Dialogar com essa jovem classe trabalhadora será decisivo para o campo democrático
A direita e a extrema-direita foram as grandes vitoriosas das eleições municipais deste ano. As raízes dessa vitória residem em três aspectos fundamentais. Primeiro, o controle do Congresso Nacional de parte significativa do orçamento federal, através das emendas impositivas e das chamadas “emendas pix”. Neste ano foram 25 bilhões de emendas impositivas, destas 8,2 bilhões na modalidade “pix”, caindo diretamente e sem nenhum controle de órgãos de fiscalização na conta de estados e municípios.
Segundo, o controle e a distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Somando os partidos que mais conquistaram prefeituras do país (PSD, MDB, PP, União Brasil, PL e Republicanos), juntos eles receberam mais de 3 bilhões, o que representa mais de 60% do Fundo Eleitoral. Em comparação, os 6 principais partidos de esquerda (PT, PSB, PSOL, PDT, PCdoB e Rede) receberam juntos 1,1 bilhão, cerca de 23% do Fundo.
O terceiro motivo foi a utilização exasperada da máquina pública, seja dos próprios municípios, mas principalmente dos governos estaduais, contribuindo para a taxa recorde de reeleição de 80,5% em 2024. Em comparação com 64,29% de 2020, e 47,97% de 2016.
No entanto, por mais importantes que sejam, esses motivos são insuficientes para explicar porque, excetuando Fortaleza, o campo democrático e popular foi derrotado em todas as capitais do país. Segundo, porque mesmo com Lula na Presidência da República não conseguimos ao longo desses dois anos alterar de forma significativa a correlação política e social de forças no país? Terceiro, de onde provém a hegemonia da extrema-direita no país?
Parte significativa da crise da esquerda brasileira relaciona-se com a incompreensão sobre as transformações no mundo do trabalho, em especial as mudanças ocorridas após a Reforma Trabalhista, aprovada durante o Governo Michel Temer, e a Reforma da Previdência, no Governo Jair Bolsonaro. Segundo dados do IBGE, no ano de 2022, ocorreu a menor diferenciação da série histórica entre trabalhadores com vínculos empregatícios e aqueles sem carteira assinada e por conta própria, 1,2 pontos percentuais. Essa diferença era de 10,7% em 2014. Mesmo com a queda do desemprego, o número de trabalhadores por conta própria é de aproximadamente 25,6 milhões e, desses, 1,5 milhão são trabalhadores de plataforma.
Neste cenário, caracterizado pela desindustrialização, pela diminuição da capacidade do Estado brasileiro de agir como indutor do desenvolvimento econômico e pela desregulamentação do mundo do trabalho, não é de se estranhar o florescimento de ideologias baseadas no mérito e na prosperidade. Como nos lembra o filósofo italiano Antonio Gramsci, “a hegemonia nasce da fábrica”, é deste mundo do trabalho caracterizado pelo salário por peça típico das plataformas digitais e pelo trabalho por conta própria que emerge a hegemonia da extrema-direita.
Além disso, é preciso reconhecer que há uma crise profunda da promessa de ascensão social através do trabalho formal, em especial entre a população mais jovem, por isso são tão comuns os mecanismos que prometem um enriquecimento rápido, tais como as “bets”, os “coachs”, os influenciadores digitais, as plataformas de conteúdo adulto, entre outros. Soma-se a isso a crise de segurança pública nos grandes centros urbanos, com o fortalecimento do papel da família e da religião. Esse processo tem contribuído para a conformação de uma jovem classe trabalhadora refratária às formas de organização sindical e ao próprio Estado.
Neste sentido, uma das tarefas fundamentais da esquerda brasileira para o próximo período é formar uma nova geração de quadros e militantes sociais, vinculados à nova realidade da classe trabalhadora. Isso exigirá realizar experiências em torno do cooperativismo e empreendedorismo social, mediações que dialoguem o grau de consciência desse segmento do povo brasileiro. Ao mesmo tempo, lutar pela redução da jornada de trabalho, como o fim da escala de trabalho 6x1, e outras medidas que assegurem melhores condições de vida para essa jovem classe trabalhadora.
Dialogar com essa jovem classe trabalhadora será decisivo para o campo democrático popular acumular forças e enfrentar a hegemonia da direita e da extrema-direita no próximo período. Sem isso, seremos novamente surpreendidos com a força da extrema-direita, em especial entre a juventude.
* Paulo Henrique Oliveira Lima, historiador e integrante da direção nacional do Movimento Brasil Popular.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato
Edição: Nathallia Fonseca