Com lanceiros negros, ao som de capoeira, tambores e faixas, manifestantes saíram às ruas nesta quinta-feira (21), em Porto Alegre, na Marcha Independente Zumbi e Dandara 2024: “Caminhada por Justiça, Memória e Resistência”. É a primeira marcha realizada após o Dia da Consciência Negra e o Dia Nacional de Zumbi dos Palmares ter se tornado feriado nacional. Organizada pelo Novembro Antirracista Unificado, a manifestação também lembrou os 180 anos do Massacre de Porongos. O ato teve início na Esquina Democrática, no centro da capital gaúcha, e seguiu até o Largo Zumbi dos Palmares.
“Essa marcha tem um significado forte, pois é a primeira que acontece após o dia da consciência negra ser considerado feriado nacional. E também temos a nossa estátua Zumbi dos Palmares. Estamos felizes, mas sabemos que temos muito que avançar. A gente vem denunciar os ataques e entrar na luta, que tem tudo a ver com o movimento negro, que é contra a escala 6X1, porque a escravidão já passou. Se a gente for avaliar, nossas mulheres são as que pegam ônibus, não temos creches aos sábados, domingos. A gente precisa ter uma melhor qualidade de vida e ser feliz”, afirmou a presidenta da União de Negras e Negros pela Igualdade no Rio Grande do Sul (Unegro/RS), Elis Regina Duarte Gomes.
Coordenadora do Movimento Negro Unificado, Marcia Fernandes, pontua que o 20 de novembro traz em si o significado da luta diária da população negra. “Este ano teve um grande diferencial pra nós, foi um grande avanço. Vimos o país todo comemorando e fazendo as suas manifestações, suas reivindicações, um ato de resistência".
Essa resistência e luta, prosseguiu Marcia, que também é professora, está no combate diário do racismo. “O racismo está na estrutura, enraizado nas pessoas. Só que ninguém nasce racista. As pessoas vão se tornando ao longo da vida. É através da educação que vamos conseguir transformar. Enquanto não houver, de fato, um compromisso do Poder Público com a educação e com o povo negro, nada vai mudar. Não adianta trabalhar o 20 de novembro por trabalhar, fazer feriado por fazer, trabalhar cultura negra só em novembro, não. Nós somos negros o ano todo, merecemos respeito o ano todo, diariamente, e as nossas políticas públicas precisam avançar.”
Moradora da Ocupação Sepé Tiaraju, e integrante do Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Thaís Carolina da Rosa afirmou que a importância do feriado é o povo sair para rua e mostrar a relevância do combate ao racismo. “Hoje em dia, o povo negro é o que tem mais dificuldade em conseguir emprego, em conseguir moradia. Eu digo por mim, que sou negra, mãe de duas crianças negras. Sou da religião matriz africana, que hoje é uma das religiões mais atacadas do mundo. Todos nós unidos conseguimos, de alguma forma diminuir um pouco, mas acredito que algum dia conseguiremos combater totalmente o racismo.”
Luta como verbo político
“Porto Alegre carrega uma responsabilidade, em especial, de construir essa marcha, porque surgiu daqui o Grupo Palmares, Oliveira Silveira, idealizadores desta data. Hoje temos um feriado nacional e é simbólico estarmos lutando por questões importantes como a reconstrução do Rio Grande do Sul”, ressaltou o presidente da União Estadual dos Estudantes, Alejandro Guerrero.
Ele destacou também que a marcha presta uma homenagem a memória dos 180 anos do Massacre de Porongos. “Passamos por um período muito difícil recentemente que é a luta pela defesa da democracia, que se conecta também com a luta da defesa da vida do povo negro. A luta por justiça social, de combate ao racismo segue sendo uma pauta central para a nossa cidade, em momentos, inclusive, onde as pessoas relativizam a negritude.”
O presidente estudantil também salientou a representação política no último período, onde pessoas negras ocuparam bancadas nos espaços legislativos. “A gente tem dito que o papel da política para a população negra é o papel de transformação. Não tem como a gente pensar em mudança efetiva na vida do nosso povo se não passar pelas questões econômicas, se não passar por investimento nos serviços públicos, se não passar pelo combate real ao racismo dia e noite. Precisa ser uma luta coletiva de todo mundo.”
