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Eliete Paraguassu, primeira quilombola eleita vereadora de Salvador, promete mandato focado no bem viver: 'Somos uma resistência milenar'

Marisqueira da Ilha de Maré fala em 'espírito de construção coletiva' e 'aquilombar a Câmara'

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Eliete Paraguassu é a primeira quilombola eleita vereadora de Salvador - Brasil de Fato

Aos 40 anos, a marisqueira Eliete Paraguassu entrou para a história de Salvador (BA). Nas eleições deste ano, tornou-se a primeira mulher quilombola eleita para a Câmara Municipal da capital baiana, pelo Psol.  

Para ela, o fato de Salvador, que tem 80% de sua população negra, só eleger uma mulher quilombola em 2024 é sintomático do “racismo cotidiano” da cidade.

“Eu sou um exemplo vivo, tenho vivenciado violência política cotidianamente. As mulheres de Ilha de Maré, elas são violentadas cotidianamente em nome do capital, mas também porque somos mulheres das águas, costumamos dizer que a gente não vai parar, e água de rio segue para frente, não volta atrás e não vamos retroceder. E foi com esse espírito que a gente conquistou essa ‘mandata’”, relatou a vereadora eleita ao Bem Viver, programa do Brasil de Fato

Na Câmara Municipal, Eliete Paraguassu enfrentará uma conjuntura desfavorável. Apenas sete vereadores de partidos progressistas foram eleitos para a vereança e que estarão na oposição ao prefeito Bruno Reis (UB), que foi reeleito com 76,6% dos votos. 

De acordo com a parlamentar eleita, seu mandato terá o "espírito de construção coletiva e a ideia é a gente aquilombar a Câmara". "Fazer mesmo uma colisão entre esses sete candidatos de esquerda que têm pautado o bem viver, para fazer da cidade de Salvador uma cidade mais justa", explica Paraguassu. 

Uma das bandeiras de Paraguassu a partir de 2025 será tentar fazer chegar até as comunidades quilombolas parte dos royalties pagos à prefeitura de Salvador pela exploração de petróleo na área dos quilombos. 

“A prefeitura se nega a dizer quanto recebe de royalties do Petróleo”, pontua a vereadora eleita. Por que a prefeitura não recebe e repassa esses royalties para o nosso território? Porque são racistas. Temos que sair dos territórios para estudar, por exemplo”, finaliza Paraguassu. 

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Eliete, em uma entrevista de 2020 ao Brasil de Fato, você comentou que vive no território mais negro da Bahia, e a Bahia é o estado mais negro do Brasil. Poderia falar mais sobre esse território?

Eliete Paraguassu: Eu sou Eliete Paraguassu, uma mulher do mangue, do território de Ilha de Maré. Esse é o território mais negro da cidade de Salvador, que, por sua vez, é o território mais negro fora da África. Ilha de Maré é quilombola, pesqueira e está no coração da Baía de Todos os Santos, uma APA (Área de Proteção Ambiental). É o nosso "quintal".

Esse território tem marcas históricas da escravidão. Eu costumo dizer que sou uma mulher das águas, porque nossos ancestrais foram trazidos da África pelas águas, e nós vivemos e trabalhamos com as águas. Não conseguimos viver sem elas. Ilha de Maré tem uma presença africana muito forte. O artesanato, os traços, a forma de falar e se expressar: tudo remete à África. Salvador é um grande quilombo, mas Ilha de Maré tem suas particularidades, como um povo pescador, quilombola, com uma culinária linda e uma comunidade de pessoas fortes e trabalhadoras.

BdF: Parabéns por sua vitória histórica! Você é a primeira quilombola eleita para a Câmara Municipal de Salvador. Como se sente ao representar essa conquista?

Eliete Paraguassu: Obrigada! Para nós, essa conquista significa resistência. Salvador vivencia o racismo todos os dias. Eu sou um exemplo vivo disso, pois enfrentei muita violência política e racismo. As mulheres de Ilha de Maré sofrem violências cotidianas, seja pelo capital, seja pelo simples fato de sermos mulheres das águas. Mas, assim como os rios seguem em frente, não voltamos atrás. Foi com esse espírito que conquistamos essa "mandata".

Vivemos o racismo ambiental de forma pesada. Salvador é um território negro, com mais de 16 mil quilombolas, mas é só agora, em 2024, que uma quilombola marisqueira foi eleita. Isso mostra o atraso. Ainda assim, essa vitória rompe barreiras e abre caminho para que políticas públicas sejam pensadas a partir de nós, dos territórios negros e quilombolas, e não de cima para baixo.

BdF: A Câmara Municipal de Salvador tem uma maioria alinhada ao prefeito Bruno Reis. Como será lidar com essa conjuntura?

Eliete Paraguassu: Eu tenho dito que o chamado das águas, que foi o espírito da nossa campanha, é sobre construção coletiva. Vamos aquilombar a Câmara e trabalhar para formar alianças com os sete vereadores de oposição. Queremos construir uma Salvador mais justa, pautando o bem viver e enfrentando problemas graves como miséria, fome e desemprego. Nossa ideia é trazer o espírito das águas para a política: cuidar do povo, dos territórios e da cidade como um todo, sempre com base na coletividade e no fortalecimento dos movimentos sociais.

BdF: Você tem mencionado o racismo ambiental como uma pauta central. Pode explicar o que ele significa?

Eliete Paraguassu: Racismo ambiental é o que vivemos em Ilha de Maré: nosso território é explorado pelo petróleo e cercado pelos maiores complexos industriais do estado da Bahia. Isso trouxe um número alarmante de doenças, como câncer, para a comunidade. Além disso, vivemos a ausência de políticas públicas básicas, como saneamento e saúde, e até hoje não sabemos quanto a prefeitura recebe de royalties do petróleo. Essa falta de transparência e o descaso acontecem porque somos um território de pretos e pretas.

Por isso, lutamos há mais de duas décadas por justiça social e ambiental. Queremos reparação histórica e o direito de saber se estamos contaminados pelos metais pesados das indústrias. Nosso território é rico, mas nosso povo vive adoecido e marginalizado.

BdF: Você também mencionou que essa luta é pessoal. Poderia nos contar como sua experiência como mãe influenciou sua atuação?

Eliete Paraguassu: Minha filha foi uma das 119 crianças pesquisadas em 2004 pela Neusa Miranda. Os resultados mostraram que 97% das crianças de Ilha de Maré tinham chumbo, cádmio e mercúrio no sangue. Minha filha é uma dessas crianças e enfrenta consequências até hoje, como crises de ansiedade.

Essa pesquisa confirmou o que já sentíamos: nosso território está sendo envenenado. Desde então, nossa luta é para que o estado e o município assumam suas responsabilidades e tragam soluções. Até agora, eles negam os resultados, mas seguimos exigindo exames epidemiológicos para toda a comunidade.

BdF: Quais são os próximos passos do seu mandato?

Eliete Paraguassu: Nossa "mandata" coletiva das águas será construída com os movimentos sociais, quilombolas e pescadores. Queremos pautar políticas públicas a partir das nossas vivências e trabalhar por uma Salvador mais justa. Nossa luta é pelo bem viver e pela preservação dos territórios, porque eles são nossa resistência e nossa identidade.

BdF: Obrigado pela entrevista, Eliete, e boa sorte no seu mandato!

Eliete Paraguassu: Eu que agradeço. A luta continua, e estamos de pé para enfrentar o que vier.

Quando e onde assistir? 

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Na TVE Bahia: sábado às 12h30, com reprise quinta-feira às 7h30, no canal 30 (7.1 no aparelho) do sinal digital. 

Na TVCom Maceió: sábado às 10h30, com reprise domingo às 10h, no canal 12 da NET. 

Na TV Floripa: sábado às 13h30, reprises ao longo da programação, no canal 12 da NET. 

Na TVU Recife: sábados às 12h30, com reprise terça-feira às 21h, no canal 40 UHF digital. 

Na UnBTV: sextas-feiras às 10h30 e 16h30, em Brasília no Canal 15 da NET. 

TV UFMA Maranhão: quinta-feira às 10h40, no canal aberto 16.1, Sky 316, TVN 16 e Claro 17. 

Edição: Raquel Setz