O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começou o ano sendo cobrado por agentes do mercado financeiro por um equilíbrio entre despesas e receitas. Naquela época, criou-se um temor de que o chamado “déficit zero” causaria cortes de gastos da União.
Na sexta-feira (22), o Ministério do Planejamento divulgou mais um balanço das contas públicas federais de 2024. Deixou claro no documento que, em 2024, a meta fiscal será cumprida sem a necessidade contingenciamentos, temidos por movimentos populares.
Isso não quer dizer, entretanto, que não haverá corte de despesas. Eles acontecerão, sim. Motivados, porém, por limites de gastos idealizados pelo próprio governo ao elaborar o arcabouço fiscal, regra que substituiu o antigo teto de gastos.
Só neste ano, segundo o Planejamento, R$ 19,3 em despesas precisarão ser cortadas. Até agosto, o valor era 13,3 bilhões. Também na sexta, o governo anunciou o bloqueio de mais R$ 6 bilhões. Tudo por conta do arcabouço.
O arcabouço fiscal foi elaborado pela equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). Ele prevê que o gasto do governo cresça sempre menos do que a arrecadação federal para o cumprimento de metas fiscais cada vez mais rígidas e que miram o superávit –ou seja, momento em que o governo gasta menos que arrecada. A proporção é que a despesa tenha crescimento de até 70% da receita.
Acontece que, mesmo quando as metas fiscais estão sendo cumpridas, como agora, há limites para a expansão do gasto. Isso significa que, por mais que o governo aumente suas receitas, não pode aumentar seus gastos indefinidamente pois há um teto para isso.
O arcabouço deixa claro que o aumento das despesas não pode superar os 2,5% ao ano, além da inflação, independentemente das receitas.
Para 2024, essa regra determina que o gasto não pode superar R$ 2,105 trilhões. E, apesar do governo estar arrecadando para gastar mais que isso, ele não pode fazê-lo, segundo o próprio ministro Haddad explicou na quinta-feira (21), à noite.
“A receita está correspondendo às nossas expectativas. Do ponto de vista da meta fiscal [déficit zero], estamos reafirmando que não haverá alteração”, disse ele, lembrando que vários economistas e analistas previam o contrário.
Até agosto, considerando só a meta de déficit zero, o governo não precisaria cortar nenhum gasto. Na sexta-feira, esse prognóstico foi ratificado.
Limite autoimposto
O economista Pedro Faria acredita que o limite imposto pelo arcabouço fiscal aos gastos públicos foi resultado de erro de cálculo político do governo. No início do terceiro mandato de Lula, a equipe de Haddad priorizou a elaboração de um regra para substituir o teto de gastos, que proibia o crescimento do gasto público. Conseguiu uma certa folga com o crescimento de até 2,5% por ano. Não imagina, porém, que esse limite iria se mostrar tão apertado logo no primeiro ano de vigência da regra.
“Meu entendimento é de que se esperava que essa contradição [de limitar o gasto do governo] só apertaria no começo do [eventual] próximo mandato [de Lula], quando o governo poderia ter uma correlação de forças mais favorável [para revisá-lo]”, disse ele.
Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ressaltou que o arcabouço conseguiu regras fiscais melhores que a do teto. Ainda assim, ele também entende que o governo errou em estabelecer limites tão baixos para o crescimento da despesa considerando as necessidades do país.
“O ideal era que o arcabouço tivesse uma regra de transição, autorizando o crescimento de 100% das receitas em seus primeiros anos de vigência e limite de até 3,5%. Com o passar dos anos, isso cairia para 3,25%, depois 3%, chegando aos 2,5%.”
Weiss disse que o limite de 2,5% tem a ver com a expectativa do crescimento econômico para o atual mandato do presidente Lula. Na média, se esperava que a economia crescesse 2,5% ao ano e, portanto, o gasto se mantivesse compatível com isso.
A economia, no entanto, vem crescendo mais. O arcabouço força a despesa a se manter no limite de 2,5%. “Acaba que o crescimento dos gastos fica abaixo do crescimento do PIB [Produto Interno Bruto]”, explicou.
“O problema é que está muito bom”, ratificou Faria. “O arcabouço fiscal foi um compromisso pensado para uma situação bem mais morna.”
Edição: Douglas Matos