Uma manifestação pacífica de estudantes da Escola Estadual José Vieira de Morais, no bairro Rio Bonito, zona Sul de São Paulo, terminou nesta quarta-feira (13) com repressão por parte da Polícia Militar e três pessoas detidas.
Os estudantes lutavam contra a demissão de 19 professores da escola, após decisão da diretora Márcia Alencar, sustentada pela Resolução 77/2024 da Secretaria da Educação do Estado (Seduc), que trata do processo de realocação e transferência das escolas PEI (Programa de Ensino Integral).
Segundo os adolescentes, os professores foram "convidados a se retirar" sem explicação ou aviso há cerca de 15 dias, logo após a nova diretora assumir o cargo.
As realocações compulsórias ocorreram mesmo depois de alguns terem tido um bom desempenho na "avaliação 360", instrumento criado pela gestão do governador Tarcísio de Freitas e de seu secretário de educação Renato Feder para monitorar o desempenho dos docentes.
Vídeos mostram um efetivo de mais de 40 policiais jogando spray de pimenta nos adolescentes, além de agredirem uma menor de idade, imobilizando-a. "Respira devagar para não engasgar", orientou uma PM para uma estudante que gravava a truculência.
Segundo relatos, a menina, um pai, e um ex-membro do conselho tutelar da região foram detidos durante a ação. "Parecia um operativo para pegar traficantes", explicou a representante dos professores afastados, Cláudia Maria Luciano Limberti, do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp).
“Nossos professores, nossa luta”
Era cerca de 13h30 quando o Brasil de Fato chegou à escola. Já havia cinco viaturas da PM em frente ao local. No momento em que a reportagem iniciou a conversa com um dos estudantes, três agentes interromperam o diálogo solicitando a identificação deste repórter e questionando o motivo da nossa gravação.
Os PMs não responderam porque estavam ali, mas afirmaram que impediriam o protesto caso ele acontecesse. Um deles chegou a afirmar que o ato, para existir, deveria ser publicado no Diário Oficial da União, mas foi rapidamente corrigido pelos próprios colegas.
Colocando-se como porta-voz da escola, os PMs seguiram defendendo a ação da direção: "Demitidos não é o termo correto, eles foram transferidos", disse uma das agentes.
Em torno das 14h, quando os estudantes saíam do turno matutino, a manifestação iniciou de forma pacífica. Posicionados em frente à escola, ocupando apenas a calçada, cerca de 80 jovens portavam folhas e cartolinas com dizeres em apoio aos 19 professores afastados.
"Nossos professores, nossa luta", "Ser educado por professores bons não é escolha, é direito" e "Querem silenciar quem nos ensina a pensar" eram algumas das mensagens escritas.
Os policiais observavam o ato segurando seus revólveres e cercando os estudantes, a maioria menores de idade. Em instantes, o espaço já contava também com a presença de agentes da Companhia de Ações Especiais de Polícia (Caep) portando fuzis e intimidando os adolescentes a desocuparem a calçada.
A presença dos policiais portando armamento pesado gerou indignação entre os pais e representantes da comunidade que presenciavam a manifestação, entre eles seu Arlindo, morador da Capela do Socorro há 47 anos.
"Respeita a juventude. Isso é um absurdo. Aqui não tem vagabundo, bandido, traficante, para você querer intimidar. Polícia é mal vista por conta de comportamento que nem o seu", disse a um dos policiais, que justificou a presença alegando que faria um simulado de roubo a caixa eletrônico em um estabelecimento privado ao lado da escola.
"Os jovens estão se manifestando contra uma decisão arbitrária, de um governador irresponsável, de uma diretora que está expulsando professores queridos, e vem a polícia militar cercar, intimidar os jovens, com metralhadora na mão, dizendo que vai ter simulado de roubo de caixa a banco. Sou morador há 47 anos daqui e não acredito que isso está acontecendo", completou à reportagem.
Detenções e ameaças
Após alguns minutos, uma comissão formada por alunos, pais, e a representante da Apeoesp, entraram na escola para conversar com a direção. O restante dos estudantes, em maior número, permaneceu na escada que dá entrada ao Morais, aguardando o desfecho da conversa.
Quando tudo parecia se encaminhar para uma resolução tranquila, a PM, de forma inesperada, começou a dispersar os adolescentes com empurrões e bombas de gás lacrimogêneo.
Fábio Reis, representante do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Interlagos (Cedeca), presenciou o exato momento em que se iniciou a repressão.
"Um patente alta da polícia começou a se incomodar com os adolescentes em frente à porta da escola, e começou a empurrar os adolescentes", explica Fábio. "Em pouco tempo já haviam em torno de 50 policiais. Surreal", completa o representante do Cedeca Interlagos.
Nesse momento, quem estava dentro da escola tentava sair para ajudar os estudantes e impedir as detenções. Um dos moradores que filmava a ação truculenta contou 23 viaturas presentes no local.
