Após os últimos desdobramentos político-jurídicos envolvendo a figura do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), cientistas políticos ouvidos pelo Brasil de Fato avaliam que o ex-capitão está cada dia mais distante de conseguir reverter sua condição de inelegível e concorrer ao pleito de 2026. Os analistas enxergam na figura do ex-presidente um líder político cuja situação não pode ser avaliada sem a observação de um conjunto de fatores, como a relação entre os três Poderes, os resultados eleitorais de 2024 e as possíveis projeções para o pleito de 2026.
"Acho que a chance de Bolsonaro concorrer em 2026 é próxima de zero. Diferentemente do que aconteceu com Lula, que foi condenado pela Justiça comum, os problemas de Bolsonaro são no Supremo Tribunal Federal (STF), ou seja, não há para quem recorrer", lembra, por exemplo, Leonardo Barreto, doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB). Ele pontua, no entanto, que o ex-capitão tende a manter alguma força política que o permita exercer influência no próximo pleito.
"Acho que ele continuará sendo o principal eleitor, no sentido de que o apoio dele viabiliza alguém eleitoralmente, influenciando entre 20 e 25% dos votos, porque a maior parte dos bolsonaristas não acredita que esse julgamento seja justo. Assim, a aura do Bolsonaro junto ao seu público tende a se conservar. O apoio do Bolsonaro mais a rejeição ao PT ainda são as principais forças da direita para 2026", analisa Barreto.
Para o cientista político, apesar disso, o agravamento dos problemas em torno da figura do ex-presidente exigirá de seus apoiadores uma revisão da relação com Bolsonaro.
A fotografia do cenário atual inclui diferentes elementos ligados direta ou indiretamente ao ex-capitão. Além dos variados inquéritos em que o ex-presidente é citado e investigado no STF, os acontecimentos que se sucederam nos últimos dez dias tornaram mais derrapante a jornada política de Bolsonaro. O primeiro deles foi o atentado de Francisco Wanderley Luiz, o homem-bomba, à Corte no último dia 13. Apoiador fanático do ex-presidente, Luiz veio a óbito no local e sua iniciativa desencadeou um conjunto de outras ações que despontaram nos holofotes políticos, com realce para o indiciamento de Bolsonaro e 36 aliados pela Polícia Federal na última quinta (21).
Os últimos fatos têm como pano de fundo os constantes e massivos ataques alimentados por bolsonaristas desde anos anteriores contra o STF, especialmente contra o ministro Alexandre de Moraes, titular de diferentes inquéritos que miram personagens da extrema direita. Diante desse caldo, Leonardo Barreto avalia que o futuro de Bolsonaro tende a ser distinto de outras histórias de que o Brasil já foi palco.
"Fazendo um paralelo entre a prisão do Lula e a [eventual] prisão do Bolsonaro – e eu acho que esse paralelo é útil –, quando o Lula foi para a cadeia, de certa maneira, a esquerda foi pra cadeia com ele. Nenhum outro nome surgiu, ninguém defendeu uma candidatura alternativa. Pelo contrário, o PT se manteve 100% fiel e o lugar do Lula ficou reservado, ninguém sentou na cadeira dele. Se o Bolsonaro for preso, acho que isso não vai acontecer."
O panorama da política nacional conta atualmente com diferentes nomes que, por terem algum grau de influência, podem render chapas eleitorais para o segmento da direita em 2026, com destaque para a figura do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ligado a Bolsonaro. O influencer e outsider Pablo Marçal e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), também podem entrar no páreo.
"A centro-direita e a direita mesmo já têm vários candidatos ao lugar do Bolsonaro. Esse pessoal vai continuar colocando Bolsonaro na condição de injustiçado, etc., mas ninguém vai atuar seriamente para libertá-lo ou para restabelecer os direitos políticos dele. Isso não vai ser uma agenda. Num determinado momento, o PT até abandonou o trabalho político-parlamentar dele pra se concentrar na reabilitação do Lula. Não vejo a menor chande de isso acontecer com o Bolsonaro", reforça Barreto.
"Incertezas"
Para o cientista político Danilo Morais, doutorando da Universidade de Brasília (Unb), a elegibilidade de Bolsonaro em 2026 é uma chance "cada vez mais remota", mas que ainda assim não pode ser desconsiderada. O analista vê um "quadro de incertezas jurídicas" em relação à questão por conta de elementos políticos. Ele acrescenta que a eventual prisão do líder da extrema direita não aprisionaria nem teria a capacidade de sepultar o movimento que ele representa. Para Morais, por conta das características que marcam a relação entre os Poderes e a relação entre o STF e a sociedade brasileira, a saga de Bolsonaro dependerá também dos próximos capítulos do xadrez da política nacional.
