Coluna

Próximo de completar um ano, política de gestão territorial quilombola precisa avançar com urgência

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Alguns governos estaduais já anunciaram que vão aderir a política, como é o caso do estado da Bahia, do Maranhão, do Piauí e de Tocantins. Juntos, esses estados têm 1875 comunidades certificadas - Ricardo Stuckert
Comunidades quilombolas assumem protagonismo na gestão de seus territórios, mas enfrentam desafios

Por Kathleen Tie Scalassara, Biko Rodrigues e Daniel Paulino Filho*

Neste Dia Nacional da Consciência Negra e de Zumbi dos Palmares, celebrado em 20 de novembro, a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PNGTAQ) completa um ano de criação. Fundamental para as mais de 8 mil comunidades quilombolas presentes em território brasileiro, a PNGTAQ foi lançada em 2023 com o objetivo de implementar um conjunto de políticas públicas para efetivação de direitos fundamentais, tendo como premissa a autogestão, autonomia e o reconhecimento de que as comunidades possuem protagonismo no gerenciamento de seu território, podendo discutir e decidir questões como o manejo da terra, geração de renda e preservação de espaços sagrados.

Fruto de uma construção coletiva de mais de 10 anos que envolveu Governo Federal, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), comunidades e parceiros, a Política é coordenada pelo Ministério da Igualdade Racial (MIR), com ações conjuntas com outros ministérios, podendo ser implementada pelos estados e municípios.

Desde a edição e publicação da PNGTAQ em 2023 até hoje, avanços importantes foram obtidos, alguns a partir de movimentações institucionais, mas especialmente através da atuação das comunidades quilombolas, suas entidades representativas e da assessoria jurídica popular.

Em âmbito nacional, o MIR deu início a realização de oficinas regionais com o intuito de aproximar, informar e formar os quilombolas sobre a PNGTAQ e suas possibilidades. No estado do Paraná, por exemplo, a oficina ocorreu nos últimos dias 7 e 8 de novembro, e contou com a participação de lideranças quilombolas de cerca de 26 comunidades.

Também no Estado Paranaense, a incidência política protagonizada pela Federação das Comunidades Quilombolas do Estado (Fecoqui-PR), junto da assessoria jurídica da Terra de Direitos, garantiu a adesão da política pelo Poder Executivo estadual e pela Prefeitura Municipal de Adrianópolis. Além disso, as ações das entidades geraram a sinalização de adesão por parte das prefeituras de outros dos municípios do estado: Doutor Ulysses e Reserva do Iguaçu.

Vale destacar que a celebração do termo de adesão e de compromisso de implementação da PNGTAQ entre os governos municipais e/ou estaduais e o governo federal é necessária para que as comunidades possam iniciar a construção do seu plano local de gestão territorial e ambiental quilombola, que poderá contar com recursos próprios, de instituições parceiras, da União, estados e municípios. O plano local servirá como indicador das principais demandas da comunidade, bem como as áreas prioritárias para desenvolvimento das ações.

As comunidades têm contado com apoio de organizações representativas e de direitos humanos para apropriação da Política e elaboração dos planos. Em Adrianópolis (PR) foi realizada uma oficina com as comunidades, articulada pela Fecoqui, Rede Nacional de Advogados Quilombolas e a Terra de Direitos. O município é o primeiro do país a aderir à Política. Já no Pará, a Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS), com apoio da Terra de Direitos e Conaq, também realizou formação sobre a Política.

Essas ações - apesar de contarem com apoio do MIR - possuem como principais articuladores as próprias comunidades quilombolas, que se aliam a parceiros para que possam aprofundar os conhecimentos sobre a política e reivindicar sua implementação. Ou seja, mesmo com a política pública estabelecida, as comunidades seguem necessitando se mobilizar e articular para que as informações cheguem nos territórios. Garantir o acesso pleno e facilitado dos quilombolas a essas informações é um dos desafios enfrentados para a execução da política e que devem ser parte da agenda institucional.

No seu aniversário de lançamento, a PNGTAQ deve passar a ser encarada como prioridade na agenda governamental e ministerial. Mesmo que avanços tenham sido conquistados, ações imprescindíveis para uma implementação na esfera nacional e célere devem ser realizadas pelo governo federal, responsável por sua efetivação. Entre as medidas a serem tomadas estão a criação do comitê gestor instituído e disciplinado pelo decreto, uma das primeiras iniciativas previstas na Política. No entanto, até o momento o ministério está realizando o processo de seleção das entidades para compor este colegiado. O MIR ainda precisa avançar em garantir respostas mais ágeis aos governos municipais que desejam aderir à Política, na disponibilização de informações e realização de mais formações junto às comunidades, entre outras.

Dentro de um contexto global de emergência climática e crise ambiental, torna-se ainda mais importante que grandes e urgentes esforços sejam tomados por uma implementação efetiva da PNGTAQ, garantindo a possibilidade do etnodesenvolvimento das comunidades quilombolas e a preservação da biodiversidade, uma vez que dentre outras categorias fundiárias, os territórios quilombolas estão entre as áreas mais conservadas no Brasil. Entre 1985 e 2022 a perda de vegetação nativa em territórios quilombolas foi de 4,7% contra 17% de áreas privadas. Em territórios titulados a taxa é ainda menor: 3,2%, segundo dados do MapBiomas.

Nesse sentido, garantir a proteção territorial quilombola, com a devida titulação dos territórios, prezando pela autonomia, autogestão e etnodesenvolvimento através da PNGTAQ, pode garantir a perpetuação de modelos de relação, usos e manejos da terra que indicam possibilidades de enfrentamento à crise ecológica do planeta.

* Kathleen Tie Scalassara é quilombola do Vale do Ribeira (SP) e assessora jurídica da Terra de Direitos; Biko Rodrigues é Coordenador executivo da Conaq; Daniel Paulino Filho é estudante em Direito (UFPR) e estagiário na assessoria jurídica Terra de Direitos

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

Edição: Nicolau Soares