"Andamos duas maratonas São Silvestre por dia por um salário-mínimo". "Estamos cansados de andar mais de 4 km por R$ 6,50". "Chega de ser obrigado a alugar bikes sucatas da TemBici e iFood e ainda assim ganhar pouco". Com frases como essas coladas nas bags, um grupo de entregadores de bicicleta em São Paulo foi até a sede do iFood, em Osasco (SP), nesta quinta-feira (14).
Insatisfeitos com trajetos que afirmam ter 4 km, 5 km e até 6 km para receber a taxa mínima por corrida de R$ 6,50, entregadores de bike querem que a distância por corrida seja de no máximo 3 km.
Em tese, o valor de R$ 6,50 é o mínimo que um trabalhador recebe em cada entrega, o que deveria aumentar de acordo com a distância percorrida. Na prática, no entanto, as regras não são claras e os entregadores relatam que raramente recebem valores maiores do que a taxa mínima. Por isso, decidiram reivindicar um limite para a quilometragem percorrida.
O estopim para que a categoria começasse a se organizar em grupos de Whatsapp que variam de cerca de 300 a 800 participantes foi uma mudança feita pelo iFood para a modalidade bicicleta no último 29 de outubro. Desde essa data, só podem rodar na modalidade bike elétrica (e-bike) aqueles que a alugarem da empresa TemBici, parceria entre o iFood e o banco Itaú. O aluguel custa R$ 95 por semana.
Entregadores ouvidos pelo Brasil de Fato afirmam que, para compensar o custo com o aluguel, trabalhadores que optassem por rodar com o equipamento elétrico do TemBici tinham prioridade para que pedidos chegassem e uma distância menor nas corridas. Segundo eles, atualmente isso não acontece mais e os trajetos das entregas chegam a 5 km.
Além da distância máxima de 3 km por corrida para todos os tipos de bicicleta como demanda principal, entregadores reivindicam o fim da exclusividade do modal de bike elétrica com a empresa TemBici.
"As bikes da TemBici que não são elétricas, as laranjas, são sucateadas", complementa Gabriel*, entregador em São Paulo há cerca de dois anos e um dos organizadores da mobilização. O aluguel destas é de R$ 32 por semana mais R$ 2 pela retirada. "É pneu careca, freio gasto, às vezes nem tem freio, você está descendo uma ladeira no meio da entrega, o freio logo estoura, as peças soltas, entende? É uma desgraça", descreve.
"Nós queremos que o iFood olhe mais para nós, porque nós estamos na rua tomando chuva e sol, risco de carro nos atropelar, e eles não estão dando valor para nós", afirma Nelson*, que faz entrega de bike há cinco anos.
"A gente tem família em casa", ressalta ele, que tem filhas gêmeas de quatro anos e viu sua renda diminuir nos últimos anos. "Agora, com o iFood colocando essas corridas, se nós fizermos quatro corridas de 4,5 km a R$ 6,50, nós vamos rodar 18 km para fazer R$ 26", calcula Nelson.
Mathias*, aos 23 anos, já tem oito como entregador. Atualmente, pedala cerca de 100 km por dia, seis dias na semana, para alcançar a renda que precisa. Segundo ele, a diminuição da quilometragem por corrida é fundamental, porque há pouca margem para o entregador rejeitar um pedido que considere muito distante.
"Se você rejeita uma rota sete vezes, o app te bloqueia por 15 minutos", explica. Ou seja, durante esse período, o trabalhador não vai ser chamado para nenhuma entrega. "E a partir daí, se recusar mais uma, você pega mais 15 minutos", conta Mathias.
iFood não recebe manifestantes
Na tarde desta quinta (14), o grupo de entregadores que foi até a sede da gigante do delivery não foi recebido. Na calçada, dois seguranças se apresentaram para os manifestantes, disseram não ter nenhum responsável da empresa no complexo de prédios do iFood e que seriam eles que passariam as demandas aos diretores.
Procurado pela reportagem, o iFood informou que "respeita o direito à manifestação pacífica e à livre expressão dos entregadores". Sobre a bicicleta elétrica, a empresa afirma que "está fazendo ajustes e a opção em breve voltará ao aplicativo dos entregadores que possuem e-bike própria".
"Recepção porcaria. Só pode falar com robô, com segurança, não é com eles que queremos falar. A gente está cansado. Vai ter muito mais organização dos bike", ressalta Gabriel.
"O segurança falou que nunca viu uma greve de bike", diz Tiago*, outro dos organizadores: "Então a gente tem que se unir, agora, para cima. É só o começo".
* Nome alterado para preservação da fonte.
Edição: Nicolau Soares