A declaração final dos chefes de Estado do G20 frustrou as expectativas de organizações palestinas e movimentos populares que esperavam um tom mais duro em relação ao massacre cometido por Israel contra a população palestina na Faixa de Gaza. O tema permeou as discussões do G20 Social, onde Israel foi condenado por genocídio no Tribunal Popular que julgou os crimes do capitalismo. No domingo, milhares de pessoas integraram uma marcha pela orla de Copacabana no Rio de Janeiro (RJ) para pedir o fim do genocídio e o rompimento das relações com Israel.
Apesar de expressar "profunda preocupação com a situação humanitária catastrófica na Faixa de Gaza e a escalada no Líbano", e defender uma solução de dois Estados para alcançar a paz na região, o texto dos líderes globais reunidos na capital fluminense desde segunda-feira (18) não faz nenhuma menção à responsabilidade do governo israelense de Benjamin Netanyahu pelos ataques na região.
"Enfatizamos a necessidade urgente de expandir o fluxo de assistência humanitária e reforçar a proteção de civis e exigir a remoção de todas as barreiras à prestação de assistência humanitária em escala. Destacamos o sofrimento humano e os impactos negativos da guerra. Afirmando o direito palestino à autodeterminação, reiteramos nosso compromisso inabalável com a visão da solução de dois Estados, onde Israel e um Estado palestino vivem lado a lado, em paz, dentro de fronteiras seguras e reconhecidas, consistentes com o direito internacional e resoluções relevantes da ONU", diz o texto divulgado na noite de segunda.
"Estamos unidos em apoio a um cessar-fogo abrangente em Gaza, em conformidade com a Resolução n. 2735 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e no Líbano, que permite que os cidadãos retornem em segurança para suas casas em ambos os lados da Linha Azul", conclui o trecho que aborda a situação no Oriente Médio.
'Grande decepção'
"Lemos a declaração com grande decepção, especialmente pelo fato de o G20 ser sediado em um dos estados mais proeminentes do Sul Global", se manifestou o Palestine Institute for Public Diplomacy (PIPD, Instituto Palestinos para Diplomacia Pública na sigla em inglês), instituição da sociedade civil palestina com sede em Ramallah.
Em nota ao Brasil de Fato, a organização ressalta que o fato da declaração "não tomar nenhuma decisão sobre o embargo de armas e energia contra o estado genocida de Israel é alarmante".
A organização palestina defende o embargo de armas e combustíveis a Israel como uma ação urgente diante do agravamento da situação humanitária no norte da Faixa de Gaza e aponta que o Brasil pode ser considerado cúmplice de genocídio por manter as exportações de petróleo a Israel. Em agosto, uma pesquisa encomendada pela organização sem fins lucrativos Oil Change International revelou que o Brasil é responsável por 9% do total de petróleo bruto fornecido a Israel e aponta que o embargo em relação ao petróleo ajudaria a promover um cessar-fogo na região.
Uma coalizão liderada por organizações palestinas apresentou na COP29 - a Conferência para o Clima da ONU - um pedido ao Brasil, à África do Sul e à Turquia para cessarem o fornecimento de gás e energia a Israel, a exemplo do que fez o governo da Colômbia.
"Isso aprofunda ainda mais a lacuna entre o que está acontecendo nas ruas do mundo e as lideranças do mundo. O que está acontecendo em Gaza é um genocídio, não é apenas uma situação humanitária catastrófica, é a continuação de um projeto colonial israelense de 76 anos. Fechar os olhos para o efeito de um genocídio transmitido ao vivo terá resultados catastróficos para a nossa geração e para muitas outras que virão", conclui a nota da organização.
Um comitê especial da Organização das Nações unidas (ONU) declarou na quinta-feira (14), que os métodos de guerra utilizados por Israel na Faixa de Gaza "correspondem às características de genocídio". "As autoridades israelenses têm apoiado publicamente políticas que privam os palestinos das necessidades vitais mais básicas", incluindo alimentos, água e combustível, diz o informe do comitê.
Principal desafio para a condução do Brasil na presidência do G20 durante cúpula que acontece entre segunda (18) e terça-feira (19) na capital fluminense. A condenação desse crime no Tribunal Popular eleva a pressão sobre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva por posições concretas contra o governo de Benjamin Netanyahu.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido uma das vozes mais fortes no cenário internacional contra a ofensiva militar israelense. Em maio, o governo brasileiro chamou de volta o embaixador em Israel, sem nomear um substituto até o momento. A tensão diplomática aumentou depois que Lula acusou, em fevereiro, o governo israelense de cometer um "genocídio" na Faixa de Gaza. Israel declarou Lula “persona non grata”.
Apesar de subir o tom contra o governo israelense, Lula tem sido cobrado por organizações e movimentos sociais de apoio à Palestina para tomar medidas concretas contra Israel - como o rompimento das relações diplomáticas. Durante sua participação no encontro dos Brics na Rússia em outubro, o chanceler Mauro Vieira afirmou que o governo brasileiro não pretende romper as relações, para manter viva a possibilidade de ser um mediador do conflito.
Edição: Nathallia Fonseca