O Tribunal Popular – o imperialismo non banco dos réus condenou de forma simbólica, nesta sexta-feira (15), o imperialismo por quatro grandes crimes contra os povos do mundo. A atividade foi organizada de maneira autônoma pelos movimentos sociais presentes da Cúpula do G20, na capital fluminense.
Os crimes reconhecidos pelo tribunal foram o genocídio dos povos, tendo caso modelo o massacre produzido pelo Estado de Israel e seus aliados contra o povo palestino; a indução à pobreza, a partir de políticas de austeridade e os tratados de livre comércio, tendo como referência o acordo que é negociado entre o Mercosul e a União Europeia; a guerra econômica e a violação da soberania e autodeterminação dos povos, representada pelo bloqueio ilegal dos Estados Unidos contra o povo cubano e o acosso das potências sobre o Haiti; e finalmente, o racismo estrutural e ambiental, que recuperou os diversos casos de assassinato da juventude negra do Rio de Janeiro e o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), ocorrido em 2015, com efeitos sentidos até os dias atuais.
Na abertura, a juíza Simone Nacif, membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), explicou o sentido da atividade. "O objetivo deste tribunal é de denunciar os crimes praticados pelo imperialismo. É um espaço para denunciar as práticas imperialistas que afetam os povos e a natureza. A economia da guerra, as sanções unilaterais, e a destruição das democracias. o capitalismo, que se expressa através do imperialismo é um sistema fadado a morrer", declarou a magistrada.
Em seguida, foi a vez dos advogados de acusação, que pediram a condenação do capitalismo e do imperialismo pelo júri. "O primeiro que eu vou pedir aos senhores e aos jurados é que, de antemão, se esqueçam do princípio da presunção da inocência no caso do imperialismo. Solicitamos a condenação sem paliativos, unânime, do imperialismo que, desde que nasceu, só gerou sofrimento aos povos do mundo", disse o advogado de acusação Dayron Roque Lazo, membro do Centro Martin Luther King, de Cuba.
"Nós exigimos reparações aos danos produzidos pelo imperialismo. Exigimos reparações ao povo negro desse país, exigimos reparação para cada família sem terra, para cada família sem teto, para cada mulher violada em seus direitos, para as crianças que estão tendo sua infância subtraída, para as crianças e mulheres palestinas, para todos e todas aqueles que vivem na periferia do mundo, submetidas à pobreza e a miséria. O problema do mundo não é a pobreza, mas a riqueza concentrada nas mãos de poucos", disse a outra acusadora, Sandra Quintela, membro do Jubileu Sul.
Palestina livre do rio ao mar
O passo seguinte foi a oitiva das testemunhas de cada um dos crimes do imperialismo. A primeira a falar foi a ativista palestina, diretora do Instituto Palestino pela Democracia Pública (PIPD), Rula Shaheed, que emocionou todo o público presente na Fundição Progresso, ao relatar os horrores vividos por seu povo, submetido à violência do Estado colonial de Israel.
"É muito importante para mim que todos aqui ouçam, porque tenho uma grande responsabilidade de compartilhar com vocês os muitos horrores que meu povo está enfrentando hoje", disse Shaheed ao iniciar sua fala, quando ainda pediu que o público presente fizesse um minuto de silêncio em respeito às mais de 50 mil vítimas fatais provocadas por Israel.
"Nós somos o povo palestino que nos últimos 76 anos tem sofrido com ações coloniais contínuas, que se manifestam na negação do direito ao retorno dos refugados, na imposição de postos de controle, na tomada de terras e na punição coletiva por meios violentos, bombardeios militares, assassinatos, deslocamentos forçados, demolições de casas, e prisões", seguiu a ativista, que relatou números dos horrores praticados pelas forças israelenses em território palestino.
Segundo ela, foram mais de 17 mil crianças assassinadas que, junto às mulheres, representam mais de 50% das vítimas fatais do massacre, demonstrando que não se trata do direito de defesa.
"Israel não tem direito de se defender porque, historicamente, ele é o Estado opressor, colonial e genocida", destacou a ativista. "Este não é o mundo que queremos. Não queremos que nossa geração futura olhe para isso e nos pergunte: o que você estava fazendo quando viu todas essas atrocidades acontecendo diante de seus olhos?", disse, emocionada.
Livre comércio não!
Depois, foi a vez da camponesa francesa, integrante da Confederação Paysanne, Morgan Ody, e da brasileira Raiara Pires, militante do Movimento por Soberania Popular na Mineração (MAM), que testemunharam contra o acordo entre União Europeia e Mercosul, que vem sendo negociado pelos dois blocos.
"Esse acordo tem pode gerar o um declínio da produção agrícola de bases comunitárias, por isso, é preciso que barremos este acordo, pelo bem dos nossos países", declarou a trabalhadora francesa.
"Esse tratado, mesmo estando em negociação, já é uma violação de direitos", afirmou a brasileira. "A Organização Internacional do Trabalho prevê na sua convenção 169 o direito à consulta livre, prévia e informada. No entanto, até agora, nenhum povo quilombola, nenhum povo indígena, nenhum povo das periferias da cidade foi consultado", denunciou.
