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De acusações à carne brasileira a pedido de desculpas: entenda a crise gerada pelo Carrefour

CEO do grupo afirmou que produto do Brasil não seguiria normas sanitárias da União Europeia

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Seção de carnes do Carrefour, em São Paulo - Nelson Almeida/AFP

O presidente-executivo do Carrefour na França, Alexandre Bompard, pediu desculpas ao governo brasileiro por afirmar, sem provas, que a carne importada do Mercosul, do qual o Brasil faz parte, não atende a exigências e normas sanitárias da União Europeia. 

“Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito às normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpa”, diz trecho do documento enviado nesta terça-feira (26) ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). 

Na semana passada, Bompard apresentou uma carta a agricultores franceses contrários ao acordo comercial entre União Europeia e Mercosul que pode facilitar a importação de produtos brasileiros e de outros países da América do Sul. 

O representante da empresa se comprometeu a não comprar carnes dos países do Mercosul e falou em “risco de inundação do mercado francês com carne que não atende às suas exigências e normas", sem, no entanto, apresentar provas. A declaração, feita em 20 de novembro, fez com que frigoríferos brasileiros deixassem de fornecer carne para o Carrefour desde o fim de semana e instalou uma onda de insatisfação entre autoridades. 

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, afirmou que a fala de Bompard “afrontou a qualidade da carne brasileira”.

"A questão é a seguinte: se é para ter um protecionismo dos produtores franceses, por parte da companhia, tudo certo. Eles podem comprar de quem eles quiserem. O problema é que afrontou a qualidade da carne brasileira. Isso nós não podemos admitir”, disse em entrevista à TV Globo. 

"O Brasil tem o melhor sistema sanitário do mundo. Só para você ter uma noção, é um dos dois únicos países que não tem gripe aviária. Graças à força de um sistema muito rigoroso de controle sanitário. Então, atentar contra a qualidade sanitária das carnes brasileiras é algo que nós não vamos admitir". 

"Se a carne brasileira não pode ser colocada na gôndola deste supermercado na França, também não deve ser colocada na gôndola desse supermercado aqui no Brasil", completou Fávaro. 

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), também se manifestou sobre o caso. O parlamentar afirmou que pautará o Projeto de Lei 1.406 de 2024, que prevê acordos comerciais somente com países que têm regras ambientais parecidas com as normas do Brasil.  

“Nos incomoda muito o protecionismo europeu, principalmente da França com o Brasil. E deverá ter nesta semana, por parte do Congresso Nacional, em sua pauta, a lei da reciprocidade econômica entre os países”, declarou Lira em discurso na abertura do Global Voices, promovido pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). 

“O Brasil, o Congresso Nacional, os empresários e a população têm que dar uma resposta clara para que esse protecionismo exagerado, sobretudo da França, [para que] não seja motivo de injusto protecionismo contra interesses de quem protege [o meio ambiente] debaixo da lei mais rígida com nosso código brasileiro florestal”, disse o parlamentar. 

Dados do Ministério da Agricultura mostram que a França não está entre os principais compradores da carne brasileira. O principal importador é a China, que comprou US$ 4,8 bilhões entre janeiro e outubro deste ano, seguida por Estados Unidos (US$ 1,026 bilhão) e Emirados Árabes Unidos (US$ 568 milhões). No mesmo período, a França gastou apenas US$ 1,4 milhão. 

Depois do imbróglio causado pelo CEO do Carrefour, a embaixada da França em Brasília intermediou uma retratação pública, que culminou no pedido de desculpas feito por Bompard nesta terça-feira (26). 

Leia na íntegra o pedido de desculpas 

Ao Excelentíssimo Ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil, 

Senhor Carlos Fávaro, 

A declaração de apoio do Carrefour França aos produtores agrícolas franceses causou discordâncias no Brasil. Como Diretor-Presidente do Grupo Carrefour e amigo de longa data do país, venho, respeitosamente, esclarecê-la. 

O Carrefour é um grupo descentralizado e enraizado em cada país onde está presente, francês na França e brasileiro no Brasil. 

Na França, o Carrefour é o primeiro parceiro da agricultura francesa: compramos quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades na França, e assim seguiremos fazendo. A decisão do Carrefour França não teve como objetivo mudar as regras de um mercado amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais, que segue as preferências regionais de nossos clientes. Com essa decisão, quisemos assegurar aos agricultores franceses, que atravessam uma grave crise, a perenidade do nosso apoio e das nossas compras locais. 

Do outro lado do Atlântico, no Brasil, compramos dos produtores brasileiros quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades, e seguiremos fazendo assim. São os mesmos valores de criar raízes e parceria que inspiram há 50 anos nossa relação com o setor agropecuário brasileiro, cujo profissionalismo, cuidado à terra e produtores conhecemos. 

O Grupo Carrefour Brasil é profundamente brasileiro, com mais de 130.000 colaboradores, se desenvolveu e continua se desenvolvendo sob minha presidência em parceria com produtores e fornecedores do Brasil, valorizando o trabalho do setor produtivo e sempre em benefício de nossos clientes. Nos últimos anos, o Grupo Carrefour Brasil acelerou seu desenvolvimento, dobrando tanto o volume de seus investimentos no país quanto suas compras da agricultura brasileira. 

Mais amplamente, o Brasil é o país em que o Carrefour mais investiu sob minha presidência, o que confirma nossa ambição e nosso comprometimento com o país. Assim seguiremos prestigiando a produção e os atores locais e fomentando a economia do Brasil. 

Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito ás normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas. 

O Carrefour está empenhado em trabalhar, na França e no Brasil, em prol de uma agricultura próspera, seguindo nosso propósito pela transição alimentar para todos. Asseguro, Senhor Ministro, nosso compromisso de longo prazo ao lado da agricultura e dos produtores brasileiros. 

Aproveito a oportunidade para renovar os protestos de estima e consideração. 

Atenciosamente, 

Alexandre Bompard Diretor-Presidente do Grupo Carrefour 

Edição: Nathallia Fonseca