Nesta sexta-feira (8), último dia de exibições do festival Janela Internacional de Cinema do Recife, o Cinema São Luiz estará lotado para assistir ao longa pernambucano “Tijolo por Tijolo”. O documentário apresenta os desafios da vida real de Cris Martins, influenciadora digital, mãe de quatro filhos e moradora do Ibura, periferia na zona sul do Recife. Desempregada e com a casa condenada, ela e o marido Albert se desafiam com humor nas redes sociais para pagar as contas e reconstruir seu lar.
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Produzido pela Revoada Filmes e dirigido por Victória Álvares e Quentin Delaroche, o filme teve sua semente plantada quando os dois diretores se somaram à produção audiovisual do Mãos Solidárias, iniciativa que surgiu durante a pandemia de covid-19 para a distribuição de marmitas e alimentos in natura para famílias em situação de vulnerabilidade econômica. “Cris Martins estava envolvida com o Mãos no Ibura. Nos conhecemos e estreitamos a amizade, conversamos sobre projetos nossos”, recorda Victória.
A dupla de diretores estava fazendo um estudo, pesquisando personagens, conhecendo seus territórios e relações sociais. Cris despertou o interesse, mas uma nova onda de covid-19 os obrigou ao distanciamento. “Quando retomamos o contato, tudo havia mudado: ela não estava mais próxima daquela rede de relações, estava grávida do quarto filho e com a casa condenada ao desabamento. Entendemos que o projeto que tínhamos não existia mais - mas ali havia um outro filme”, explica Álvares.
A professora de dança Cris Martins ficou desempregada e seu esposo Albert Ventura, amolador de alicates, teve grande perda de renda com o fechamento dos salões de beleza na pandemia. “Começamos a acompanhar isso, os sonhos deles, seguindo em frente apesar das adversidades”, conta Quentin, francês radicado no Recife. Para Victória, o casal representa milhões de famílias. “Metade dos trabalhadores brasileiros são informais e muita gente enxerga nas redes sociais uma possibilidade para fechar as contas no fim do mês. O Brasil é um dos países com maior número de influenciadores”, diz ela.
Habituados às câmeras de seus celulares, em que gravam esquetes de humor, Cris e Albert tiveram que se acostumar com os diretores e outras câmeras filmando a vida real do casal, onde nem tudo é divertido. “Existem os influenciadores, que são personagens, mas também a pessoa. Também tem a mãe dela e as crianças. Mas rapidamente chegamos a um nível de confiança”, conta Delaroche. O filme foi gravado ao longo de dois anos, entre 2021 e 2023.
Ele e Álvares buscaram criar intimidade e participar do dia a dia da família, para que o documentário fluísse com mais naturalidade. “Passamos muito tempo filmando, mas também sem filmar. Convivemos, brincamos com as crianças, carregamos tijolos, marcamos consulta médica. Construímos uma confiança mútua”, diz o diretor. A equipe de imagem e som foi composta por apenas Quentin e Victória, que evitaram aparatos como tripé ou luz artificial. “Conseguimos ter essa proximidade e vinculação humana”, completa Victória.
O filme, segundo a diretora, não tem uma temática definida. “É um filme sobre a vida de uma brasileira como tantas. A reconstrução da casa é um arco narrativo, mas tem a maternidade, a relação com as crianças, a gestação, a luta pela laqueadura no SUS, a tentativa de consolidação profissional… ele atravessa várias questões e provoca muitas reflexões”, diz Álvares, citando ainda o desafio de “costurar um filme com todos esses fios”.
Recepção
A primeira sessão de “Tijolo por Tijolo” foi na sala da casa de Cris e Albet, com uma plateia de nove pessoas: o casal de protagonistas, as quatro crianças e a matriarca. “O filme não estava finalizado ainda, mas foi muito especial. Ela ria e chorava o filme todo, as crianças também. Se surpreenderam muitas vezes por coisas que falaram ou por não lembrarem que estavam sendo filmados”, conta Victória.
A primeira exibição em festivais foi em junho, no Olhar de Cinema (Curitiba, Paraná). “Conseguimos levar Cris e a mãe para Curitiba e as pessoas tiravam fotos com elas na rua. Foi emocionante. Um jovem cujo pai é pedreiro se viu na figura de Caíque [filho dos protagonistas] e se emocionou com Albert trabalhando na construção”, lembra Victória. “Um filho de um pedreiro foi ao cinema e se emocionou porque se viu na tela. É por isso que a gente faz cinema”, conta a diretora, orgulhosa.
Antes da Janela de Cinema do Recife, o longa documental passou pelos festivais Cine Alter (Alter do Chão, Pará) e pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (SP). A obra conquistou os prêmios de Melhor Longa pelo voto da Crítica, Melhor Montagem e Melhor Direção - todos no Olhar de Cinema.
Exibição
Com duração de 1 hora e 42 minutos, “Tijolo por Tijolo” será exibido às 17h desta sexta-feira (8), no Cinema São Luiz, durante a programação da 15ª Janela Internacional de Cinema do Recife. O festival fretou dois ônibus que levarão moradores do Ibura para a sessão. “Lotou rápido!”, diz Quentin Delaroche, citando ainda que os ingressos à venda no site do festival já esgotaram, mas 10% serão vendidos no dia. “Uma professora do bairro vai levar a turma toda. Serão muitas crianças. Muita gente vai ao cinema pela primeira vez - inclusive os filhos de Cris - e vai ser no São Luiz, se vendo na tela”, comemora o diretor.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Nicolau Soares