Após a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) prever para esta terça-feira (12) a discussão de uma proposta que abre espaço para o fim do aborto legal, dezenas de feministas se concentraram na Câmara dos Deputados para protestar contra a medida, alvo agora de mais uma queda de braço entre o campo progressista e a ala fundamentalista no Legislativo. O texto em questão é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 164/2012, de autoria dos ex-deputados João Campos (PSDB-GO) e Eduardo Cunha (MDB-RJ), sendo este último ex-presidente da Câmara cassado em 2016.
As militantes que marcaram presença no local tentaram ingressar no plenário da CCJ para acompanhar os debates do colegiado de perto, mas foram impedidas de entrar. Portando cartazes e evocando gritos de protesto, as participantes do ato se queixaram de falta de acesso à CCJ. A manifestação reuniu lideranças de diferentes coletivos de mulheres. "Acho totalmente antidemocrático porque é um assunto que diz respeito às nossas vidas e pode inviabilizar um direito conquistado há anos, que é o aborto legal, e nós mulheres ficamos de fora. É muito ruim esse posicionamento [da Câmara]", disse a secretária de Mulheres da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Amanda Corcino.
Do ponto de vista do conteúdo, a PEC modifica o artigo 5º da Constituição Federal para prever que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, desde a concepção, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes". Na justificativa da proposta, os autores afirmam que "a discussão acerca da inviolabilidade do direito à vida não pode excluir o momento do início da vida. A vida não se inicia com o nascimento, e sim com a concepção. Na medida desse conceito, as garantias da inviolabilidade do direito à vida têm que ser estendidas aos fetos, colocando a discussão na posição em que deve ser colocada".
Na prática, ao prever "a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção", o texto inviabiliza o aborto nos três casos já previstos pela legislação brasileira. O país autoriza a interrupção da gravidez quando se trata de fetos anencéfalos, risco de vida para a gestante e estupro, sendo estas duas últimas situações existentes no arcabouço legal do país desde o Código Penal de 1940.
"[A PEC] é um absurdo. A gente tem lutado muito para garantir o básico para as mulheres vítimas de violência nos casos [de aborto] previstos em lei, e aí de repente chega mais esse ataque aos nossos direitos para tirar o que já está previsto pra gente [na legislação]. E é com muita dificuldade que a gente consegue ter amparo judicial [para o aborto legal] ou na área de saúde. Quando a Câmara coloca isso em pauta, ela fortalece [essa dificuldade]. É um ataque direto aos direitos das meninas e das mulheres", critica a assistente social Keka Bagno, militante do coletivo Juntas, que também compareceu à Câmara nesta terça para engrossar o coro contra a proposta.
Hoje com 76 anos de idade e após décadas de ativismo em prol dos direitos das mulheres, Gilda Cabral, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), lembrou que a tentativa da CCJ de acelerar a PEC repete uma estratégia utilizada por grupos reacionários em outros momentos da história. "Mas eu nunca pensei que pudéssemos ter hoje um Congresso tão desligado das necessidades da população e dos debates sobre direitos iguais. Nunca pensei que, em pleno 2024, a gente viesse aqui para protestar contra uma PEC dessas de novo. Desde 1940 que tem a previsão de aborto. Se essa PEC passar, além do retrocesso que ela representa, o texto vai colocar em xeque acordos internacionais assinados pelo Brasil [pela equidade de gênero]", afirma.
Trâmite
No início da sessão da CCJ, o colegiado aprovou uma inversão de pauta, o que, na prática, fez a PEC 164/2012 subir na lista que ordena os itens a serem apreciados pela comissão. A inversão recebeu sinal verde com apoio não só de parlamentares mais fundamentalistas, mas também de membros do campo da direita liberal. O placar ficou em 29 votos favoráveis e apenas 12 contrários, com apoio das legendas PL, União, Republicanos, Podemos, Novo e da liderança da oposição pela aprovação.
As siglas PT, PCdoB, PV, PSDB, Cidadania, Psol e Rede orientaram os correligionários a rejeitarem a inversão de pauta. No placar final da votação, dois parlamentares se abstiveram e outros dois fizeram obstrução, tipo de recurso que os deputados utilizam para tentar dificultar uma votação. Com a aprovação do requerimento, a PEC 164 pode ser discutida e votada na CCJ a qualquer momento, mas ainda não começou a ter o conteúdo debatido nesta terça porque o início da ordem do dia no plenário da Casa fez com que as comissões precisassem encerrar as reuniões no final da tarde.
Edição: Nicolau Soares