ACORDO DIFÍCIL

Argentina abandona COP29; Azerbaijão tenta salvar acordo financeiro após denunciar 'crimes coloniais' da França

Novo ministro das Relações Exteriores argentino, alinhado ao discurso negacionista de Milei, tomou a decisão de retirada

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Países em desenvolvimento alertam que precisam de pelo menos US$ 1 trilhão (R$ 5,7 trilhões) para se defenderem dos estragos da mudança climática e cumprirem os compromissos de atingir a emissão zero - ALEXANDER NEMENOV/AFP

A Argentina do ultraliberal Javier Milei retirou oficialmente, nesta quinta-feira (14), sua delegação da 29ª Conferência Anual do Clima (COP29), organizada pelas Nações Unidas (ONU) e sediada em Baku, no Azerbaijão. A decisão é parte da estratégia promovida pelo novo ministro das Relações Exteriores do país, Gerardo Werthein, segundo fontes oficiais.

A saída abrupta da delegação técnica argentina "faz parte das medidas que o chanceler começa a tomar em sua nova função", disse o porta-voz presidencial, Manuel Adorni.

Werthein assumiu o cargo em 5 de novembro, após Milei demitir a antecessora, Diana Mondino, por votar na ONU contra o embargo dos Estados Unidos a Cuba, algo que a Argentina fazia historicamente, mas que entra em conflito com a ideologia reacionária do presidente.

O governo lançou, então, uma auditoria para "identificar os impulsionadores de agendas inimigas da liberdade" na chancelaria, o que foi descrito pelos seus rivais como uma "expurga" ideológica.

Alinhado politicamente ao recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e virtualmente próximo do magnata Elon Musk, Milei empreende um forte ajuste fiscal há quase um ano desde sua posse, atitude que levou mais da metade da população argentina ao patamar da linha da pobreza.

Os vários cortes orçamentários do político de extrema direita incluem a redução do Ministério do Meio Ambiente a uma secretaria dependente de outra pasta e a eliminação de um fundo para a proteção das florestas.

"A saída da delegação argentina da conferência climática em Baku não tem precedentes na história diplomática do país e marca um claro contraste com a política externa de Buenos Aires de se envolver produtivamente em negociações internacionais", reagiu Oscar Soria, ativista ambiental argentino e diretor da Iniciativa Comum.

A Argentina foi, durante décadas, uma das principais vozes latino-americanas sobre a mudança climática, mas nesta quinta-feira reinou o secretismo sobre a saída da sua delegação.

"Esta é uma questão bilateral entre a Argentina e a ONU e não vamos comentar sobre ela", disse nesta quinta o negociador-chefe do Azerbaijão na COP29, Yalchyn Rafiev.

"Esperamos que todos os presentes aqui tenham apenas uma intenção: unir-se a esse esforço coletivo para alcançar um resultado positivo", acrescentou.

No seu discurso na Assembleia da ONU em Nova York, em setembro, Milei denunciou a "agenda ideológica" do organismo e acusou-o de ser governado por "burocratas internacionais".

Deveres

O objetivo da delegação argentina era participar de cursos técnicos "sobre como realizar relatórios e apresentações [...], em cumprimento aos compromissos internacionais que a Argentina assumiu", disse à agência de notícias AFP uma fonte do governo argentino em Buenos Aires.

No entanto, nesta quinta os dirigentes já não se encontravam na sede da COP29, disseram fontes locais sob condição de anonimato.

Os países que fazem parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) devem fornecer relatórios regularmente ao secretariado da UNFCCC.

Entre as próximas medidas que a Argentina deve tomar está um relatório bienal de transparência, previsto para o final deste ano. Buenos Aires também deve entregar, como os quase 200 países que assinaram o Acordo de Paris, sua nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) para combater a mudança climática. Esses novos compromissos devem ser finalizados até fevereiro de 2025.

O Brasil entregou a sua NDC na última quarta, com a presença de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, e Geraldo Alckmin, vice-presidente.

O objetivo da 29ª conferência sobre mudança climática é chegar a um acordo entre quase 200 países para atualizar o valor do financiamento de ajuda à mudança climática entre os países avançados e os países em desenvolvimento.

Atualmente, o valor é de US$ 100 bilhões (R$ 579 bilhões), e a meta dos países pobres e emergentes, os mais afetados pelos efeitos climáticos, é multiplicá-lo por dez, embora se espere que as negociações sejam difíceis em Baku.

O líder interino de Bangladesh, Muhammad Yunus, criticou, na quarta-feira, que ter que lutar pelo financiamento climático na COP29 é "muito humilhante" para os países mais pobres, que sofrem as consequências diretas da mudança climática sem serem os responsáveis por ela.

Azerbaijão se redime

O Azerbaijão, anfitrião da COP29, tentou acalmar a atmosfera diplomática em Baku nesta quinta, após a ministra francesa do Meio Ambiente, Agnès Pannier-Runacher, cancelar sua viagem para as negociações climáticas da ONU e a Argentina retirar a delegação.

Enquanto os negociadores trabalham a portas fechadas na COP29 para chegar a um acordo de financiamento climático, o foco foi em grande parte roubado pela turbulência diplomática.

A decisão da ministra francesa foi anunciada na quarta, depois que o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, acusou Paris de "crimes coloniais" e "violações de direitos humanos" em seus territórios ultramarinos.

Pannier-Runacher chamou o discurso do presidente de "inaceitável". Foi também uma "violação flagrante do código de conduta" para liderar as negociações climáticas da ONU, acrescentou.

Na tentativa de tentar salvar a cúpula do clima e retomar o foco principal do evento, o negociador-chefe da COP29, Yalchin Rafiyev, insistiu que o Azerbaijão havia promovido "um processo inclusivo".

"Abrimos nossas portas para que todos possam participar de discussões muito construtivas e produtivas", disse ele. Ele garantiu que "nossas portas ainda estão abertas".

Negociações difíceis

O progresso no objetivo principal das negociações, um novo acordo de financiamento climático, avança muito lentamente.

A principal linha de conflito é clara: quanto os países desenvolvidos devem pagar para ajudar as nações mais pobres a se adaptarem às mudanças climáticas e a se afastarem dos combustíveis fósseis.

Os países em desenvolvimento alertam que precisam de pelo menos US$ 1 trilhão (R$ 5,7 trilhões) para se defenderem dos estragos da mudança climática e cumprirem os compromissos de atingir a emissão zero.

Fontes descrevem as discussões em andamento como difíceis, com os negociadores lutando para ajustar um texto preliminar antes que os ministros cheguem em poucos dias para fechar um acordo.

"Nesse ritmo, não conseguiremos entregar algo significativo até sábado (22 de novembro), conforme solicitado inicialmente pela presidência", alertou Fernanda de Carvalho, líder de política climática da WWF.

A questão do papel que os Estados Unidos desempenharão na ação climática e no financiamento paira sobre as negociações, especialmente com a derrota dos democratas e retorno de Trump à Casa Branca.

Trump prometeu se retirar novamente do Acordo de Paris, levantando questões sobre o quanto os negociadores dos EUA em Baku podem realmente prometer e cumprir.

"Acho que é justo dizer que há alguma incerteza sobre o próximo governo", admitiu Jake Levine, diretor de Clima e Energia da Casa Branca.

No entanto, a necessidade de "projetar os valores estadunidenses" será um poderoso impulsionador para a continuidade do financiamento e da ação climática, apesar do retorno de Trump, acrescentou ele.

*Com AFP

Edição: Rodrigo Chagas