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Jeferson Tenório: 'Direito ao descanso é uma revolução em um país de herança escravocrata'

Autor do premiado 'O Avesso da Pele' lançou livro novo que celebra o avanço representado pela política de cotas no país

Ouça o áudio:

"O direito ao descanso, o direito ao lazer, eles têm que ser democratizados, quem pode ter esse tempo do lazer e tempo de descanso? Não são todas as pessoas" - Foto: Carlos Macedo/Divulgação
Há uma colonização do nosso tempo, do tempo do trabalhador, que começa quando ele levanta

O novo lançamento de Jeferson Tenório, De Onde Eles Vêm, faz um relato da realidade dos primeiros estudantes negros a ingressarem em universidades públicas por meio do sistema de cotas, no início dos anos 2000. 

Joaquim, o personagem principal do romance, mora em Alvorada, cidade na grande Porto Alegre (RS), e começa a estudar Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e se depara, logo na matricula do curso, com olhares e comentários discriminatórios por parte de outros alunos e dos próprios professores. 

As primeiras semanas de lançamento do livro coincidiram com a efervescência de outro movimento popular que pretende mexer numa estrutura do Estado brasileiro, no caso, com a jornada de trabalho.

A proposta articulada pela deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) de pôr fim à conhecida escala 6x1 já recebeu assinaturas necessárias para se formalizar como uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e tramitar no Congresso. Em paralelo, movimentos devem tomar as ruas das cidades do país nesta sexta-feira (15) pedindo o avanço da pauta em Brasília. 

O escritor considera os dois movimentos como "revoluções". Sobre as cotas, o autor considera que a política pública foi uma "revolução silenciosa" por, paulatinamente, semestre a semestre, dar direito ao ensino superior a uma população, tradicionalmente, excluída das universidades públicas. 

Sobre o fim da 6x1, Tenório diz que "o direito ao descanso é uma revolução e, principalmente, no Brasil que tem uma herança escravocrata", em entrevista ao programa Bem Viver desta quinta-feira (14). 

"O direito ao descanso, o direito ao lazer, eles têm que ser democratizados. Quem pode ter esse tempo do lazer e tempo de descanso? Não são todas as pessoas", explica o autor do premiado O Avesso da Pele.

De Onde Eles Vêm é a primeira publicação desde o livro vencedor do Jabuti de 2021 e que foi alvo de censura por parte de secretarias de educação no Brasil. O Avesso da Pele já virou peça de teatro e vai às telonas numa adaptação de Silvio Guindane, ainda sem previsão de lançamento. 

Tenório lembra que quando foi implementado o sistema de cotas, houve uma reação por parte de intelectuais que chegaram a assinar uma carta se pondo contra a política pública, o que, segundo ele, não o surpreendeu. 

"Tudo que propõe uma descolonização, seja do conhecimento, ou até jornada de trabalho, há uma reação, e geralmente essa reação é barulhenta, ela é violenta. Então não me causa surpresa que uma lista desse tipo tenha acontecido, justamente, porque a gente está num processo de descolonização de mentalidades.” 

Confira a entrevista na íntegra.

Como tem sido esses primeiros dias desde o lançamento do novo livro?

Esse é um momento muito esperado, né? Depois de O Avesso da Pele, criou-se uma expectativa, o que que vinha depois, justamente por causa de toda a caminhada do Avesso, do reconhecimento, de prêmios, das censuras... 

Mas desde sempre eu já tinha o objetivo de escrever um livro que não ficasse nos rastros do Avesso, ou seja, tentar uma outra coisa. 

E o que eu tenho percebido, agora, nesses dias que o De Onde Eles Vêm começou a ganhar os leitores, é um grande entusiasmo das pessoas. As primeiras críticas têm sido muito positivas, nas sessões de autógrafos, as pessoas já leram o livro e têm me dito coisas tão bonitas sobre o livro. 

Então, acho que, por mais que tenha sido difícil escrever o De Onde Eles Vêm, em função de tudo o que aconteceu com o Avesso, eu acho que eu fiquei satisfeito com o trabalho que eu estou entregando para os leitores.  

