O governo da Venezuela publicou uma nota nesta quinta-feira (14) se solidarizando com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), depois do ataque na Praça dos Três Poderes, que terminou com a morte do próprio autor dos ataques. Segundo Caracas, o episódio mostra o perigo que representa “o avanço do fascismo e da extrema direita”.
No texto, o governo venezuelano demonstrou solidariedade a Lula e ao “povo brasileiro” e disse repudiar qualquer tentativa de “destruir o bem-estar” da população. “Usando as redes sociais e outros mecanismos de comunicação em massa, a extrema direita tenta penetrar no continente para produzir desestabilização e caos social”, diz o texto.
O ataque foi registrado nesta quarta-feira (13). Por volta das 19h30, ao menos duas explosões ocorreram na Praça dos Três Poderes. A primeira aconteceu no carro de Francisco Wanderley Luiz, estacionado próximo à Câmara dos Deputados. O homem foi candidato a vereador na cidade de Rio do Sul (SC) nas eleições de 2020. Ele teve 98 votos e não foi eleito.
A segunda, que causou a morte de Luiz, foi próximo ao prédio do Supremo Tribunal Federal. Os explosivos parecem ter sido acionados de maneira remota.
Ao citar Lula, o texto publicado pela chancelaria venezuelana é mais uma bandeira branca levantada depois da tensão que envolveu Brasil e Venezuela. Os dois países passaram por uma crise diplomática depois que o governo brasileiro vetou a entrada dos venezuelanos no Brics.
Após uma série de declarações, Lula disse no domingo (10) que o governo brasileiro não deveria interferir em assuntos internos de outros países. Em resposta, o presidente Nicolás Maduro elogiou a fala de Lula e disse que a declaração foi uma reflexão “sábia” do petista e completou: “Ponto a favor de Lula”.
Crise na relação
A tensão envolvendo os dois países vizinhos começou na corrida eleitoral venezuelana. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) brasileiro enviaria dois observadores para acompanhar o pleito, mas desistiu depois de Maduro afirmar que as urnas brasileiras "não são auditadas". Em vez de observadores, o governo brasileiro enviou o assessor especial, Celso Amorim, para Caracas durante as eleições.
Maduro foi eleito para um terceiro mandato com 51,97% dos votos contra 43,18% do opositor Edmundo González Urrutia. A oposição venezuelana contestou o resultado e afirmou ter recolhido mais de 80% das cópias das atas eleitorais e, segundo a coalizão de direita Plataforma Unitária, isso garantiria a vitória de Urrutia.
Isso, somado a denúncia de um ataque hacker contra o sistema eleitoral da Venezuela, levaram Maduro a pedir investigação da Justiça. O órgão eleitoral atrasou a divulgação dos resultados detalhados alegando a atuação hacker, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) venezuelano investigou os supostos ataques, recolheu todo o material eleitoral do órgão e ouviu 9 dos 10 candidatos que disputaram o pleito. Só Edmundo González Urrutia não compareceu.
O governo brasileiro começou a articular com Colômbia e México a mediação da questão eleitoral venezuelana. Os três governos emitiram duas notas conjuntas pedindo a publicação das atas eleitorais pelo CNE e não pela Justiça do país. O TSJ da Venezuela validou a eleição de Maduro e pediu a publicação dos resultados desagregados em até 30 dias. No entanto, mais de 3 meses depois do pleito, os resultados ainda não foram publicados e o site do órgão eleitoral continua fora do ar.
Lula então passou a oscilar entre pedir que a situação seja resolvida internamente, sugerir a realização de novas eleições e dizer que não reconhecia a vitória de Maduro se os resultados das atas não fossem publicados e, consequentemente, sua vitória nas urnas fosse comprovada de forma independente.
A relação entre Venezuela e Brasil se estabilizou momentaneamente até a cúpula do Brics, realizada em Kazan, na Rússia, de 22 a 24 de outubro. Nela, o governo venezuelano esperava ser incorporado ao grupo na categoria de “Estado parceiro”, mas ficou de fora da lista de 13 novos integrantes por um veto do Brasil. A decisão do Itamaraty revoltou os venezuelanos.
O motivo do veto não foi justificado publicamente pelo governo de Lula. O presidente não compareceu ao evento e enviou o chanceler, Mauro Vieira, para chefiar a delegação. Caracas afirma que a decisão foi uma “punhalada nas costas” e que a medida de “ingerência” do governo brasileiro é uma forma de interferir na política local.
Em audiência na Câmara dos Deputados, Amorim reforçou que a questão do pleito deve ser resolvida por venezuelanos e que o Brasil não reconhece a eleição do presidente Nicolás Maduro, até que sejam apresentados os resultados desagregados. Amorim não explicou claramente o veto no Brics. Primeiro, disse que é preciso ser um país com influência e que represente a região, algo que, para ele, a Venezuela não cumpre. Em um segundo momento, citou o mal estar entre os governos brasileiro e venezuelano.
Em resposta à fala do assessor especial, o governo da Venezuela convocou o embaixador venezuelano no Brasil, Manuel Vadell, para consultas. Em nota, Caracas afirmou que a medida foi tomada depois das declarações “intervencionistas e grosseiras” de Amorim. A chancelaria venezuelana também convocou o encarregado de negócios do Brasil em Caracas para demonstrar “rechaço” às declarações de representantes do governo brasileiro em relação ao processo eleitoral do país.
Edição: Rodrigo Durão Coelho