde 2019, justamente na administração do republicano. Os estadunidenses não reconheceram a vitória eleitoral de Maduro de 2018 e deram aval ao ex-deputado Juan Guaidó para assumir as empresas venezuelanas que atuam nos EUA. A relação esfriou e os países fecharam embaixadas e consulados em Washington e Caracas. Mas não foi só nesse episódio que Trump se colocou contra o governo venezuelano. Nos 4 anos de mandato, o republicano não escondeu sua posição contrária ao governo de Maduro e chegou a falar em “uma possível opção militar, se necessário”.

A aposta na mudança de postura de Trump para um novo mandato vem do próprio estadunidense, que encontrou duas vezes o líder norte-coreano Kim Jong Un ao final do seu período na Casa Branca. EUA e Coreia do Norte têm uma relação mais tensa do que Caracas e Washington, desde a Guerra da Coreia, em  1953, no contexto da Guerra Fria. 

Sergio Rodríguez Gelfenstein afirma que os republicanos já aprenderam que uma pressão maior sobre a Venezuela pode piorar a situação e Trump terá que equilibrar os interesses econômicos e políticos. 

“A campanha eleitoral de Trump tem dois pontos básicos: primeiro baixar o preço dos combustíveis. E dois, resolver o problema da migração. Nesses dois temas há uma relação com a Venezuela. E Trump sabe que se quer resolver algo, tem que falar com Maduro, não tem outro caminho. Fabricar presidente, bloquear os ativos da Venezuela… nada disso deu resultado. E além disso, há um pedido dos empresários estadunidenses do petróleo”, afirmou.

Donald Trump, no entanto, tem apoio de empresários demonstrado interesse na política venezuelana. O principal deles é Elon Musk. O próprio presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, tem feito críticas reiteradas ao dono da Tesla, que apoiou a oposição no pleito de 28 de julho, que teve como resultado a vitória do chavismo. 

Musk é um dos principais apoiadores de Trump e não tem atuado só nas redes sociais para fortalecer o republicano. O empresário doou cerca de US$ 75 milhões (R$ 435 milhões) de agosto a outubro ao America Pac, grupo de empresários fundado por ele mesmo e que apoia a campanha de Trump.

Mesmo que a necessidade de ter petróleo empurre Trump para um cenário de dependência da Venezuela, há um outro grupo que entende que a política de Trump no seu mandato traz como referência a forma que o republicano tratará os venezuelanos. A expectativa do analista político David Gomes Rodrigues é de que o ex-presidente tenha uma postura ainda mais hostil contra a Venezuela.

“A diferença concreta é de poder. Tentar negociar e manter relações comerciais em torno da questão energética ou tentar enterrar as bases do projeto bolivariano para tentar mudar a administração ou de governo na Venezuela pela via das forças como foi a característica da gestão passada de Donald Trump. Nesse sentido, ele representa uma lógica dos empresários que promovem um capitalismo contra um projeto humanista e que busca desenvolver novos esquemas de troca, de economia, de sociedade no mundo e especialmente para nós”, afirma ao Brasil de Fato.

Kamala Harris pela manutenção

A democrata é a atual vice de Joe Biden e tenderia a manter a política do democrata. Mesmo com sanções, a abertura de licenças e uma negociação maior com Caracas são uma possibilidade colocada na mesa por alguns analistas venezuelanos. 

Em outubro de 2023, os EUA emitiram licenças para que a Venezuela pudesse vender seu petróleo no mercado internacional. A decisão do governo estadunidense foi tomada depois que o governo venezuelano assinou um acordo em Barbados com parte da oposição para definir as regras iniciais para a eleição de 2024. 

A principal delas, a licença 44, venceu em abril de 2024 e foi substituída pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos pela licença 44A, que determina que as empresas que mantêm negócios com a estatal petroleira PDVSA deveriam pedir autorização da Agência de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) dos EUA para retomar os negócios. Na prática, é uma forma de tornar o processo de negociação mais burocrático com a estatal venezuelana.

Nas eleições de 2024 que deram a vitória a Maduro a Casa Branca também foi vacilante e depois de reconhecer o opositor Edmundo González Urrutia como vencedor, voltou atrás e não deu uma posição firme sobre o resultado do pleito.

Para completar, a general Laura Richardson, chefe do Comando Sul dos EUA, pediu uma saída diplomática para a crise política envolvendo as eleições da Venezuela, em uma sinalização diferente da adotada pelas gestões anteriores dos próprios democratas. Para o governo venezuelano, esse é um aceno da Casa Branca, que mostra ter entendido que as sanções e a pressão externa não funcionaram contra Caracas e que, agora, os Estados Unidos precisam mais que nunca do petróleo venezuleano.

Se por um lado a questão energética pode ser a fiel da balança para os dois governos, a conduta dos Estados Unidos para a América Latina continua sendo a mesma. O próprio Comando Sul dos EUA é um braço do Departamento de Defesa estadunidense para cuidar dos interesses do país na América Latina.

Para Sergio Rodríguez Gelfenstein, o Comando Sul é o símbolo de uma política de Estado do país que tem como objetivo impor uma agenda à América Latina. Ele afirma que tanto Trump quanto Kamala vão manter a linha que é definida pelo Departamento de Estado de defesa dos interesses estadunidenses sobre outros países.

“As duas opções são ruins, os dois querem continuar o genocídio na Palestina, por exemplo. Não existe uma menos pior. Não vão mudar a postura agressiva dos EUA. A questão é que há uma mudança metodológica em relação a Venezuela, mas que justamente por ter essa característica, continua sendo imperialista”, afirma.

Para os latino-americanos, a preocupação com a volta do republicano é o fortalecimento da extrema direita. Ele é o principal símbolo do conservadorismo global hoje e a eleição de 2016 antecedeu a chegada de outros representantes da direita, como o ex-presidente Jair Bolsonaro no Brasil e o chefe do Executivo, Javier Milei, na Argentina. Os dois, inclusive, demonstraram apoio público a Trump.

O professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Roberto Goulart Menezes afirma que, pela força dos EUA na geopolítica, a volta de Trump fortalece um movimento reacionário em outros países.

“Assim como o Joe Biden seguiu em linhas gerais a política externa do Barack Obama, com a diferença da China, que ele mantém as posições do Trump, nesse momento eu não vejo nada de novo no horizonte. Se ela vencer, ela vai dizer quem vai ser o secretário de Estado, quem vai trabalhar com a América Latina. Com o Trump sem dúvida é o fortalecimento da extrema direita, e no caso da Venezuela ele já declarou que gostaria de ter derrubado Maduro, então é uma situação que vai piorar com ele”, afirma.

Edição: Rodrigo Durão Coelho