Agricultores apontam geração de renda, terra, tecnologias, acompanhamento técnico e agrotóxicos como principais desafios da categoria. As famílias Polez, Reis e Valeriano contas as histórias das terras em que vivem e trabalham e afirmam não desejarem mudar de vida. Entre os pontos positivos, o sentimento de pertencimento da terra passada de pais para filhos, geração a geração, além da geração de renda, consequência da busca da população por mais alimentos saudáveis.
Numa casa acolhedora, ao lado de um açude, mora Teonilde Polez, junto de seu esposo Geovani, sua mãe dona Irondina e seu pai Luiz. Teonilde é a quinta geração da família, com raízes profundas nessa terra, localizada na Linha Polez, zona rural do município de Coronel Vivida, região sudoeste do estado do Paraná.
Seu tataravô desembarcou de um navio vindo da Itália e escolheu esse lugar para viver quando tudo ainda era sertão. “Passaram por terras de campos, plana, mas não quiseram ficar, procuraram um lugar de mata virgem, que era mais fértil”, diz Teonilde. Já Dona Irondina conta que na viagem o navio dos imigrantes incendiou, dentre os prejuízos, todas as ferramentas foram queimadas, o que dificultou os trabalhos iniciais de construção de moradias e o cultivo das primeiras lavouras. Lembra que a cidade mais perto era Palmas, localizada a uns 100 km de distância, e era lá que se comprava ferramentas, mantimentos para a cozinha, onde tinha acesso ao médico e comercializavam as safras de porcos e de gado.
Atualmente a família possui uma área de 11,5 alqueires, sendo seis mecanizados, destinado a produção de grãos (soja e milho); outra parte ao cultivo de alimentos para o auto consumo – frutas diversas, mandioca, batata, feijão, arroz, hortaliças, aves, suínos, gado de corte, peixes - e o restante possui preservação da mata nativa, na beira do rio, encostas e topos de morro.
Quando perguntada sobre o significado em viver ali, Teonilde não titubeia e responde em segundos: “aqui é o paraíso, só saio daqui quando Deus chamar.” Dona Irondina complementa que “não vendemos nossa terrinha, passemos aos filhos,” demonstrando amor pela terra, pelo lugar, um sentimento de pertencer àquele território. Teonilde complementa, reafirmando os laços de pertencimento da família com a terra, relatando o caso de um irmão que mora na cidade, mas pretende construir uma casa e voltar ao campo.
A uns 15km dali, na comunidade de Santa Lúcia, numa casa que fica ao final de uma estrada cascalhada, sobre um relevo acidentado, com uma diversidade de fauna e flora e muitos sons de pássaros, embalados ao som do riacho que corre logo abaixo, mora seu Genuíno dos Reis, junto de sua esposa Ivete e seu filho José. O senhor Genuíno conta que nasceu ali, mas com 20 anos saiu para trabalhar de peão em fazendas da redondeza, na lida de gado. Seus outros irmãos também saíram, quatro deles trabalham na cidade de Pato Branco e um trabalha na agricultura familiar, numa comunidade próxima.
Genuíno retornou há 14 anos e tem se dedicado nos trabalhos diários sobre a terra de seus pais, que moram ao lado. A área total é de quatro alqueires, divididos entre pastagens, mata nativa e pequenas produções de alimentos. Na divisão dos trabalhos, os pais cuidam da “produção do gasto”, como o feijão, mandioca, milho, batatinha e cebola. Já seu Genuíno e família, são responsáveis pela atividade leiteira, de onde geram renda. O filho José estuda numa escola do campo, a uns 3km dali e, até então, fala em “ficar na roça”, afirma o pai com orgulho nos olhos.
Do outro lado da cidade de Coronel Vivida, na comunidade de Retiro do Pinhal, numa terra que resiste a pressão do latifúndio, mora o senhor Júlio Valeriano, junto de sua esposa dona Carolina e sua filha Iris. A terra é herança do avô, que possuía uma área total de 40 alqueires, após divisão entre filhos e netos, ficou para o senhor Júlio apenas um hectare. Atualmente a família Valeriano possui uma área de 5 alqueires, dividida em áreas de preservação ambiental, um alqueire para produção de soja e meio hectare para o cultivo de hortaliças.
A atividade da horticultura é a principal fonte de renda, acumulando mais de 20 anos de experiência, “no começo fazia mais de três quilômetros com caixas nas costas, para levar os alimentos até uma agroindústria localizada na comunidade, onde embalávamos para serem comercializados. Depois levava dentro de um fusca; passado um tempo adaptei uma carretinha; e, por último, comprei um tratorzinho. Hoje melhorou, conseguimos comprar uma Strada para fazer entregas de porta em porta, na feira livre e na merenda escolar,” narra Júlio. Antes de terem uma clientela fixa, chegaram a perder produções. Outra perda, “foi uma safra de tomate, bem no começo, que vendemos para um comprador de São Paulo, mas não recebemos,” lamenta o agricultor.
Na atualidade a produção é diversificada, com canteiros de alfaces, repolho, rúcula, tomate, cenoura, beterraba, morango, abobrinha, tempero verde e demais culturas. A horta fica próxima da casa, assim como um vasto pomar, garantindo uma produção variada de frutas em diferentes épocas do ano. Toda essa produção, além da mandioca, batata-doce, feijão, milho e arroz, é sem uso de agrotóxico, garantindo segurança alimentar à família e consumidores.
Desafios e perspectivas
As três famílias tem em comum a centralidade na terra, tratando-a como um bem sagrado, pois herdaram de gerações anteriores e resistem a pressão do latifúndio que concentra terras desde o Brasil colônia. Verifica-se, que áreas de minifúndios dificultam a sucessão e permanência de famílias no campo.
