Coluna

Reunião e desconstrução

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Governo Lula fez série de reuniões com ministros, entre eles Fernando Haddad, da Fazenda, para definir cortes - Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
O governo resistiu dois anos às pressões do mercado pelo ajuste nas contas públicas

Olá,

Com a vitória da direita nos Estados Unidos e a pressão do mercado no Brasil, o vento mudou e o governo cedeu à lógica da austeridade.
 

.Make Brazil small again. É preciso fazer muito esforço para encontrar algum aspecto positivo na vitória de Donald Trump. Nem os mais pragmáticos se agarram na lembrança de que Lula teve melhores relações com George W. Bush do que com Obama, incluindo um acordo do Etanol que bombou o agronegócio na época. É bastante provável que na área comercial os dois países tenham relações protocolares, mas a proposta de Trump para elevar as tarifas de importados deve fortalecer o dólar, dificultar as exportações para os EUA e ter consequências de quedas nos preços dos commodities. Enquanto na geopolítica, Trump deve elevar o tom contra a Venezuela e a China, deixando o Brasil no meio do tiroteio com um vizinho com quem as relações ficaram tensas e com o nosso principal parceiro comercial. E, mesmo sem a parceria com Steve Bannon, Trump reassume a liderança da extrema-direita mundial, deslocada para Europa no último período, e prepara uma ofensiva contra as esquerdas latino-americanas, baseada no tradicional método de financiamento via “ajuda humanitária”. De imediato, a eleição de Trump já jogou areia nas duas meninas dos olhos da diplomacia brasileira. Com um Biden literalmente em fim de carreira e sem influência sobre o próximo governo, a Cúpula do G20 , no Rio de Janeiro, deve ser inócua. O mesmo risco que corre a COP30 no ano que vem, em Belém, agora sob o risco de que Trump novamente abandone os Acordos do Clima em Paris. Na verdade, com Biden ou Trump, a COP16 da Biodiversidade,encerrada na semana passada, já demonstrou que quando o assunto é clima, a especialidade dos governantes é não decidir nada e não cumprir o que foi decidido anteriormente. A médio prazo, a eleição também acende dois alertas no Planalto. Primeiro, que a economia com Biden gerou mais empregos, mas não aumentou a renda nem segurou a inflação. Um cenário muito semelhante ao vivido aqui. Por fim, obviamente, os bolsonaristas contam que os laços com Trump resultarão em alguma forma de pressão sobre o STF e as instituições brasileiras para que Bolsonaro reverta a inelegibilidade e repita o mesmo caminho do ídolo, voltando para o Planalto em dois anos. O problema é que o trem da direita também andou e, se Bolsonaro sonha em ser candidato, terá que convencer antes seus próprios aliados

.O tempo acabou. O governo resistiu dois anos às pressões do mercado pelo ajuste nas contas públicas, leia-se austeridade. Tentou até fazer do limão uma limonada, colocando no caminho uma reforma que seria uma vitória num país com um sistema tributário tão confuso e injusto. Mas, depois que as propostas de aumento de receitas foram inviabilizadas pelo Congresso, vide a derrota da proposta de taxação das grandes fortunas, restou apenas ceder. O problema é que o corte de gastos vem no mesmo momento de uma retomada dos juros, com um aumento de meio ponto percentual na Selic, entregando mais 26 bilhões do orçamento para a Faria Lima, levando o governo a uma dupla derrota. O tema ainda ajudou a esvaziar a boa notícia de que houve a maior redução do desmatamento da Amazônia dos últimos 15 anos. Agora, a estratégia de Lula parece ser a de redução de danos, enquanto Haddad tenta capitalizar a derrota como o homem da moderação e do bom-senso. Antes de tudo foi necessário aparar arestas entre os ministros e evitar fogo amigo, o que não foi um sucesso. Ao mesmo tempo, Lula ensaiou a retomada da ofensiva sobre o Banco Central, talvez na esperança de garantir como contrapartida uma estabilização dos juros na próxima reunião do Copom. Por fim, o governo joga para co-responsabilizar o Congresso pelas medidas impopulares e conta com a morosidade do processo no Legislativo. Porém, o movimento é arriscado, já que o mercado agora ficará de olho para cobrar uma rápida aprovação da matéria. Além disso, se o Congresso não faz nenhum esforço para cortar gastos, já que um acordo garantiu um aumento de R$ 11,5 bilhões no valor das emendas, ele também não dá qualquer certeza de que é um aliado confiável do governo na luta contra o mercado.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Project 2025: Como Trump ameaça o mundo. O que diz o projeto de extrema-direita dos assessores de Trump para “refundar os EUA”. No Outras Palavras.

.Cuba resiste em meio a furacões, sanções e apagões. Ed Augustin analisa a sucessão de crises que afetam o governo cubano. Na Jacobina.

.‘Pensei que já tínhamos morrido’. Família brasileira relata o terror vivido no Líbano sob ataques israelenses. No Intercept.


.Forte queda do desmatamento mostra que Brasil pode mais. Apesar dos desastres, há sinais positivos, mas o governo precisa enfrentar suas contradições. No Observatório do Clima.


.Netflix apaga em silêncio coleção de filmes palestinos. A exclusão de 23 filmes palestinos da plataforma de streaming após os ataques à Gaza. No Intercept Brasil.


.A Colômbia está do lado certo da história. A Jacobin entrevista Daniel García-Peña, embaixador colombiano nos Estados Unidos.


.Marighella, de Isa Grinspum Ferraz. Nos 55 anos de sua morte, assista o precioso  e completo documentário sobre a vida política e pessoal do militante comunista.

O Estrangeiro. O novo podcast do Brasil de Fato, para discutir a conjuntura internacional, analisa as eleições americanas, com participação da correspondente Eloá Orazem e do editor do Ponto Miguel Stedile.


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Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Nathallia Fonseca