Tendo a cultura negra e periférica como um objetivo e identidade, o Festival Porongos - Concertos Descentralizados chega à 3ª edição. Não por acaso, a festividade ocorrerá na estreia do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, feriado que passa a integrar o calendário de todo o Brasil neste 20 de novembro.
Com programação gratuita, o evento vai movimentar o Centro de Educação Ambiental (CEA) do bairro Bom Jesus, em Porto Alegre (RS). Das 10h às 19h30 desta quarta-feira, o Festival Porongos promete levar atividades artísticas e culturais para a periferia, reconhecendo esse espaço como centro de criatividade, lugar de potência, onde a arte não só reflete a realidade, mas também contribui para sua transformação, tendo o direito à cidade como ferramenta de modo a possibilitar maior acesso à cultura.
Um dos destaques dessa edição é Ravi Lobo, forte expressão do rap baiano que trará seu cartel de ritmo e poesia para solo gaúcho, resultando em um intercâmbio cultural entre Porto Alegre (RS) e Salvador (BA), uma das metas do festival: criar redes de produções negras pelo Brasil e América Latina.
O rapper e compositor é conhecido por suas letras que abordam a vida nas periferias, questões sociais e a luta por justiça. Seu estilo autêntico e suas rimas impactantes refletem as experiências e desafios enfrentados por muitos jovens nas comunidades, enfatizando a importância de diálogos culturais que enriqueçam e conectem diferentes realidades. A vinda de Lobo não só celebra essa troca, mas também reforça o compromisso do festival com a valorização da cultura e da arte em suas múltiplas formas.
Outra presença confirmada é da cantora e compositora Pâmela Amaro, considerada uma das revelações do samba contemporâneo. A artista estará acompanhada da banda Herdeiras do Samba, em um encontro de mulheres na batucada. Somam-se à ela, o performático grupo Espiralar Encruza; a profundidade e a expressividade da música instrumental da banda Kiai; a poesia vibrante do Slam da Bonja; o reggae engajado da Produto Nacional; a provocativa e multimidiática Turmalina; a sabedoria de Mestre Renato Bê-a-Bá, guardião do patrimônio imaterial que é o samba de roda, assim como dos segredos de feitura do tambor inhã; além da tradicional Escola de Samba Copacabana, que encerra a programação. Os Mestres de Cerimônias que vão reger o evento serão os multiartistas Agnes Mariá e Erick Flores.
A quebrada produz
O Festival tem o objetivo de fomentar redes de artistas negros da indústria cultural local e democratizar o acesso às artes e à cultura. Oferece uma programação voltada para diferentes públicos, promovendo atividades que vão desde oficinas literárias e artísticas (que foram feitas entre os meses de setembro e outubro de 2024) até concertos musicais, promovendo reflexões sobre identidade, arte e memória, de modo a impactar cultural e socialmente a comunidade em que se insere.
"É muito gratificante olhar o percurso que o Porongos vem trilhando. O Festival disponibiliza um território negro efêmero de celebração e afirmação de nossa identidade afro-gaúcha", comenta Thaise Machado, coordenadora do projeto e uma de suas idealizadoras.
Segundo ela, para além de um evento, “o festival traz reflexão política de corpos negros livres, a começar pelos lanceiros negros", ressalta. Para Thaise, falar de lanceiros negros demanda responsabilidade. "Compreendo que esse encontro ao redor do festival é mais uma das tecnologias de reexistência que utilizamos para demarcar nosso espaço neste território", afirma.
Thaise acredita que o resultado dessa estratégia é visto pelo impacto cultural e social na comunidade, a exemplo da parceria estabelecida com o Centro Cultural Marli Medeiros (CEMME).
Localizado na Vila Pinto, a instituição surgiu da preocupação das recicladoras em proteger seus filhos dos riscos da rua. Inicialmente, a ideia de um centro cultural em uma comunidade carente não havia sido bem vista por alguns governos. No entanto, a líder comunitária Marli Medeiros persistiu e, com apoio de colaboradores, fundou em 2002 o Centro Cultural James Kulisz (CEJAK), que se tornou CEMME em 2018. A instituição oferece atividades em educação, cultura, lazer e assistência social, visando melhorar as condições de vida da comunidade e formar multiplicadores das ações sociais.