Essa identificação vem de pessoas que também foram beneficiadas pelo sistema de cotas?

É, também... passa muito por essa questão das pessoas se identificarem, né? Eu tenho percebido que o livro se tornou uma espécie até de documento histórico. 

Obviamente que o texto é uma ficção, né? Mas, ao mesmo tempo, ele acaba trazendo uma representação de um período bastante importante, que foi justamente a implantação das cotas.  

Acho que existe também uma identificação, não só pelos alunos, mas também pelos professores. O título De Onde Eles Vêm fala da origem desses cotistas, mas também fala da origem dos professores, de onde vêm esses professores, como é que eles lidam com a questão da diferença, da diversidade.  

A gente pode relacionar a revolução que foi o sistema de cotas com o que está sendo postulado, neste momento, de fim da jornada 6x1?

A questão que a gente está falando é de uma grande parte dos trabalhadores, que trabalham muitas vezes em lugares insalubres, muitas vezes mal pagos, uma precarização do próprio trabalho. E claro que cada realidade é uma realidade, cada trabalho pede um tipo de descanso, não dá para comparar um cara que trabalha de sol a sol, levantando pedra, com uma pessoa que trabalha de home office, por exemplo, né?  

Mas o fato é que, obviamente, o descanso é uma revolução. O direito ao descanso é uma revolução e principalmente no Brasil que tem uma herança escravocrata. 

O direto ao descanso é uma revolução, ou uma rebelião, certo?

A gente precisa, na verdade, se dar conta do quanto a modernidade nos trouxe conforto. Hoje, com tantos avanços tecnológicos, há muitos trabalhos que já são feitos por máquinas e, ao contrário do que se pensava, que a gente teria mais tempo, na verdade, há uma domesticação e uma colonização do nosso tempo, do tempo do trabalhador, uma colonização que começa quando ele levanta. 

Ou seja, o tempo do trabalho começa no momento que o trabalhador levanta para ir ao trabalho. E, às vezes uma hora, duas horas de deslocamento não são contabilizadas, com essa colonização do tempo 

O direito ao descanso, o direito ao lazer, eles têm que ser democratizados, quem pode ter esse tempo do lazer e tempo de descanso? Não são todas as pessoas.  

Temos acompanhado algumas reações contrárias ao fim do 6x1, muitos setores dizendo que é insustentável. Isso te remete ao que foram as críticas ao sistema de cotas quando foi implementado?  

A gente está falando do início dos anos 2000, quando a UnB [Universidade Brasília] começa, em 2002, com a implantação das cotas, e naquele período a gente não tinha uma discussão como a gente tem hoje. A gente não tinha uma gramática antirracista na ponta da língua, como a gente tem hoje. 

Não se falava em feminismo negro, são se falava em lugar de fala, branquitude, nada disso fazia parte daquela discussão.  

E também o modo como a ideia das cotas chegou no Brasil era como se fosse uma ideia importada dos Estados Unidos. O que de certo modo foi também, é um modelo que foi adaptado para a realidade brasileira. 

Então havia um sentimento de que estamos criando ou criaríamos um novo apartheid. Era uma opinião de quem não entendia o que significava o sistema de cotas e que talvez, genuinamente, acreditava que poderia causar algum tipo de dano no sistema educacional superior. Então, acho que era uma falta de conhecimento de muitas pessoas. 

E que se posicionaram rapidamente, não se deram o tempo necessário para conseguir avaliar de maneira mais profunda. Toda aquela pressa para fazer uma lista de assinaturas intelectuais, se colocando contra a questão das cotas. 

Passado alguns anos, a gente viu que foi um grande sucesso, a implantação das cotas. É inegavelmente um dos melhores planos de ações afirmativas que nós tivemos nos últimos anos.  

Alguns desses intelectuais se retrataram e hoje são defensores das cotas, outros apenas silenciaram.  

Tudo que propõe uma descolonização, seja do conhecimento, ou até jornada de trabalho, há uma reação, e geralmente essa reação é barulhenta, ela é violenta. Então não me causa surpresa que uma lista desse tipo tenha acontecido, justamente, porque a gente está num processo de descolonização de mentalidades. 


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Edição: Martina Medina