Essa ideia de nós contra eles, direita contra a esquerda, nós tínhamos que fugir dessa armadilha
O médico sanitarista e deputado estadual Lúdio Cabral (PT) se tornou um dos nomes mais comentados no segundo turno das eleições municipais, após chegar ao segundo turno na disputa pela prefeitura de Cuiabá (MT), município onde o eleitor conservador deu vitórias contundentes à extrema direita nos últimos anos.
Para avançar na eleição cuiabana, Cabral optou por escancarar uma plataforma mais conservadora, que dialogava com o perfil do eleitor local. Na abertura do segundo turno, a fim de responder seu adversário Abílio Brunini (PL), se declarou contra pautas históricas da esquerda, como o aborto e a descriminalização das drogas.
Após a eleição, ganhou aliados dentro do partido, na pretensão de colocar mais ao centro os temas centrais do PT no próximo período, que deve ser marcado pela tentativa de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2026.
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Ao BdF Entrevista, Lúdio falou sobre o caráter de centro em sua campanha. "Na minha opinião, esses temas [pautas de costume] não podem ter a centralidade do debate e da atuação partidária. São temas sérios que precisam ser debatidos pela sociedade civil, pesquisadores, estudiosos, profissionais e por parlamentares, de forma séria e sem contágio por ambiente eleitoral ou desinformação. Esse debate tem lugar e não pode ser a centralidade da atuação partidária e parlamentar. Nós vivemos numa sociedade conservadora e temos que discutir outros temas da vida brasileira."
Lúdio Cabral foi vereador em Cuiabá por dois mandatos (2005 a 2012), candidato a prefeito de Cuiabá (2012) – quando obteve mais de 140 mil votos (45,3%) no segundo turno – e também candidato a governador em 2014 – com mais de 470 mil votos (32,4%) no primeiro turno que elegeu Pedro Taques (PDT). Em 2018, foi eleito deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores com 22.701 votos, e reeleito em 2022 com 47.533 votos.
Agora, em 2024, perdeu a eleição para prefeito de Cuiabá no segundo turno. O petista teve 147 mil votos, contra Abílio Brunini, que somou 171 mil votos e governará a capital mato-grossense até 2028.
Confira o vídeo da entrevista na íntegra e leia os principais trechos abaixo:
Brasil de Fato: Eu vou abrir nossa conversa falando sobre a eleição deste ano. Ao contrário do que muita gente pensa, você não é um político novato, que acidentalmente se tornou um fenômeno local. Como você explica o ótimo desempenho da sua candidatura?
Lúdio Cabral: Nós tínhamos uma leitura clara dos desafios que teríamos que enfrentar. O primeiro deles era a resistência ao PT. Ao longo dos últimos anos, o antipetismo se consolidou aqui no Mato Grosso. Ele é mais forte no interior, mas é forte aqui em Cuiabá também. Em 2022, o Lula teve 33% dos votos em Cuiabá e 39% no segundo turno. Nosso primeiro desafio era entrar na disputa com uma parcela da população contra o PT e tínhamos que dialogar com essa parcela. Nós procuramos fazer uma campanha ampliando o diálogo com setores resistentes ao PT. O primeiro deles, o eleitorado evangélico, onde há uma resistência ao PT, por conta da pauta de costumes e a desinformação propagada pela extrema direita. O outro campo com quem queríamos dialogar é a classe trabalhadora moderna, que tem na cabeça essa ideia de empreendedorismo, que não é muito ligado a ter patrão e que usam aplicativos para trabalhar. Mas vai além disso: tínhamos que falar com o pequeno empreendedor, que tem uma lanchonete, uma padaria, um salão de beleza, enfim, profissionais liberais de várias áreas. Nós traçamos uma estratégia, precisávamos fugir e escapar da armadilha da polarização, de direita e esquerda. Essa ideia de nós contra eles, direita contra a esquerda, nós tínhamos que fugir dessa armadilha. Como? Pautamos os problemas da cidade.
Quero caminhar para dentro da sua campanha. Você deu uma entrevista polêmica, que mexeu com a base petista em diversas partes do país. Nesta entrevista, o senhor afirma: "sou médico, fiz um juramento de proteger a vida, desde a concepção". Em seguida, o senhor afirma ser "ser contra a liberação" [de drogas] e, por fim, ser "contra esse debate de ideologia de gênero nas escolas, linguagem neutra nas escolas". Esse discurso foi classificado por alguns setores da mídia como uma manipulação do discurso para ganhar vantagem eleitoral em uma cidade conservadora. O que tem de verdade aí?
Essas posições são minhas, do Lúdio cidadão. É lógico que exerço um mandato e tenho noção do respeito que devo ter com essas pautas de todas as parcelas da população. Eu já enfrentei esses temas nas eleições de 2012, quando também fui candidato a prefeito, mas essas pautas não tinham tanta força. Como eu disse aqui, nós focamos nos problemas da cidade, mas tínhamos que respoinder aos ataques que o adversário fez contra nós. "O PT é a favor da drogas, de ideologia de gênero na escola" e as fake news que a extrema direita espalha para colocar medo no eleitor, especialmente o eleitor cristão. Então, eu abri o segundo turno já deixando claro minha posição sobre esses temas e são temas que debato no PT, são temas sérios que precisam ser debatidos, mas no Congresso Nacional. Não são temas que podem ser tratados de forma irresponsável numa eleição.
Como o senhor lida com as contradições de estar em um partido que tem valores absolutamente contrários a esses e como o partido lidou com essas contradições durante a eleição?
Na minha opinião, esses temas não podem ter a centralidade do debate e da atuação partidária. São temas sérios que precisam ser debatidos pela sociedade civil, pesquisadores, estudiosos, profissionais e por parlamentares, de forma séria e sem contágio por ambiente eleitoral ou desinformação. Esse debate tem lugar, não pode ser a centralidade da atuação partidária e parlamentar. Nós vivemos numa sociedade conservadora e temos que discutir outros temas da vida brasileira. É lógico que diversos setores têm o direito de se organizar e lutar por suas pautas. Os problemas concretos da população são outros, ela quer ter oportunidade de crescer, ter renda digna, ter segurança, quer ter alimento de qualidade, ter um salário com carteira assinada, são essas pautas da vida cotidiana das pessoas que devemos debater. São dois anos que temos pela frente para nos prepararmos para a disputa de 2026.
Edição: Thalita Pires