Se os Estados Unidos não reconheceram a vitória eleitoral de Nicolás Maduro em 28 de julho, a recíproca não foi verdadeira. O Ministério das Relações Exteriores da Venezuela emitiu nota nesta terça-feira (6) parabenizando o povo estadunidense pela jornada eleitoral e a eleição de Donald Trump para um novo mandato de 4 anos.
No comunicado, a chancelaria venezuelana reforçou que é importante respeitar a “soberania e a autodeterminação dos povos” enquanto um ponto fundamental para a construção de um novo mundo de “equilíbrio entre as nações livres”.
O texto termina ressaltando o laço histórico entre Venezuela e EUA e pedindo que “não tenha espaço a guerra, a exclusão e a discriminação”. O presidente, Nicolás Maduro, também comentou a vitória de Trump. Ele disse que não teve uma boa relação com os Estados Unidos durante sua primeira gestão, mas que agora é a chance de ter um “recomeço”.
“No primeiro governo não tivemos uma boa relação, mas agora é um recomeço. Para que apostemos em uma relação de ganha-ganha, que vá bem para Estados Unidos, Venezuela, América Latina e o Caribe. Me solidarizei quando ele sofreu tentativa de atentado e agora desejo boa sorte. Estarei sempre a disposição para ter relações positivas com os Estados Unidos, de diálogo”, disse.
Ele evitou se posicionar a favor de um dos candidatos da disputa eleitoral entre Trump e Kamala Harris. Segundo Maduro, a Venezuela não vai se intrometer em assuntos internos de outros países.
“Não acreditamos que um candidato ou outro favoreça ou não a Venezuela. As soluções da América Latina estão na América Latina e as soluções da Venezuela estão na Venezuela. Devemos iniciar relações ganha-ganha, para que a história da humanidade seja diferente”, disse Maduro.
Para a diplomacia venezuelana, o cenário ainda é incerto. Se antes das eleições a chancelaria entendia que era difícil precificar quem seria o menos pior, depois do pleito “cautela” é a palavra de ordem. Para alguns diplomatas, Trump foi o responsável por apertar as sanções contra o país e poderia manter essa postura agressiva contra a Venezuela. Já para uma outra ala, o republicano poderia ser mais pragmático que Kamala e negociar com a Venezuela.
Para a chancelaria, a análise é de que a vitória de Trump já era esperada pela forma como foi desenhada a campanha eleitoral e pelo apoio que o republicano tinha nos Estados-chave. Segundo a diplomacia, o governo venezuelano já estava preparado para isso e a resposta de Maduro foi um exemplo de como esse cálculo estava sendo feito.
Ao manter uma postura amistosa e de respeito ao processo eleitoral estadunidense, o presidente venezuelano definiu a linha que o seu governo vai manter em um primeiro momento: esperar e ver como Trump vai lidar com os negócios que estão sendo desenvolvidos na Venezuela. A avaliação é de que, com Kamala Harris, talvez a postura do governo fosse diferente e um pouco mais ofensiva, já que seria uma relação de continuidade nas conversas que já estão estabelecidas.
A expectativa é de que, em um cenário positivo, Trump mantenha as licenças para o mercado petroleiro em um primeiro momento. Em outubro de 2023, os EUA emitiram licenças para que a Venezuela pudesse vender seu petróleo no mercado internacional. A decisão do governo estadunidense foi tomada depois que o governo venezuelano assinou um acordo em Barbados com parte da oposição para definir as regras iniciais para a eleição de 2024.
A principal delas, a licença 44, venceu em abril de 2024 e foi substituída pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos pela licença 44A, que determina que as empresas que mantêm negócios com a estatal petroleira PDVSA deveriam pedir autorização da Agência de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) dos EUA para retomar os negócios. Na prática, é uma forma de tornar o processo de negociação mais burocrático com a estatal venezuelana.
Venezuela e EUA tiveram um encontro no Catar no final de 2023, quando foi assinado um acordo determinando que Washington liberasse o empresário Alex Saab e, em troca, Caracas libertaria 10 estadunidenses presos no país. As conversas foram mediadas pelo governo catari. As duas partes também falaram sobre a derrubada das sanções e questões migratórias.
Em abril de 2024, Washington e Caracas se encontraram na Cidade do México. O objetivo foi discutir a interferência estadunidense nas questões internas, sendo a principal delas, as eleições de 2024. Na ocasião, o Ministério das Relações Exteriores venezuelano voltou a dizer que rejeita a interferência norte-americana e afirmou ter repassado aos representantes estadunidenses o acordo firmado em Doha sobre a suspensão das sanções e questões migratórias.
Os governos dos dois países abriram em julho uma nova rodada de negociações. A ideia é retomar o diálogo e as negociações comerciais entre os dois países. Na ocasião, Venezuela e EUA concordaram em manter as comunicações “de maneira respeitosa e construtiva” e se mostraram dispostos a “trabalhar em conjunto para ganhar confiança e melhorar as relações”.
Relação tensa no primeiro mandato
O presidente eleito Donald Trump foi responsável por apertar as sanções contra a Venezuela em 2017, logo no seu primeiro ano. Se Barack Obama tinha decretado a Venezuela uma "ameaça inusual para a segurança interna dos Estados Unidos", o republicano fechou o cerco contra Caracas e proibiu que o país sul americano negociasse petróleo no mercado internacional.
A medida prejudicou os cofres venezuelanos e fez com que o país visse sua entrada de dólares despencar. Durante os 4 anos de governo, o republicano não escondeu sua posição contrária ao governo de Maduro e chegou a falar em “uma possível opção militar, se necessário”.
As relações entre Venezuela e EUA estão cortadas desde 2019, durante a administração do republicano. Os estadunidenses não reconheceram a vitória eleitoral de Maduro de 2018 e deram aval ao ex-deputado Juan Guaidó para assumir as empresas venezuelanas que atuam nos EUA. A relação esfriou e os países fecharam embaixadas e consulados em Washington e Caracas. Mas não foi só nesse episódio que Trump se colocou contra o governo venezuelano.
Mas apesar de uma relação institucional muito tensa, havia um respeito de Trump para Maduro. É o que diz a ex-assessora de Segurança Nacional durante o governo do republicano, Olivia Troye. Em entrevista à agência Efe, ela afirmou ter ficado surpresa quando, em uma reunião, Trump disse que gostava de Maduro porque ele é um homem “forte”.
Segundo ela, Trump reiterava em diferentes momentos a “qualidade” de Maduro de ser um homem forte e, ao mesmo tempo, o defeito de Juan Guaidó de ser um homem fraco. Essa postura, de acordo com Troye, deixava os assessores da Casa Branca confusos em relação às intenções de Trump com a política venezuelana.
Edição: Rodrigo Durão Coelho