Com a participação de cerca de 400 artistas, historiadores e críticos de arte, a capital cubana volta, mais uma vez, a se tornar sede da 15ª Bienal de Havana, o mais importante evento de arte contemporânea da América Latina e do Caribe, que este ano comemora o 40º aniversário desde sua primeira edição.
Organizada pelo Centro de Arte Contemporáneo Wifredo Lam, a Bienal de Havana tem como objetivo promover a produção artística e teórica, além de contribuir para a pesquisa e a divulgação da arte da Ásia, África, Oriente Médio, América Latina e Caribe.
Este ano, sob o slogan “Horizontes Compartilhados”, centenas de exposições, instalações e palestras serão exibidas até 28 de fevereiro de 2025. Paralelamente, o evento apresenta uma série de palestras e seminários intitulados “ O giro decolonial: um novo desafio para a arte e as ciências sociais”.
Durante a abertura, o diretor do evento, Nelson Ramírez de Arellano, afirmou que a Bienal de Havana é “a primeira bienal latino-americana que mostrou arte de áreas que não eram interessantes para os centros de poder”, caracterizando o encontro como um “evento a meio caminho entre uma bienal de arte de acordo com os códigos internacionais e um festival de artes”.
Assim como os diversos festivais realizados na ilha, a Bienal tem uma finalidade “não comercial”, sob a filosofia de que o acesso à arte é um direito de todo o povo. As exposições são realizadas em museus, gratuitamente, assim como nas ruas e em espaços “não convencionais”, para que a população tenha acesso às diferentes mostras.
Em meio a uma grave crise no país, que sofreu dois furacões no último mês, nas palavras de seus organizadores, o evento tem como objetivo mostrar “a capacidade da arte de levar esperança às pessoas”.
A cultura é a única coisa que pode nos salvar
Em entrevista ao Brasil de Fato, o caricaturista e pintor cubano Arístides Esteban Hernández Guerrero, mais conhecido como Ares, afirma que, apesar das dificuldades que a ilha atravessa, a Bienal é a prova de que “Cuba continua entendendo que a cultura é um aspecto fundamental da luta pela emancipação humana”.
“A Bienal, como todos os eventos que acontecem aqui, mostra que, apesar de todas as dificuldades, há uma vontade governamental de continuar promovendo as artes e de estimular o consumo e a produção artística. Por esse motivo, ela também recebe muitos ataques. As portas dos museus estão abertas de graça, o público vem e participa das coisas que são feitas aqui. Então, demonstra isso, uma vontade governamental em relação à criação artística, à promoção do melhor da arte, não apenas cubana, mas também internacional. Isso é muito interessante e tem a ver com o conteúdo político da sociedade ou com as características da sociedade cubana”, afirma.
Ares foi homenageado em Cuba com a Distinção à Cultura Nacional e o Prêmio Nacional de Humor pelo trabalho de sua vida, e foi indicado pela Witty World International Cartoon Magazine para figurar na lista dos melhores cartunistas do mundo.
A abertura da Bienal para as ruas e espaços públicos é, em sua opinião, um dos aspectos mais importantes do evento, pois “abre possibilidades para a apreciação de pessoas que não são ‘conhecedoras’ de arte”. Com um forte teor de crítica social, o trabalho de Ares é uma forma de reflexão e debate político. Ele afirma que um país só pode ser salvo se promover a cultura.
“A cultura é a única coisa que pode nos salvar. E acho que continua sendo promovida, continua sendo feito todo o possível pela cultura. Apesar de tudo o que possa acontecer, furacões e bloqueios que estamos enfrentando”.
Toda a “latino-americanidade” reunida em uma ilha
Taina Villalobos Fischer é uma das dezenas de jovens artistas que participam da Bienal. Chilena de nascimento, ela se define como “transandina e latino-americana”.
Desde 2022, Taina vem investigando as diferentes conexões entre as gírias dos diferentes territórios de Abya Yala (América Latina), as linguagens populares em comum além das fronteiras. Esta pesquisa é apresentada nesta Bienal por meio de diferentes esculturas em sua exposição “Lengua Común, archivo de la jerga latinoamericana y del Caribe” (Língua Comum, arquivo da gíria latino-americana e do Caribe).
“É incrível quando você vem do continente, chega a Cuba e percebe que toda a “latino-americanidade” está reunida em uma única ilha. É muito interessante saber que todas essas pessoas se reúnem aqui”, conta ao Brasil de Fato.
“Meu projeto de pesquisa tem origem na emoção que sinto ao sentir que há algo que nos conecta, um tecido invisível que faz com que as línguas resistam. E é incrível estar aqui e poder ver tantos artistas de origem africana e perceber que muitas dessas resistências, do que somos, ainda estão tão fortemente ligadas à África. Como, apesar das histórias do colonialismo, nossos povos conseguem salvaguardar memórias, identidades e resistências".
Como parte do bloqueio sofrido por Cuba, nos últimos anos, as campanhas contra a Bienal de Havana se intensificaram. Fechando obras ou não permitindo que artistas de destaque exponham em ambientes artísticos nos Estados Unidos, no caso da participação na Bienal de Havana.
Enquanto a maioria das exposições internacionais de arte está se tornando cada vez mais eventos puramente comerciais, Taina enfatiza que o espírito da Bienal de Havana continua focado no conteúdo de contestação da arte.
“Muitas vezes, as artes visuais andam de mãos dadas com pessoas com muito dinheiro ou grandes empresas. E isso não combina com minha perspectiva do que é arte e do que quero fazer com meu trabalho. Foi também por isso que decidi vir e apoiar a bienal. Sabendo que há muitas tentativas de boicote, para mim é importante fazer parte da Bienal e dizer que é um evento importante que precisa continuar. Um evento que é uma base para os povos do Sul, para os povos do terceiro mundo e para os artistas do terceiro mundo".
Edição: Douglas Matos