Trabalho de base
Quinta vereadora mais votada na eleição municipal deste ano pelo (Psol), Graziela Oliveira, mais conhecida como Grazi, constituirá juntamente com a vereadora reeleita Karen Santos, também do Psol, a bancada negra da Câmara de Vereadores de Porto Alegre a partir de 2025. “Estamos fazendo uma luta para que não seja só mais uma de nós, serão agora duas. E nós temos um compromisso com a cidade de Porto Alegre, principalmente quando nós falamos das mulheres, mulheres negras. Somos a maioria da população e somos aqueles e aquelas que carregam as suas estruturas, a construção do nosso país.”
Em sua manifestação pontuou as conquistas já feitas esse ano como a inauguração da estátua de Zumbi dos Palmares, como também a resistência diante do atual Executivo municipal. “Esse ano lembramos 180 anos do Massacre de Porrongos. Nós precisamos lembrar e recordar, que o nosso povo está cotidianamente massacrado por essa política nefasta que nos abandona daquilo que mais a gente ama, que é a vida, que são as pessoas que a gente se relaciona”.
Nosso recado, continuou Grazi, é coletivo porque foi coletivamente que chegamos nos espaços de poder. “Queremos cada vez mais fortalecer os nossos terreiros, os nossos líderes comunitários, os movimentos que estão dentro das periferias. Porque vai ser dentro do nosso lugar, no lugar onde a gente veio, que vamos mudar esse país, que vamos mudar Porto Alegre. Nossa missão é a partir de agora ir para os bairros, periferias e fazer a transformação lá porque é na base que vamos mudar a estrutura desta cidade.”
Direito à memória e à cidade
“Novo povo é mais de 80% dos jovens assassinados nesse Brasil, é mais de 60% da população carcerária. É onde a nossa Juventude sai dos bancos escolares e não completa educação básica. Ter a nossa conquista de ter uma bancada negra é o que nos faz disputar também a nossa memória”, expôs a deputada estadual Laura Sito (PT).
‘É com a nossa memória, que se conecta ao 20 de novembro, que se conecta à estátua do Zumbi. É com a nossa memória que nós reconhecemos Manuel Padeiro, ano passado, o primeiro herói negro do RS. É com a nossa memória e com respeito a nossa gente, que nós debatemos tantas políticas públicas importante, como o selo de igualdade racial que a deputada Bruna Rodrigues (PCdoB) aprovou ano passado e tantas iniciativas”, frisou a parlamentar.
Por fim, Laura frisou que é com a garra da população negra que "comemoramos as pequenas conquistas. Mas é com a nossa garra e com a nossa unidade que resistimos vivos, primeiramente, diariamente. Porque se tem algo que a nossa luta, primeira nesse país há 500 anos, é pelo direito a nossa vida, ao nosso bem viver e a nossa felicidade. É isso que nos mantém de pé, em unidade”.
Presente ao ato a deputada federal Daiana Santos (PCdoB) disse que a marcha é uma movimentação politicamente necessária para a reivindicação de direitos e para garantir que o povo preto tenha avanço na saúde, na educação, comida na mesa, dignidade e direito à cidade.
“Mas principalmente para que a gente compreenda a necessidade constante dessa coletividade que luta, mas que sabe muito bem porque luta. E que sabe que está do lado certo da história. Nós nos moldamos desta forma e é assim que a gente vai seguir, por respeito e responsabilidade com todos e todas, principalmente na luta antirracista, por um povo preto que precisa da nossa atuação, seguimos.”
As deputadas estadual Bruna Rodrigues (PCdoB) e federal Reginete Bispo (PT) também participaram da marcha.
Nossas lutas
“Me orgulho muito de estar hoje nesse espaço, nessa esquina que se diz democrática, nessa esquina onde a gente pode falar pelos nossos. Mas a gente sabe que nesse centro a gente também não é muito bem-vindo. Então a gente tem que se orgulhar muito desse 20 de novembro, por termos hoje um feriado, e de todas as lutas que nós estamos fazendo”, enfatizou Mãe Paty, pelo grupo Alicerce.
Em sua fala, Mãe Paty também se manifestou em relação ao racismo religioso. “A gente reza todos os dias para os nossos orixás para que termine com a intolerância religiosa, que termine com o racismo, que a gente sabe que é difícil. A nossa luta é diária, luta pelo ônibus que não tem na nossa comunidade, pela água que falta, pela moradia que nós também não temos, a luta quilombola, pelos nossos territórios. Então a gente pede para que as pessoas tenham consciência. E além da consciência, o respeito, porque o momento que a gente tem respeito pelo próximo, respeito pelo nosso semelhante, a gente vai ser respeitado”, finalizou.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko