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É possível aprovar o fim da escala 6x1 em um Congresso conservador?

Todos os projetos que foram aprovados no Congresso a favor da classe trabalhadora tiveram que nadar contra a corrente

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Em 15 de novembro, mobilizações ocorreram em pelo menos 26 cidades - Divulgação/VAT

Todos sabemos que a atual composição do Congresso nacional brasileiro, seja na câmara ou no senado, é composto por uma maioria de parlamentares que não tem a menor simpatia por pautas do povo trabalhador, pelo simples fato dessa casa estar sob o controle de partidos ligados a grandes empresários, ao sistema financeiro e ao agronegócios. Isso significa que qualquer concessão relacionada a melhores salários e jornada de trabalho será considerada como aumento de custos para a produção, por tanto faria mal a economia do país, segundo os amantes do capital.

Como no capitalismo o lucro está sempre acima da vida, tais projetos de lei ou de emendas na constituição com esse caráter tem muito pouca chance de prosperar no parlamento brasileiro sem uma forte pressão popular. Segundo dados do TSE, mais da metade dos deputados eleitos são milionários

Todos os projetos que foram aprovados no Congresso a favor da classe trabalhadora tiveram que nadar contra a corrente das forças capitalistas, somente muita mobilização popular pode impor medo a ala majoritária que controla o parlamento brasileiro, principalmente agora que os partidos dos poderosos saíram das eleições municipais com vitórias significativas e vão dirigir a maioria das prefeituras do país. Então é preciso nesse momento aferir o tamanho do alcance e da força do fim da escala 6x1 para termos ideia do tamanho da montanha que ainda temos que escalar para conquistar uma vitória para a classe trabalhadora.

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que, nas redes sociais, o tema já tem uma mobilização histórica. O abaixo assinado, já tem mais de 3 milhões de assinaturas. Comparando com outros projetos que foram aprovados no Congresso Nacional e que foram fruto de movimentos de petições e abaixo assinados, é um número que supera todas as expectativas. A Lei da Ficha Limpa, lei complementar nº 135/2010, que na época tinha amplo apoio popular, foi aprovada no Congresso Nacional após uma mobilização da sociedade civil que recolheu 1,6 milhão de assinaturas em todo país. O movimento que recolheu assinaturas para alterar a lei de crimes hediondos, através da campanha “diga não a impunidade” e que tinha a conhecida autora de novelas da Rede Globo, Gloria Perez, como uma das principais apoiadoras, recolheu 1,3 milhão de assinaturas. São projetos de iniciativa popular, que tiveram muito apoio na sociedade e que foram aprovados, mas ainda assim tiveram aproximadamente metade das assinaturas que a campanha do movimento VAT já conseguiu recolher até agora e que segue crescendo.  

Precisamos lembrar que essa mobilização, que vem de algum tempo nas redes sociais em torno do tema da jornada de trabalho, acabou elegendo o principal líder do movimento VAT, Rick Azevedo, como o vereador mais votado do Psol com quase 30 mil votos na cidade do Rio de Janeiro. Como também nesse momento, a PEC de autoria da deputada federal Erica Hilton ultrapassou a marca de 171 assinaturas de deputados para poder tramitar no Congresso Nacional, com mais de 200 assinaturas.  

A maioria das assinaturas foram de parlamentares de partidos de esquerda, mas está começando a crescer a adesão de deputados de partidos de centro direita e de direita. A oposição mais explícita até agora está vindo de setores da extrema direita, embora até nesse setor a pressão está muito forte por parte do seu próprio eleitorado.

Essa adesão de parlamentares de direita a essa proposta só pode ser explicada por conta da mobilização que a sociedade está fazendo sobre o Congresso Nacional, gerando receio por parte desses parlamentares em perder apoio na sua própria base. Mas precisamos ter noção que ainda estamos longe de ter correlação de forças no Congresso Nacional para aprovar essa pauta, uma PEC para ter sucesso precisa de 308 votos de 513 deputados, e 49 votos de 81 senadores. O fato de já termos conseguido o número suficiente para esse projeto tramitar no Congresso, não significa que já temos a certeza do numero de votos suficiente para aprová-la.  