Nos três casos acima, as pequenas frações herdadas são insuficientes para manter todos os filhos com condições dignas, obrigando-os a saírem com destino incerto à grandes centros urbanos. Isso revela a urgente necessidade de uma reforma agrária popular, algo que o Brasil nunca fez.
Os programas desenvolvidos até então, não suprem a demanda por acesso à terra, a exemplo do Crédito Fundiário, em que “a burocracia e morosidade tem dificultado o andamento e liberação do crédito”, afirma Dácio Domingos Haubert, presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar – Sintraf de Coronel Vivida/PR. Segundo o diretor foi encaminhado uma dezena de processos de famílias interessadas em acessar o programa, mas passado um ano, ainda nenhuma família foi contemplada no município.
Haubert complementa, afirmando que a demanda por terra é grande, inclusive de jovens que estão na cidade e com intenções de voltar ao meio rural. Essa informação é reafirmada por Genuíno, quando diz que na comunidade de Santa Lúcia “tem bastante gente voltando e comprando um pedacinho de terra.”
Outra questão abordada pelos agricultores é a geração de renda. A experiência das famílias revela como saída a diversificação, ou como diz o velho ditado popular, “não colocar os ovos na mesma cesta”. Entretanto, o número de atividades desenvolvidas tem relação direta com a mão de obra disponível e, como historicamente tem diminuído os membros por unidade familiar, a tendência é das famílias priorizarem alguma atividade. Outra alternativa é desenvolver algo que exija trabalhos pontuais, a exemplo da apicultura – produção de mel -, atividade essa que neste ano será ampliada na família Polez.
Sobre a mão de obra, uma possibilidade é o acesso a tecnologias. Por exemplo, na produção de hortaliças da família Valeriano, um tratorzinho e uma enxada rotativa, auxiliam nas atividades cotidianas, amenizando a penosidade do trabalho. Na família Reis, a criatividade somada com a necessidade de Genuíno, possibilitou a invenção de um motor acoplado num pequeno pulverizador, que auxilia nos tratos culturais de suas lavouras. Devido a acentuada declividade do relevo, este pulverizador é conduzido por tração animal. Já na atividade leiteira, Genuíno aponta a intenção de acessar o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf Pecuário e investir em novos equipamentos de ordenha e tanque de expansão. São exemplos que comprovam a necessidade de políticas públicas que atendam as diferentes realidades dos agricultores, com possibilidades de acesso à tecnologias que favoreçam o trabalho e contribuam na geração de renda familiar.
Outra questão comum nas três famílias é a conscientização da preservação ambiental e a produção de alimentos saudáveis. Todavia, como dificuldade apontam a deriva dos agrotóxicos das lavouras vizinhas. Valeriano conta que desistiu de ter o selo orgânico de seus alimentos por medo de estar comercializando algo contaminado por veneno, “apesar de ter proteção do mato, o vento faz cruzar,” diz ele. Relata ainda prejuízos com a cultura do tomate, causada pela deriva de pulverizações de pastagens de fazendas da redondeza. Essa preocupação é pertinente também na família Polez, que teve prejuízos com a perda de colmeias de abelha, devido ao uso indiscriminado de inseticidas na região.
A agricultura familiar contribui para a segurança alimentar, preserva o meio ambiente, a cultura local e promove o desenvolvimento sustentável das comunidades rurais. Para fortalecer essa multifuncionalidade, se faz necessário um acompanhamento técnico que dialogue com as reais necessidades das famílias agricultoras, oriente sobre técnicas produtivas – respeitando as realidades e especificidades, bem como a cultura e o meio ambiente; mostre tecnologias que contribuam na produção e otimize a mão-de-obra; e, ainda, articule as famílias localmente e regionalmente, em cadeias curtas de comercialização, garantindo a geração de renda.
Considerando estes elementos, no ano de 2024, o Sintraf, em parceria com a Cooperativa de Crédito e Investimento com Interação Solidária – Cresol União, desenvolveu um projeto de acompanhamento técnico que visa abranger até 30 beneficiários entre os municípios de Coronel Vivida e Honório Serpa. As três famílias aqui identificadas, estão neste grupo e recebem visitas mensais do técnico agrícola, com conhecimentos em agroecologia, Eugênio Guerreiro. O profissional é responsável em fomentar a produção e comercialização de alimentos saudáveis, numa perspectiva de sustentabilidade econômica, social e ambiental.
Na família Polez, Eugênio tem focado no desenvolvimento da produção de mel. Segundo ele, “essa decisão foi tomada junto com Teonilde e Geovani, levando em conta que já trabalham na atividade apícola e possuem boa área de mata nativa.” Acrescenta que neste ano serão instaladas mais 14 colmeias, para isso, o casal já participou de um seminário com outros apicultores da região, deverão fazer uma visita em Santa Catarina para adquirirem novos equipamentos e conhecer uma unidade de produção (numa comunidade vizinha) que possui o certificado de comercialização do mel. Já a conversa com o senhor Genuíno é sobre o melhoramento das pastagens e nutrição das bezerras, visando melhorar a qualidade das futuras matrizes leiteiras. Enquanto que na família Valeriano, as orientações ocorrem sobre a diversidade das culturas presentes no espaço da horta e pomar.
De acordo com Dácio Haubert, este projeto dá sustentabilidade aos agricultores, contribuindo na organização da produção e comercialização, promovendo a qualidade de vida. “Pretendemos organizar os agricultores, para que eles tenham renda, vivam melhor e não precisem sair do campo, como aconteceu em outros tempos,” declara o dirigente.
Texto produzido pelo estudante de jornalismo, Eder Borba, sob supervisão de Ana Carolina Caldas.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Ana Carolina Caldas