A abordagem da sociobiodiversidade no Planapo contribui para a proteção da riqueza e diversidade
A biodiversidade, tema da COP16, que se encerrou na última sexta-feira em Cali, na Colômbia, entrou numa etapa de declínio alarmante, e uma das conclusões de especialistas de todo o mundo é que a principal causa disso é o sistema alimentar global. Para entender como o Brasil, que é peça-chave desse sistema, pode fazer parte não só do problema, mas também propor soluções, analisamos o tratamento dado ao tema no Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), lançado no último mês pelo governo federal com a participação de entidades da sociedade civil em sua elaboração.
Quando dizemos alarmante, estamos falando da perda, desde os anos 1970 até hoje, de 68% da população global de mamíferos, peixes, aves, anfíbios e répteis e da ameaça de extinção de 38% das espécies de árvores conhecidas no planeta (16 mil), de acordo com o primeiro levantamento global sobre o assunto, divulgado na última semana pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês).
Este cenário por si só é apocalíptico, mas se pensarmos que das 6 mil espécies vegetais e animais que são usadas para alimentação, apenas 9 respondem por 66% das colheitas em todo o mundo (Food and Energy Security), fica mais evidente o risco que o ser humano corre ao contar com tão poucas espécies para sobreviver.
O terceiro Planapo, que terá vigência até 2027, nasceu justamente para colocar em prática e articular ações, programas e projetos de produção orgânica e de base agroecológica que possam contribuir para a segurança e soberania alimentar e nutricional por meio da biodiversidade.
A biodiversidade está presente em todos os objetivos do plano, de várias formas, desde seu fomento, gestão, manejo e conservação até a construção e socialização de conhecimentos e ampliação da comercialização e consumo da sua produção, tanto em compras públicas quanto em mercados privados de alimentos.
Mas não só isso, o novo plano incorpora um conceito que abrange a diversidade biológica conectada à diversidade sociocultural, a sociobiodiversidade. “Se existe natureza e conhecemos os benefícios de seus produtos, isso se deve a todos e todas, homens e mulheres, que, desde que o mundo é mundo, protegem o uso sustentável desses recursos”, afirma Fábio Pacheco, integrante da Associação Agroecológica Tijupá e da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Pacheco lembra que essa demanda não foi bem representada na primeira versão do Planapo. Já na segunda versão, houve uma interrupção abrupta por conta do golpe à presidenta Dilma Rousseff, o que tornou impossível implementar muitas das ações planejadas.
Para ele, a abordagem da sociobiodiversidade no Planapo contribui para a proteção da riqueza e diversidade de espécies da natureza associada aos conhecimentos para produção de alimentos, fibras, compostos medicinais etc. Com a necessidade de diminuir os impactos das mudanças climáticas, no Planapo recentemente aprovado houve crescimento de iniciativas ligadas à sociobiodiversidade: são 112 iniciativas, de um total de 197; no plano anterior, havia 25. “Ao ter um eixo que trata especificamente da sociobiodiversidade, o Planapo torna possível a existência de florestas, mangues, campos naturais e outros importantes ecossistemas para o equilíbrio ambiental”, acrescenta.
Um tema fundamental para a biodiversidade é a regularização fundiária dos territórios tradicionais. São as comunidades tradicionais que mais a protegem, e hoje faltam recursos para mapear, reconhecer e garantir seus direitos territoriais. “É alarmante a morosidade para regularizar áreas de reservas extrativistas de uso sustentável (Resex), e 90% das áreas quilombolas ainda estão sem regularização”, denuncia. “As novas iniciativas propostas no Planapo vão contribuir com essa regularização dos territórios, o que é um avanço em relação à primeira versão do plano, que não contemplava este tema", analisa Pacheco.
Outro importante avanço que o Planapo pode trazer para a sociobiodiversidade é a agroindustrialização de seus produtos. “Ainda há muitas etapas a serem vencidas, inclusive legais, para que possamos ter perto de 1% de todo o potencial que há no país para atividades econômicas ligadas ao tema, mas, sem dúvida, o Planapo tem contribuições efetivas para ampliar processos econômicos da sociobiodiversidade, principalmente com ações de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) voltadas à organização produtiva”, diz Pacheco.
Agora, com a eleição do presidente Lula e a retomada da política de Agroecologia, há grandes perspectivas de fortalecer, de fato, a política de agroecologia e produção orgânica. Segundo Pacheco, essa expectativa é alimentada pela possibilidade de implementar ações e políticas de forma integrada, como, por exemplo, com o Plano Nacional de Abastecimento Alimentar e ações de adaptação e mitigação relacionadas aos efeitos das mudanças climáticas.
“Temos que construir cada vez mais iniciativas no Planapo que fortaleçam o papel da sociobiodiversidade, tendo em vista o potencial e todo conhecimento que as nações indígenas e os povos e comunidades tradicionais detêm, sempre garantindo que ações, programas e planos que tenham como meta fortalecer esse campo, sempre tenham esses protagonistas e seus direitos assegurados”, conclui Pacheco.
Edição: Nathallia Fonseca