O governo do Haiti convocou para consultas nesta sexta-feira (22) o embaixador da França no país após comentários classificados como "hostis e inapropriados" do presidente francês, Emmanuel Macron, durante visita ao Brasil para participação no G20.
Na quarta-feira (20), Macron foi flagrado por câmeras chamando a decisão do conselho presidencial de afastar o primeiro-ministro haitiano, que ocorreu no início deste mês em meio a uma escalada na violência, de "completamente burra".
"Honestamente, foram os próprios haitianos que acabaram com o Haiti, permitindo a entrada do tráfico de drogas", disse o francês logo antes de saudar o ex-primeiro-ministro haitiano Garry Conille como um grande líder. Conille foi deposto em meio a atritos com o conselho presidencial.
"Eles são totalmente imbecis, nunca deviam tê-lo demitido", acrescentou Macron.
Conille foi substituído pelo empresário e ex-candidato ao senado Alix Didier Fils-Aimé. A liderança do Haiti tem sido assolada por disputas internas e três membros do conselho presidencial de transição - encarregado de restaurar a estabilidade e abrir caminho para as eleições - foram acusados de corrupção. Eles permanecem em seus cargos e foram alguns dos responsáveis por afastar Conille.
Suavizou o tom
Na última quinta-feira (21), após ter as declarações divulgadas, Macron suavizou o tom e disse que "a França nunca virará a cara para uma crise. Nunca haverá um padrão duplo diante de uma tragédia, seja no Haiti, na Venezuela ou nos portões da Europa".
O país europeu se comprometeu a doar US$ 4,2 milhões (R$ 24 milhões) para um fundo da ONU que financia uma missão armada no país, encarregada de ajudar a restaurar as instituições no Haiti, além de financiar aulas de francês e creole - idioma nativo - para suas tropas.
A ONU já realizou algumas "missões de paz" no país, com o objetivo de conter a violência. A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, ou Minustah, foi uma delas. Chefiada pelo governo brasileiro, a missão da ONU deixou um imenso rastro de crimes cometidos contra a população haitiana.
Antiga colônia francesa
O Haiti foi um território colonizado pela França até 1804, quando o país caribenho se libertou da escravidão e declarou independência.
No entanto, mesmo após a separação do país, a França obrigou o Haiti a pagar uma multa, que chamaram de "dívida por propriedade perdida" (o que incluía as pessoas escravizadas). Se o Haiti não acatasse o pagamento, seria cercado através dos mares por frotas francesas, além de continuar isolado diplomaticamente por outros países europeus, como Portugal e Espanha.
Esta nova exploração durou mais de um século e ficou conhecida como a dívida da independência. Segundo ativistas haitianos, chegou a US$ 100 bilhões (R$ 581 bilhões).
Como o governo haitiano não possuía dinheiro suficiente para sequer pagar a primeira parcela da dívida, acabou adquirindo um empréstimo de um banco francês. Com isso, o Haiti se viu em uma bola de neve, devendo tanto para o governo francês quanto para o credor.
Esta dívida cíclica afundou a economia haitiana, processo que reflete as circunstâncias atuais do país, que sofre com uma escalada na violência, com cerca de 80% do território controlado por gangues e insegurança alimentar.
*Com The Guardian
Edição: Lucas Estanislau