"Bolsonaro é uma externalidade negativa, um produto do establishment que ele tanto deplora. O populismo extremista é uma espécie de filho bastardo da ordem neoliberal. E o bolsonarismo tem dois vetores fundamentais de fortalecimento: o eventual fracasso do governo Lula, especialmente na agenda econômica; e a oposição a Bolsonaro e sua vitimização pelo establishment. Essas forças colocam o bolsonarismo como movimento, sim, como uma alternativa de poder para 2026, ainda que sem Bolsonaro. A advertência mais evidente disso que estamos falando é olhar para o retorno de Donald Trump nos Estados Unidos", examina.
Já para a pesquisadora Grazielle Albuquerque, doutora em Ciência Política pela Universidade de Campinas (Unicamp), ainda seria cedo para projetar 2026. "O que dá para saber agora é que, apesar dos fatos atuais mirando uma ala bolsonarista e uma ala militar significativa, a gente viu uma demonstração, na eleição de 2024, de que houve um aumento na direita, e não necessariamente a direita bolsonarista. Então, um avanço contra o STF ou um avanço de forças de direita deslocadas do bolsonarismo pode ocorrer em 2026, independentemente dos fatos revelados esta semana", esquadrinha.
Em outubro, PSD e MDB, ambos ligados à tradicional direita liberal do Brasil, foram as siglas que mais elegeram prefeitos em capitais, que geralmente concentram os maiores colégios eleitorais. Cada uma das siglas vai administrar cinco das 26 capitais a partir de 2025. Na contagem geral, ou seja, considerando todos os municípios do país, o PSD conquistou 891 prefeituras, enquanto o MDB ficou com 864. Na sequência, vêm PP (752), União Brasil (591) e PL (517), sendo esta última a legenda de Bolsonaro.
"O que a eleição de 2024 mostrou é que o avanço da direita não foi em bloco único. Houve uma divisão dentro desse grupo. Isso significa que os fatos que aconteceram agora não pegam todo o espectro, ou seja, você pode ter um cenário em 2026 que se contraponha ao Judiciário, por exemplo, e não necessariamente seja de um grupo ligado aos ataques ou tentativas de ataque revelados agora", reforça Grazielle.
Colcha de retalhos
Morais menciona outros elementos que circundam o jogo no entorno de Bolsonaro e do STF. O pesquisador interpreta que há no Brasil, desde os últimos anos, um contexto de "anormalidade das instituições" que não só é alimentado, entre outras coisas, pelo fenômeno do bolsonarismo como também respinga na situação político-jurídica do ex-capitão e na sua luta constante contra a democracia.
Ele cita a conexão entre o contexto atual de Bolsonaro e elementos como: a captura do orçamento público pelo Legislativo; a postura do presidente do Banco Central (BC) no sentido de não se limitar à política monetária, "opinando abertamente na política fiscal e mesmo em propostas como a PEC do fim da escala 6x1"; o fato de o presidente da República ter chegado a recorrer ao STF para pleitear decisões que o permitissem governar, "quando esse recurso geralmente é feito pela oposição, na esteira da função contramajoritária"; e o fato de o STF, em certos momentos, determinar políticas públicas e estabelecer regras que seriam próprias de uma legislação por conta da inoperância do Congresso em relação a determinados temas.
"O resultado desse tensionamento deve ser uma campanha muito acirrada pelo domínio do Senado na próxima eleição para tentar reenquadrar o Supremo e, de certo modo, escalar essa crise. Não sabemos onde isso termina. É absolutamente imponderável", sublinha.
Uma das principais trincheiras de luta da ala bolsonarista no Congresso Nacional tem sido a tentativa de aprovação de impeachment de ministros do STF. Na busca por uma concretização do plano, o segmento tem se articulado para conquistar mais vagas no Senado em 2026, quando o país deverá renovar 54 das 81 cadeiras da Casa.
"A chance de prisão [de Bolsonaro] é, evidentemente, concreta. Mas perceba que o próprio STF, percebendo que está se movendo no terreno imponderável do terreno político, de certo modo, ele hesita e retarda essa prisão, agindo de uma forma ora cautelosa, ora mais intrusiva. A anistia como uma pauta do bolsonarismo se enfraqueceu neste momento, mas, obviamente, como um produto da conjuntura política, ela também não pode ser descartada", avalia Danilo Morais.
Edição: Nicolau Soares