"É importante seguir em luta, e dizer que a derrota desse acordo demanda uma aliança de solidariedade internacional. Nós sabemos que os impactos atingem escalas devastadoras e que o 1% que defende esse acordo é o mesmo 1% que financia o genocídio na Palestina, é o mesmo 1% que está fazendo o bloqueio econômico contra Cuba. Então, que os 99% possam fazer sua voz ecoar", declarou Pires.
Fim do bloqueio econômico a Cuba e do acosso ao Haiti
A médica pediatra cubana, Aleida Guevara, filha do ex-ministro cubano Ernesto Che Guevera, que relatou os efeitos perversos do bloqueio econômico e financeiro contra Cuba e seu povo. "O custo material do bloqueio é de mais de US$ 1 bilhão, mas o custo humano não se pode calcular", disse Guevara.
"Todos os anos, Cuba apresenta um relatório à Assembleia das Nações Unidas sobre os efeitos do bloqueio sobre sua população e a necessidade de eliminá-lo. Desde 1992, ano após ano, há um voto quase unânime condenando o bloqueio, mas até hoje, persiste. Cuba exige o fim imediato do bloqueio, e sempre nos encontrarão com a firme determinação de defender nosso direito soberano a construir um futuro próprio, independente, socialista, livre de ingerência estrangeira, comprometida com a paz, o desenvolvimento sustentável, a justiça social e a solidariedade. Por tudo isso, Cuba tem o direito de viver sem bloqueio", declarou Guevara.
O coordenador do Comitê Democrático Haitiano, Henry Boisrolin, afirmou que o país sofre por ter sido enfrentado o imperialismo ao produzir um movimento revolucionário antiescravista, tendo sido o primeiro país da América Latina e o Caribe a declarar sua independência do colonialismo francês.
"O povo haitiano vive um genocídio silencioso, mas tão criminoso como os demais", afirmou, tecendo críticas às missões militares no país, que agravou ainda mais a situação de violações de direitos sobre a nação caribenha. “A mais vergonhosa intervenção no nosso país foi a Minustah, a missão das Nações Unidas para a paz no Haiti. E desgraçadamente, o Brasil assumiu o comando dessa ação, que massacrou, violou crianças de 12 anos, cometeu crimes", denunciou.
Racismo estrutural e ambiental
Já o advogado carioca e membro da Frente de Juristas Negras e Negros, Marcelo Dias, testemunhou sobre o genocídio da juventude preta do Rio de Janeiro, e Vanilda de Castro, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), sobre o racismo ambiental praticado pelas mineradoras responsáveis pelo crime do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), que afetou toda a bacia do Rio Doce.
"O estado do Rio de Janeiro, o estado de São Paulo, o estado da Bahia, enxergam a juventude negra como inimiga, que precisa ser abatida. Por isso, as entidades do movimento negro se levantam contra o genocídio do nosso povo, contra o extermínio da juventude negra, e por reparação ao povo negro deste país", declarou Dias.
Já a atingida Vanilda de Castro criticou a recente decisão da Justiça mineira de absolver as mineradoras Samarco, Vale e BHPBilliton pela morte de 19 pessoas na tragédia. "Essa semana nós tivemos a notícia de que a Justiça de Ponte Nova inocentou as empresas por falta de provas. Que mais provas eles querem? Quantos mortos? E mortos que vem acontecendo até hoje, não só no rompimento. Que Justiça é essa, que só ouve um lado, e sempre o lado do mais forte, do que tem mais dinheiro", afirmou. "Nós temos que continuar a luta e nunca desistir", concluiu.
A sentença
A decisão final foi pronunciada pela presidenta do júri simbólico, a coordenadora internacional da Marcha Mundial de Mulheres, Yildiz Temürtürkan, da Turquia. "Somos os membros do júri, de diferentes países do mundo. E juntos ouvimos os testemunhos dos povos exploradas e oprimidas e chegamos a uma decisão unânime de considerar o imperialismo culpado por cometer crimes continuados e sistemáticos contra a humanidade, contra os povos e contra a natureza", afirmou.
Finalmente, a juíza Simone Nacif fez a leitura de uma longa sentença. "Considerada a soberana decisão dos senhores jurados, julgo procedente o pedido e declaro ilegítimas as falsas soluções apresentadas pelo sistema capitalista e condeno o imperialismo pelos crimes de genocídio dos povos na Palestina, indução da pobreza através dos tratados de livre comércio, de guerra econômica e violação da soberania e a autodeterminação dos povos em Cuba e Haiti, e de racismo estrutural e ambiental no Brasil, contra a juventude negra, e contra o meio ambiente", declarou, fazendo uma convocatória à luta.
"Sendo assim, convoco todos os povos, a classe trabalhadora organizada, os movimentos sociais, os indígenas, os negros, a comunidade LGBTQIA+, os habitantes do Sul Global, todos os povos subalternizados a se manterem permanentemente em luta contra o imperialismo e seus efeitos destrutivos sobre as nossas vidas, exigindo reparação até que o sistema neoliberal seja extinto e construirmos uma sociedade baseada na solidariedade. Caminhemos em passos firmes com o horizonte socialista", finalizou, dando por encerrado o julgamento.
Edição: Thalita Pires