A luta precisa ser nas redes, mas também nas ruas 

Outro elemento que precisamos avaliar, é a mobilização nas ruas. Não basta o clamor popular se expressar somente nas redes sociais, as trabalhadoras e trabalhadores que sofrem com a escala 6x1 precisam ser seduzidos a apoiar e aderir as manifestações de rua. Os atos que ocorreram nesse 15 de novembro em várias cidades foram muito importantes para seguir pautando o tema no debate publico, mas precisamos admitir que a adesão ainda está muito aquém do que precisamos para acumular forças, em especial entre os próprios trabalhadores do setor de serviços que são celetistas.

Trata-se da maior fração da classe trabalhadora brasileira com registro em carteira de trabalho e que se localiza no maior setor da economia brasileira. São aproximadamente 30 milhões de pessoas que estão sob essa jornada, e se pelo menos um terço se colocar em movimento já será suficiente para balançar as estruturas dos arranha-céus da faria lima.  

Há muitas dúvidas, se as forças da esquerda brasileira e o movimento sindical, incluindo aí as centrais sindicais, vão conseguir dialogar com a massa de trabalhadores comerciários e do setor de serviços em geral. Destaque para os setores mais radicais da esquerda, que em sua maioria são representados por grupos pequenos ou microscópicos, e estão mais interessados em se auto construir e provar que são mais revolucionários que os outros, do que fazer a mobilização ganhar força e alcance. Ao propor uma política ultra esquerdista ou divisionista, impossíveis de serem realizadas no atual momento, acabam gerando confusão e provocações desnecessárias afastando trabalhadores que estão tendo contato com o movimento pela primeira vez.

Ao mesmo tempo os grandes sindicatos e centrais sindicais tradicionais que sempre defenderam a redução da jornada de trabalho, não podem ter uma postura “meia boca”, participando parcialmente do movimento. Pelo contrário, precisam ter um papel de direção, buscando criar espaços que organize essa luta para aumentar a potencia da disputa política, o alcance da visibilidade dessa pauta e a adesão de mais trabalhadores nas redes sociais, nas mobilizações de rua e nas atividades de pressão no Congresso Nacional.

As centrais sindicais brasileiras têm por obrigação convocar uma frente única junto ao movimento VAT e todas as forças que querem lutar pela redução da jornada de trabalho nesse país. Se a tônica dos atos for guiada por organizações ultra esquerdistas inconsequentes e ao mesmo tempo as centrais sindicais não entenderem o papel que podem cumprir nesse momento, muito provavelmente as mobilizações de rua não terão sucesso. Ou porque não terão adesão da massa, ou porque servirão somente como meio de cultura para provocadores, inclusive de infiltrados da extrema direita. E se for assim, a derrota será o destino fatal do nosso movimento.  

Acabar com a 6x1 e colocar qual jornada no lugar? 

Um alerta! Não vamos alimentar nossa ingenuidade acreditando que a extrema direita radicalmente neoliberal vai ficar olhando esse movimento se desenvolver sem disputá-lo. Os parlamentares aliados de federações e/ou entidades classistas da patronal, como também setores da grande mídia, já estão se posicionando publicamente com argumentos que tentam demonstrar a inviabilidade econômica do fim da escala 6x1. Além disso, o deputado federal Maurício Marcon ( Podemos-RS) lançou uma proposta alternativa de PEC, que permite o trabalhador manter o regime de 44 horas semanais ou estabelecer um regime flexível. Segundo essa PEC, o trabalhador receberia um valor mínimo por hora trabalhada no regime da jornada flexível, calculado proporcionalmente ao salário mínimo nacional ou ao piso da categoria, com base na jornada máxima de quarenta e quatro horas semanais.  A iniciativa do deputado do Podemos, está sendo chamada por ele de “PEC da Alforria”, e é baseada no modelo que vigora nos EUA.  

Essa proposta, embora apresente o argumento falacioso de que o trabalhador terá a liberdade de  escolher ficar no regime atual ou num regime flexível, pelo texto da proposta, só vai acontecer se tiver acordo com o patrão. Todos sabemos que na maioria das vezes é o dono da empresa que tem o monopsônio, ou seja, o poder de dizer qual jornada será imposta. Mas mesmo assim, segundo o texto dessa proposta, em caso de se chegar num acordo via convenção coletiva ou acordo individual pela jornada flexível, inevitavelmente haverá a redução dos salários e direitos. Pois na pratica para ganhar um salário mínimo, férias e 13º integral, a trabalhadora ou trabalhador terá que fazer a jornada máxima, o que não muda a atual situação.

É uma proposta que atende aos interesses da patronal, pois protege o lucro, mantendo a renda dos trabalhadores estagnada. Uma miragem que não muda a situação de pobreza dos trabalhadores e os obriga a manter um cotidiano alucinante de trabalho para sobreviver.

Em termos de comparação, se um trabalhador chegar a fazer uma jornada flexível na proposta do deputado Marcon, no mundo real se daria da seguinte forma: 44 horas semanais vezes 4 semanas é igual a 176 horas por mês, dividido pelo valor atual do salário mínimo ( R$ 1412,00), é igual a R$ 8,02 a hora trabalhada. Sendo assim, caso o trabalhador em convenção coletiva ou acordo individual optar em fazer uma jornada de 5x2, numa jornada diária de 8 horas, ele irá ganhar ao final do mês um salário de R$1283,20. Se a tal jornada flexível for de 4x3, o salário ao final do mês será de R$ 1026,56. Em ambas as situações é um valor abaixo do salário mínimo, o que é inconstitucional e absolutamente insuficiente para um trabalhador sobreviver. Mesmo assim, é uma proposta que pode conquistar corações e mentes no debate publico e acabar criando as condições para aprovar esse projeto no Congresso Nacional. 

A proposta de PEC apresentada pela deputada Erika Hilton, tem uma mudança que beneficia os trabalhadores concretamente, que é diminuir a jornada sem diminuir os salários e nem os direitos como férias e 13º. Pelo texto atual, está colocado a jornada de 4x3 (trabalhar quatro dias na semana e folgar três), que no debate no Congresso poderá chegar num acordo de uma jornada de 5x2, tendo inclusive benefícios fiscais ou outras medias para pequenas empresas conseguirem viabilizar essa jornada. Essa proposta tem o objetivo de aumentar o tempo livre do trabalhador, sem diminuir a sua renda, podendo inclusive gerar um aumento da produtividade e eficiência das equipes de trabalho, ainda que as mesmas trabalhem menos dias por semana. Na pratica, está se valorizando a hora trabalhada, que é tudo que a patronal não quer ver acontecer, pois não estão dispostos a abrir mão de nenhum milímetro dos seus lucros.  

Tudo isso significa que o fim da escala 6x1 tem grande possibilidade de ser aprovada no Congresso Nacional, mas precisamos ficar atentos sobre qual jornada de trabalho será aprovada como alternativa. Pois ao final das contas, pode haver uma mudança nos contratos de trabalho, mas que na pratica vai manter tudo como está ou ficar ainda pior. Vivemos tempos reacionários, a extrema direita tem demonstrado grande capacidade de mobilização e de capilaridade na comunicação pelas redes sociais. Podendo inclusive conseguir colocar no imaginário social que o governo federal e as forças de esquerda são os principais vilões e exploradores dos trabalhadores para proteger as grandes corporações e os acionistas bilionários das grandes empresas. As forças reacionárias já provaram mais de uma vez que possuem poder econômico para intensificar a circulação dessa versão surreal como um “vírus informacional” nas mentes viciadas no mundo virtual.  

Lembrem-se de como o debate se deu em relação ao tema da regulamentação da profissão dos trabalhadores em aplicativo no Brasil recentemente, entregadores e motoristas especialmente, no qual a esquerda e o governo perderam o debate nessas categorias e a situação de exploração desses trabalhadores seguem intacta beneficiando as bigtechs que estão a cada dia ainda mais ricas e bilionárias.

Em 2023, houve uma grande greve vitoriosa dos operários das montadoras norte americanas, no qual Biden foi o primeiro presidente da historia dos EUA a visitar os piquetes de uma greve. Mesmo com o movimento sindical conseguindo arrancar grandes conquistas, o vencedor da eleição nos EUA um ano após a greve, foi um presidente absolutamente contrário aos sindicatos de trabalhadores, inclusive em distritos industriais que concentra trabalhadores sindicalizados. Esses são exemplos do que estamos tentando alertar, preparem-se!  

* Gibran Jordão é Historiador, TAE-UFRJ e Ex-Coordenador Geral da FASUBRA.  

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

Edição: Nathallia Fonseca