Congresso em Havana

Médicos formados em Cuba querem criar organização internacional de medicina

Formados pela Escola Latinomericana de Medicina se reuniram em Havana; instituição já formou mais de 30 mil médicos

Brasil de Fato | Havana (Cuba) |
Estudantes brasileiros da ELAM - Brasil de Fato

Com a presença de mais de 300 delegados e 250 convidados, entre médicos e estudantes de cerca de 100 países, terminou em Havana nesta sexta-feira (15) o 1º Congresso Internacional de Graduados da Escola Latino-Americana de Medicina de Cuba (ELAM)

O evento foi realizado em comemoração ao 25º aniversário da ELAM, a Escola Internacional de Medicina que, ano após ano, recebe jovens de diferentes países com o objetivo de formar médicos que possam fortalecer os sistemas científicos e de saúde de seus respectivos países.

Sob o lema “Guardiões da vida, criadores de um mundo melhor”, o congresso teve como objetivo ser um espaço de intercâmbio científico. Ao mesmo tempo, pretende ser um passo concreto na criação de uma organização médica e científica internacional composta por graduados da ELAM.

Luther Castillo Harry, que fez parte do primeiro grupo de alunos a chegar à ELAM e que atualmente exerce o cargo de Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação de Honduras, afirmou na conferência inaugural que “estamos diante da possibilidade de construir a maior organização científica do mundo”.

“Cada um de nós deve ser um embaixador da Revolução Cubana”, disse, assegurando que “o possível só é alcançado lutando contra o impossível”.

Até o momento, a escola já formou 31.180 médicos de mais de 120 países, principalmente em comunidades pobres ou afetadas por conflitos sociais, dos quais mais de 1080 são graduados brasileiros. Atualmente, estão estudando na ELAM mais de 20 estudantes brasileiros do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

'Filhos de Cuba nascidos em outras terras'

Em uma mensagem gravada, o presidente cubano Miguel Díaz-Canel enviou suas saudações à reunião, explicando que não poderia comparecer devido aos esforços de recuperação do país após a recente destruição causada pelos furacões Oscar e Rafael. 

“Quando soube do evento e do motivo que o trouxe de volta à sua segunda pátria, tirei alguns minutos do intenso programa de trabalho que nos propusemos a fazer para acelerar a recuperação do país e lhe enviar esta saudação como compatriota, já que não posso abraçá-lo pessoalmente como gostaria”, disse ele.

Referindo-se aos presentes como “queridos filhos de Cuba nascidos em outras terras”, o presidente assegurou que, quando toma conhecimento do trabalho realizado pelos formandos da ELAM em seus respectivos países, sempre pensa “com profunda emoção em Fidel, em como ele ficaria feliz ao vê-los se tornarem guardiões da vida e da saúde de seus povos”.  

Assegurando que o trabalho dos médicos com as comunidades mais desfavorecidas “expressa plenamente a lendária fé no ser humano e no valor da solidariedade que caracterizou o líder da Revolução Cubana, uma profunda convicção de que um mundo melhor é possível se lutarmos incansavelmente por esse ideal”.

Um exército de médicos armados com solidariedade 

Em entrevista ao Brasil de Fato, Leandro Araújo, médico brasileiro formado pela ELAM em 2009, conta que voltar a Cuba para o encontro significa “colocar a esperança acima de tudo” e “aquecer o coração para a luta”.

“Há vários anos estamos trabalhando com a ideia de criar uma Associação Médica Internacional dos formandos da ELAM. Um espaço que tenha em seu núcleo os valores de solidariedade e internacionalismo que a escola promove e que estão no centro do projeto político cubano. Para nós, é uma forma de assumir tarefas internacionalistas de solidariedade com os lugares mais necessitados e uma maneira de colocar o conhecimento científico a serviço de nossos povos”, explica.

Para Araújo, a criação de uma associação científica internacional de graduados da escola é uma forma de demonstrar solidariedade com Cuba, o que permitiu que eles se tornassem profissionais, mas também “uma forma de expandir os ideais de solidariedade da revolução”. 

Araújo chegou a Cuba em 2003. Era a primeira vez que saía do Brasil. “Foi uma experiência chocante. Por ser do MST, eu já tinha ouvido e lido sobre Cuba, mas graças aos meus companheiros, poder estudar aqui foi uma oportunidade de ver que é possível construir outro mundo. Estando aqui, podemos ver que, mesmo nas condições difíceis que Cuba tem por causa do bloqueio de mais de 60 anos, ainda assim a Revolução Cubana realiza a solidariedade com os povos do mundo. Aqui aprendemos que solidariedade não é dar o que se tem de sobra, mas compartilhar o que temos".

'Não mandamos bombas, mandamos médicos'

A fundação da Escola Latino-Americana de Medicina foi anunciada por Fidel Castro em 15 de novembro de 1999 durante a 9ª Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo. Naquela época, as regiões da América Central e do Caribe estavam passando por uma grave crise humanitária depois que dois dos furacões mais mortais da história, George e Mitch, devastaram a região, matando mais de 10 mil pessoas e ferindo centenas de milhares.

As águas das enchentes rapidamente espalharam doenças para grande parte da população, espalhando a catástrofe por uma dúzia de países. Nesse contexto, apesar de uma grave crise econômica conhecida como “período especial”, a primeira ação de Cuba foi enviar ajuda humanitária aos diversos países afetados. No entanto, com o passar das semanas, a Revolução Cubana decidiu construir uma universidade médica internacionalista com o objetivo de formar profissionais de saúde dos próprios países afetados.

A escola começou a receber centenas de alunos do Caribe por meio de um sistema de bolsas de estudo criado para permitir que jovens com poucos recursos financeiros estudassem medicina gratuitamente. Com o tempo, o projeto se espalhou para diferentes regiões do mundo e os alunos vieram de outras partes da América Latina, expandindo-se para a África - uma região com a qual Cuba historicamente estabeleceu vínculos - e até mesmo para os próprios Estados Unidos.

Em um discurso muito lembrado em maio de 2003, em Buenos Aires, Fidel Castro se referiu ao sistema médico e científico de Cuba.  

“Nosso país não joga bombas em outros povos, nem envia milhares de aviões para bombardear cidades; nosso país não possui armas nucleares, nem armas químicas, nem armas biológicas. As dezenas de milhares de cientistas e médicos de nosso país foram educados com a ideia de salvar vidas. Seria absolutamente contraditório com sua concepção colocar um cientista ou um médico para produzir substâncias, bactérias ou vírus capazes de matar outros seres humanos”, disse ele.

Naquela época, os Estados Unidos haviam iniciado a invasão do Iraque. Fidel garantiu à multidão reunida que Cuba jamais “faria um ataque preventivo e surpresa contra qualquer canto obscuro do mundo”. Mas que, em vez disso, Cuba era “capaz de enviar os médicos necessários aos cantos mais obscuros do mundo”. Ele proferiu sua famosa frase: “Médicos e não bombas, médicos e não armas inteligentes”.

Edição: Lucas Estanislau