"A polícia mandou os manifestantes subirem para a calçada. Ela tira eles da escada da escola, e quando sobem, começam a descer o cacete em todo mundo", explica Gabriel Oliveira, um dos representantes da comissão de estudantes que estava dentro da unidade.
Cláudia Limberti, do Apeoesp, conta que além das três detenções, os policiais tentaram levar à delegacia dois estudantes e uma professora que filmaram a ação, mas foram impedidos.
Limberti explica que houve negligência da escola no cuidado com os estudantes. "Foi terrível. Só terminou quando conseguimos botar os alunos para dentro. Se a escola tivesse deixado os estudantes entrarem, não havia ocorrido violência policial", conta a professora ligada a Apeoesp, que luta agora pela reversão das demissões.
Alguns dos estudantes, no fim da ação, tiveram que ser escoltados pelo sindicato e por um grupo de professores até o ponto de ônibus após receberem ameaças dos policiais. "Eles falaram que vão me pegar", disse à reportagem um dos adolescentes.
Em resposta ao Brasil de Fato, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo enviou a seguinte nota:
A Polícia Militar atuou, por meio da Ronda Escolar, em uma manifestação ocorrida na quarta-feira (13) em frente à Escola Estadual José Vieira de Moraes, em São Paulo. Equipes foram enviadas preventivamente e a ação garantiu a saída de alunos que estavam sendo bloqueados pelos manifestantes. Não houve registro de feridos. Um homem de 44 anos e uma estudante de 17 anos foram levados ao 101º DP (Jardim Imbuias), onde foram ouvidos e liberados.
Direção chamou a polícia?
A diretora, segundo os estudantes, se recusou a ir à delegacia prestar esclarecimentos e encaminhou a vice-diretora ao seu lugar. "A diretora se escondeu dentro da escola", pontua Fábio Reis, do Cedeca Interlagos. "A diretora negou que foi ela que chamou a polícia, mas os próprios policiais confirmaram", completou Reis.
Em nota enviada à reportagem, a Secretaria da Educação não respondeu se o aparato policial presente no local foi chamado pela própria direção da escola. A Seduc se restringiu a comentar o afastamento dos professores. Segundo a secretaria, eles não foram dispensados e permanecem ativos nos quadros da pasta para o ano letivo de 2025, "porém em outras unidades do Programa de Ensino Integral ou regulares".
A Seduc pontua ainda que "a realocação de unidade é prevista conforme avaliação, realizada entre direção, equipe gestora e Diretoria de Ensino".
Maria Eduarda Benta tem 18 anos e é estudante da escola. Ela conta o porquê do protesto. "É mais do que o nosso direito. Por causa dessa nova diretora, a escola só piorou. Ela demitiu os professores do nada. A gente está sofrendo muito com isso, por isso que a gente está fazendo esse protesto", explicou.
Outro estudante do Vieira que não quis se identificar lamentou, emocionado, o afastamento dos docentes. "Como a gente pode formar uma população de respeito se 19 professores foram demitidos. São eles que trazem respeito a nós. Se seus filhos deixarem de ter aula com esses professores, como vai ser o futuro deles?", questionou.
"Se a gente não lutar agora por uma escola independente, para que os professores possam dar aula de verdade, talvez no futuro a gente possa não ter um país", completou.
“Farsa da realocação”
O deputado estadual Carlos Giannazi (Psol-SP) explica que, além do leilão de escolas e da tentativa do governo de reduzir o orçamento da educação, está em curso no estado "a farsa da realocação", como ele define a dispensa dos professores das Escolas PEI.
"Milhares de professores vêm sendo dispensados de suas escolas. O prejuízo pedagógico e para a vida dos professores é incalculável. Mesmo aqueles bem avaliados pelos alunos na famigerada farsa da avaliação 360", explica. "Realocado é uma palavra bonita, mas na verdade é uma dispensa", completa o parlamentar, que contabiliza através de um formulário on-line mais de 1.200 escolas com professores realocados no estado.
Giannazi acionou o Ministério Público Estadual e apresentou um Projeto de Decreto Legislativo para revogar a Resolução 77/2024 da Seduc, que trata do processo de realocação e transferência das escolas PEI. "Esse secretário foi contratado para destruir definitivamente a nossa rede", explica o parlamentar.
"Essa escola José Vieira de Morais sempre teve um projeto pedagógico crítico, libertador, emancipador, sempre foi uma escola que primou por formar alunos críticos, preparados para o pleno exercício da cidadania. Por isso que essa escola foi alvo dessas demissões. É deliberado. Destruir escolas que tenham projetos pedagógicos. Você tem muitas experiências na rede estadual assim. O projeto do Tarcísio é acabar com isso", finaliza Giannazi.
Edição: Martina Medina