Contracultura
O Festival Porongos surgiu em 2018, como uma provocação acerca das comemorações da Guerra Civil Farroupilha, de modo a colocar luz sobre a história dos lanceiros negros. Esse também foi o ano que durante o acampamento Farroupilha de Porto Alegre, um piquete construiu um espaço de visitação retratando uma senzala e gerando controvérsias.
"A iniciativa provocou indignação do Movimento Negro pela forma equivocada com que o tema foi tratado, ao reforçar estereótipos racistas. Constatamos o quanto é importante construirmos nossas próprias narrativas, iluminando o legado que nossos ancestrais nos deixaram e recontando a história de maneira verdadeira", relembra Thaise.
O nome do Festival faz referência ao Massacre de Porongos, um dos mais trágicos episódios da Revolução Farroupilha, ocorrido em 20 de setembro de 1844. Após a batalha, um grupo de lanceiros negros, que havia lutado ao lado das forças farroupilhas, foi traído e atacado pelas tropas imperiais, resultando na morte de inúmeros deles.
"Essa traição ilustra a complexa dinâmica racial e política da época, evidenciando como os soldados negros, apesar de sua valiosa contribuição, foram frequentemente desconsiderados e traídos", ressalta. "O festival que leva o nome de Porongos busca trazer à tona essa história por tanto tempo apagada dos livros escolares, reconhecendo o sacrifício dos lanceiros negros e promovendo uma reflexão sobre a memória e a justiça social", conclui Thaise.
A escolha da data, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra é, por extensão, uma homenagem a Oliveira Silveira (1941-2009). O poeta gaúcho está diretamente relacionado à criação do Dia da Consciência Negra, que foi oficializado em 2003. Ele foi um dos defensores da proposta, que visa reconhecer e celebrar a cultura negra e a luta contra a discriminação racial no Brasil. Silveira usou sua poesia para trazer à tona as questões sociais e históricas enfrentadas pela população negra, contribuindo para a construção da memória sobre a resistência, simbolizada por Zumbi dos Palmares, traído e assassinado em 20 de novembro de 1695. Assim, a obra e ativismo de Oliveira Silveira ajudaram a fortalecer a importância da data, promovendo a reflexão e o reconhecimento da contribuição negra para a sociedade brasileira.
Atrações
Turmalina
O Coletivo Turmalina combina expressões artísticas visuais e sonoras, com foco nas culturas de raízes africanas, como forma de afirmação da identidade negra. Por meio da música, o coletivo aborda questões de marginalização, apropriação e apagamento histórico, propondo a arte como mecanismo de resistência social. Integrado por DJ Fresh, Elle P, Gugu e Tom Nudes, o grupo utiliza diferentes tecnologias e narrativas para questionar as estruturas dominantes e promover a valorização da cultura negra.
Samba da Roda com Mestre Renato
"O Bê-a-bá do Samba" resgata a tradição do samba por meio da oralidade cantada e da interpretação de saberes por mestres do samba. Com forte base na herança cultural afro-brasileira, o projeto promove uma experiência autêntica de samba de roda, explorando ritmos e narrativas tradicionais que conectam gerações por meio da música e da dança. Mestre Renato Bê-a-Bá é considerado uma referência no samba de roda no Rio Grande do Sul e um dos últimos guardiões de uma tradição de "fazedores" de tambor, em especial, o tambor inhã, segundo ele, o que dá origem a todos os outros tambores, hoje, existente somente na memória dos velhos mestres tamboreiros.
Spiralar Encruza
A performance "Doce" do coletivo Espiralar Encruza propõe uma experiência colaborativa, na qual o público troca memórias doces, escritas em um painel de algodão, por balas de mel. A obra, criada a partir das memórias do diretor sobre a infância, foi apresentada pela primeira vez em 2022 no III Cinema Negro em Ação. A performance convoca o público a acessar momentos agradáveis de sua vida, conectando sensações a lembranças.
