As big techs movem um capital financeiro maior que o PIB de toda a América Latina
Nos últimos meses, acompanhamos o duelo de poder entre Elon Musk e o STF (Supremo Tribunal Federal). O empresário, dono de uma das maiores plataformas de big tech do mundo, a X, decidiu ter uma queda de braço com o Ministro Alexandre de Moraes, chegando inclusive a suspender o serviços da plataforma no Brasil. Longe de ser apenas uma batalha de egos, o caso expõe os riscos democráticos da concentração de poder nas mãos das empresas transnacionais.
De acordo com pesquisas desenvolvidas pelo Center for Countering Digital Hate, a plataforma X tem sido o epicentro da desinformação. Recentemente, durante as eleições nos EUA (Estados Unidos), as postagens de Elon Musk têm atingido milhões de seguidores, influenciando nos resultados eleitorais. Da mesma forma, pesquisas apontam a relação entre o comportamento extremista de Musk e as manifestações fascistas na Inglaterra.
As empresas transnacionais vêm concentrando poder político, econômico, social e cultural desde os anos 70. Possuem uma capacidade de adaptação às críticas sociais e ambientais, transformando-se cada vez mais em entes para além do Estado. Um marco regulatório internacional para essas pessoas jurídicas internacionais, que produzem em cadeias globais de valor, que especulam em mercados financeiros internacionalmente, não avança, de modo que se propaga a arquitetura da impunidade.
As big techs, como são conhecidas as empresas transnacionais da tecnologia, entre elas o X, Google, Meta e Amazon, movem um capital financeiro maior que o PIB (Produto Interno Bruto) de toda a América Latina; em número, são cerca de R$ 10 trilhões. O Google vem conseguindo implementar o monopólio da pesquisa online, sendo uma das plataformas de busca mais utilizadas em todo o mundo. A Meta, que além do controle de grandes redes sociais como Facebook, agora domina o WhatsApp, acumula uma base de dados e de informações de seus usuários maior que os mecanismos de vigilância estatais.
Com esse capital econômico, político e cultural, as big techs estão determinando que tipo de pensamento hegemônico reproduzir sobre a consciência das massas. Na América Latina, os efeitos eleitorais do uso dessas máquinas são desastrosos. Na Argentina, o papel que a plataforma X teve em influenciar a juventude com ideologias extremistas rendeu a vitória eleitoral a Javier Milei. Ou mesmo o papel que a Meta vem tendo para uso do Messenger do Facebook no atendimento de políticas de saúde e proteção para mulheres grávidas.
Estamos sendo vítimas de um novo tipo de colonialismo modernizante. As iniciativas de regulação, sobretudo da inteligência artificial, ainda patinam, e nem enfrentam o tema sobre a perspectiva da ameaça à soberania. No Brasil, projetos de lei como o PL das Fake News (n.º 2630/2020) estão completamente paralisados no Senado. Recentemente, o Ministério da Fazenda anunciou que apresentou um plano para regulação, visando um equilíbrio de mercado junto ao CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). De uma forma geral, projetos regulatórios, como as diretrizes da União Europeia, seguem apostando na boa vontade empresarial em autorregular-se.
Iniciativas que se contrapõe à impunidade
Desde 2014, tramita no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), a formulação de um Tratado Vinculante sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos, no qual se possa corrigir a assimetria de poderes entre empresas transnacionais e atingidos, possibilitando pôr fim a uma arquitetura da impunidade corporativa internacional. Ocorre que, ano após ano, o projeto vai sendo desidratado pela correlação de forças conservadoras no Conselho. Recentemente, o governo do Equador, país que está na Presidência do Grupo responsável pela elaboração do instrumento, sem qualquer diálogo, cancelou a sessão prevista para meados de outubro, apresentando final de dezembro como nova data para a agenda.
A manobra causou insatisfação popular. Mais de 300 milhões de pessoas da sociedade civil, movimentos sociais e centros de investigação reunidos na Campanha Internacional pelo Desmantelamento do Poder Corporativo e pela Soberania dos Povos lançaram um manifesto. No documento, apontam que o reagendamento favorece a participação de países do Norte Global em detrimento de países do Sul global, prejudicando, ainda, a participação de organizações e movimentos que já tinham comprometido seus orçamentos com passagens e hospedagens caras em Genebra, na Suíça, para as datas de outubro.
No Brasil, o projeto de lei n.º 572/2022, que propõe uma lei marco sobre direitos humanos e empresas, encontra-se parado na Câmara dos Deputados desde outubro de 2023.
Democratização dos meios de comunicação
Não existe democracia na comunicação realizada pelas big techs nas redes sociais. Os usuários dessas redes estão expostos a todo tipo de conteúdo misógino, racista, homofóbico, elitista, diariamente. Essas empresas não têm nenhum compromisso ético com as informações compartilhadas, ou mesmo mecanismos eficazes de remoção de conteúdos que remetem à violência, violação de direitos humanos e desinformação. Sequer, os consumidores desses veículos têm proteção contra o uso de seus dados pessoais.
Talvez, de todos os medos que possamos ter sobre um futuro do planeta dominado pelas empresas transnacionais, o controle das formas de pensar e a produção de hegemonia por estas big techs seja uma das maiores ameaças a qualquer projeto de futuro alternativo que possamos construir. Precisamos urgentemente nos libertar desse controle.
Supõe-se que o que diferencia nós, humanos, de outras espécies, seja a nossa capacidade de raciocinar. Certamente, uma habilitante em xeque diante do cenário de desinformação. Assim, para além da urgência de regulação das empresas transnacionais, sobretudo as big techs, em prol da defesa dos valores democráticos, talvez o mundo requeira um pouco mais de inteligência, racionalidade e humanidade às pessoas. Fica o convite para pensar para além dos 280 caracteres.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Nathallia Fonseca