luta por moradia

Famílias da Ocupação Reserva Pinus passam por audiências na Justiça para garantir permanência

Moradores aguardam próxima audiência; Prefeitura prometeu plano de regularização fundiária

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Famílias lutam por regularização da Ocupação Reserva Pinus, em Francisco Beltrão/PR - Eder Borba

Em meio a uma plantação de pinus, com acesso por uma estrada de terra improvisada, mora Marcelaine Antunes, com seu marido Cassiano e seus quatro filhos. Eles e mais 28 famílias compõem a Ocupação Reserva Pinus, que se originou durante a pandemia, em 2020 na região periférica da cidade de Francisco Beltrão (PR), que tem a maior densidade populacional da cidade (3,93 pessoas/domicílio). A ocupação está situada em em uma área de preservação ambiental, que pertence ao município. Atualmente, a área encontra-se sobre litígio na 2ª Vara da Fazenda de Francisco Beltrão.

"É proibido o ingresso de novos ocupantes, bem como venda, cessão ou locação de lotes e casas", explica uma das placas fixadas na entrada da ocupação. A Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Paraná também tem acompanhado e contribuído no desenrolar do processo. Até o momento foram realizadas três audiências de negociação.

Marcelaine expõe que, por se tratar de uma área de preservação, "na última reunião ficou acordado da prefeitura fazer um plano de regularização e apresentar ao Instituto de Água e Terra [IAT]". Outro morador, Gilberto da Silva, acredita que o IAT vai autorizar a regularização, pois "a plantação de pinus não é reserva ambiental, foi plantada, é de colher". Sua esposa, Oralina Ricardi, acrescenta que "não tem nascentes de água próximo e o Rio Marrecas fica  no mínimo uns 150 metros das casas".

A quarta audiência está marcada para o dia 25 de novembro. Marcelaine conta ansiosa os dias e esperançosa pela decisão favorável de regularização dos lotes. "Na rua não podemos ficar", diz ela, enquanto olha para as crianças brincando numa areia no pátio. Ana Carolina, enquanto amamenta a pequena Manu, afirma que "na ocupação são mais de 20 crianças", que além de manterem relações de amizade, também frequentam escolas e creches no bairro. Ana Claudia, outra moradora, relata que possui uma filha adolescente especial, a Talita, a qual frequenta a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais.

Outras características da ocupação, destacadas pelas moradoras, são a solidariedade e a resistência. Dona Oralina diz que "um vizinho ajuda o outro". Relatam o fato de uma tentativa de despejo sobre uma família que havia construído uma casa recentemente. Descrevem a força do aparato policial destinada para tal ação. "Eles queriam colocar medo", diz Marcelaine. "Para tirar uma casinha eram mais de 20 policiais. Nos sentimos humilhados. Somos trabalhadores e aqui também tem um monte de criança", declara Oralina.

Ana Carolina comenta que quando viram o movimento da polícia e da retroescavadeira preparada para demolir a casa, as famílias se uniram e foram todas para a entrada da ocupação, clamando para que aquela família não fosse despejada, assim como todas tivessem seu direito à moradia garantido.

Além do medo constante do despejo, as famílias convivem ainda com a presença de lixo nas proximidades da ocupação. Afirmam que ali, anteriormente, era um lugar em que pessoas de outros lugares jogavam resto de materiais de construção, entulhos, equipamentos e demais resíduos sólidos. Verifica-se que essa prática ainda é comum, o que prejudica a qualidade de vida dos moradores, pois aumenta os riscos de contaminação, produz focos do mosquito transmissor da dengue e atrai animais peçonhentos. Segundo Marcelaine, um dos acordos da última audiência, era de que a Prefeitura Municipal fizesse a limpeza dos resíduos acumulados, "mas até agora isso não aconteceu", afirma.


Um dos acordos da última audiência, era de que a Prefeitura Municipal fizesse a limpeza dos resíduos acumulados. / Foto: Eder Borba

A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria do Meio Ambiente, que justificou que "o caminhão coletor não tem como acessar onde estão as residências, pois as ruas são improvisadas e estreitas, o caminhão coletor é pesado e não tem como manobrar.  A população já foi orientada a levar o lixo nas proximidades onde há coleta regular. São menos de 30 residências neste local, a coleta do orgânico passa terça e sexta-feira e a coleta seletiva acontece nas quintas-feiras". Sobre a limpeza do que está acumulado, a secretaria informou que "quem deverá fazer é a Secretaria de Viação e Obras, pois a Secretaria de Meio Ambiente não possui máquinas e caminhões". Indagado sobre a questão, o secretário de Viação e Obras não respondeu até a publicação desta reportagem.

Urbanização e o direito à moradia

Assim como a Ocupação Reserva Pinus, há pelo menos outras quatorze ocupações em terrenos públicos de Francisco Beltrão, que, segundo dados oficiais, tem um déficit habitacional de 2.226 unidades. Cabe considerar que este número pode estar defasado, tendo em vista o crescimento da população beltronense, estimada em 2024, segundo o IBGE, em 101.302 habitantes, com grau de urbanização superior a 85%. Esse percentual está bem acima dos patamares da população urbana do mundo, que em 2022, segundo a ONU, era de 56% e só devendo chegar em 68% em 2050.

O pesquisador Ricardo Carvalho Leme, em sua tese de doutorado publicada em 2015, observa "a forte influência dos incorporadores locais sobre a política urbana, fazendo com que o mercado regule a forma como a cidade cresce". Ele faz um estudo sobre o crescimento da cidade desde sua colonização, analisando a influência das famílias pioneiras sobre o planejamento da cidade – definindo que tipo de classe social ocupa determinado espaço – bem como, a participação na política partidária dos donos do capital imobiliário. Descreve que, em 1966, foi fundada a primeira construtora no município de Francisco Beltrão. "Depois de fundarem a construtora, os donos entraram na política partidária" e um deles elegeu-se prefeito e posteriormente deputado estadual.

Nesta perspectiva, Leme conclui a existência de "um jogo de interesse entre o capital imobiliário e o poder público, sendo que a população de modo geral, mas principalmente a de baixa renda, fica refém desta situação".

Outro ponto que merece atenção na pesquisa é a presença do cooperativismo na garantia do direito à moradia, o que tornou-se ameaça ao mercado imobiliário. Entre 2010 a 2012, os loteamentos das cooperativas aumentaram "de 6,92% para 13,99%. Ou seja, a entrada das cooperativas balançou o mercado de terras na cidade". Diante disso, as imobiliárias preocupadas criaram o Núcleo Imobiliário de Francisco Beltrão. Atualmente a Cooperativa Habitacional Beltronense (Cohabel) encontra-se em liquidação.

Após alguns anos sem construção de conjuntos habitacionais, neste ano de 2024 a prefeitura deu início à execução de 500 casas populares, em parceria com o governo federal, beneficiando famílias com moradia digna, mas ainda longe de zerar o déficit habitacional. 

 

Fonte: BdF Paraná

Edição: Ana Carolina Caldas