Pâmela Amaro e as Herdeiras do Samba
Criada pela cantora e compositora Pâmela Amaro, a Roda Herdeiras do Samba reúne mulheres para celebrar as diversas vertentes do samba. O projeto surgiu em 2023, durante o Dia da Mulher Sambista, e seu repertório inclui clássicos do samba e composições autorais, destacando musicistas com experiências variadas. Reconhecida pela crítica como uma das principais renovadoras da linguagem do samba no Brasil, Pâmela Amaro lidera essas rodas, que celebram tanto a tradição quanto a força feminina no gênero. Confira fotos e mais informações no Instagram.
Kiai
Kiai é um grupo de música instrumental formado em 2014 em Rio Grande/RS, composto por Marcelo Vaz (teclado/piano), Dionísio Souza (baixo/violão) e Lucas Fê (bateria). Combinando composições autorais e arranjos sofisticados, o grupo se destaca pela forte influência do jazz, world music e música improvisada. Seus álbuns, como "Além" (2018) e "Kiai II" (2020), consolidaram sua presença no cenário instrumental. Kiai busca oferecer experiências imersivas ao público, explorando a profundidade e a expressividade da música instrumental.
Slam da Bonja
O Slam da Bonja, fundado em 2018 na Vila Bom Jesus, em Porto Alegre, é um espaço vibrante para a competição de poesia falada. Organizado por Mikaa, campeã gaúcha de Slam, e Bruno Amaral, primeiro campeão do Slam Conexões, o evento celebra a cultura e a expressão artística por meio do "poetry slam". Esse movimento, que teve origem em Chicago, cresceu globalmente e continua a inspirar artistas locais e de periferias, proporcionando uma plataforma para vozes diversas e histórias autênticas.
Produto Nacional
Formada no final dos anos 1980, a banda Produto Nacional mistura samba, jazz, funk, rock, bossa nova e reggae, sendo uma das precursoras do reggae no Brasil. Com dois álbuns marcantes no cenário nacional e participação em diversas coletâneas e prêmios, a banda possui uma sonoridade singular e engajada socialmente. Com mais de 30 anos de estrada, Produto Nacional é uma das bandas de reggae mais longevas em atividade no Sul do Brasil.
Ravi Lobo
Ravi Lobo é um dos MCs mais relevantes da cena hip-hop baiana, com uma carreira que abrange o grupo Rap Nova Era e projetos solo. Seu trabalho é marcado pela versatilidade e pela conexão com a cultura hip-hop, abrangendo desde o rap até estilos como jazz e sound systems. Em 2023, Ravi lançou o álbum "Shakespeare do Gueto 2", com colaborações de grandes nomes da música brasileira. Assista ao videoclipe "Quem bate esquece".
Escola de Samba Copacabana
Fundada em 2 de fevereiro de 1962, por ex-integrantes da Estácio de Sá da Vila Jardim, a Escola de Samba Copacabana tem sua sede no Bairro Bom Jesus, em Porto Alegre. Desfilando com as cores azul, rosa e branco, a Copacabana se destaca por sua tradição e ligação com a comunidade local. Atualmente, é presidida por Antônio Ricardo Silveira, o Chula, que lidera a escola em suas atividades culturais e carnavalescas.
Serviço
3º Festival Porongos - Concertos Descentralizados
Quando: Dia 20 de novembro de 2024, quarta-feira, das 10h às 19h30min. Abertura de portas ao público: 09h45min
Onde: Centro de Educação Ambiental (CEA) - Bom Jesus | Avenida Joaquim Porto Vila Nova, Vila Pinto, 143 - Bom Jesus, Porto Alegre - RS
Quanto: Entrada Franca Sujeita a lotação do espaço
Capacidade Total: 600 pessoas
Classificação Etária: Livre
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko