O Brasil, nessas últimas décadas, tem se encontrado com sua história
Um milhão de livros vendidos, musical com temporada lotada e segundo prêmio de melhor romance do ano. Em pouco mais de uma semana, Itamar Vieira Junior experimentou três conquistas raras para um escritor brasileiro, especialmente negro.
O autor baiano levou o Jabuti, mais uma vez, com seu segundo romance, Salvar o Fogo, segunda parte da trilogia que iniciou com Torto Arado, obra que também venceu o prêmio de literatura, em 2020, e este ano estreou nos palcos com musical de mesmo nome.
A peça já tinha passado por uma temporada em Salvador, e, no último 20 de novembro, chegou a São Paulo com ingressos esgotados logo na abertura.
Pouco antes de tudo isso, Todavia, a editora em que o escritor publicou suas últimas quatro obras (Torto Arado, Doramar ou a Odisseia, Chupim e Salvar o Fogo), anunciou que já foram mais de um milhão de exemplares vendidos do autor.
Itamar Vieira celebra as conquistas pessoais, mas atribui os feitos às “mudanças que o Brasil viveu nas últimas décadas”.
“A literatura estava restrita a um pequeno grupo, durante muito tempo esteve restrita a basicamente ao eixo Rio-São Paulo, escrevendo sobre suas vidas, sobre suas identidades, suas trajetórias, e agora acho que ela se torna mais diversa”, comenta em entrevista ao programa Bem Viver desta quarta-feira (27).
O escritor cita, por exemplo, o sistema de cotas, que tem possibilitado tanto a formação de escritores como leitores negros e indígenas.
“O Brasil, nessas últimas décadas, tem se encontrado com sua história, e isso tem permitido que a gente celebre as nossas origens.”
Embora entusiasmado com as mudanças citadas, o autor lembra que “toda mudança enseja reações contrárias.”
“Vejo o que acontece agora, por exemplo. O Brasil passou por um período de prosperidade, de progresso de mudanças sociais importantes e aí veio uma onda retrógrada que nos lançou num regime que poderia ter descambado para algo pior”, citando as revelações dos últimos dias sobre a trama golpista arquiteta pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e altos membros das Forças Armadas.
Geógrafo de formação com doutorado na área, Itamar Viera acompanha de perto as políticas para o campo do governo federal.
“Eu não chamaria de decepção. Eu acho que pelo contexto e pelo que temos vivido já era esperado, né? Temos um presidente que é aberto ao diálogo e eu tenho certeza que, pela vontade pessoal dele, pelo que ele pensa, muita coisa poderia já ter avançado. Mas à mesma medida, temos um Congresso profundamente conservador.”
Mesmo diante da constatação, o escritor cobra: “Estamos aguardando a reforma agrária”.
“Não dá pra pensar Brasil sem a reforma agrária, não dá para pensar a segurança alimentar, não dá para pensar na redução da fome no país, se não se investe na ponta, se não se investe na reforma agrária.”
“Então esse é um tema, eu sempre digo, que nunca envelhece. Se o Brasil pretende ser um país mais equânime, um país mais justo para seus cidadãos, reforma agrária é um tema que não envelhece, ele continua absolutamente atual e a gente vai precisar ter um foco muito grande nisso nos próximos anos, porque senão vamos enxugar gelo, vamos dar vez e voz a esses que de alguma maneira ainda continuam atravancando o nosso caminho.”
Confira a entrevista na íntegra
Como tem sido a sua recepção sobre o musical Torto Arado?
É curioso porque tem uma adaptação que já circula dois anos no exterior e não circulou no Brasil, que é a adaptação da Cristiane Jataí, um espetáculo nomeado Depois do Silêncio, que é baseado em Torto Arado e Cabra Marcado para Morrer, do Eduardo Coutinho.
Mas, há três anos, havia esse contrato com a produtora do musical, eu não sabia que seria um musical, porque naquele momento eles adquiriram um direito para a dramaturgia.
E só este ano que eu tive notícias que seria um musical. Por conta da minha agenda, eu não pude acompanhar ensaios, no máximo eu pude ler o texto dramatúrgico, mas ler o texto não é a mesma coisa que ver.
É um musical muito bem realizado, muito bem cuidado, que celebra o Brasil, celebra as vidas negras, celebra a nossa história, fala dos nossos problemas, mas, sobretudo, acho que nos dá um sentimento de esperança.
Eu posso falar sem nenhum pudor, porque eu não tenho participação na produção do espetáculo.
Dos últimos cinco vencedores do Premio Jabuti de melhor romance do ano, três são negros, o senhor duas vezes e Jeferson Tenório. Esta estatística é inédita na histórica da premiação. A que se deve?
É difícil falar sobre isso, mas para falar sobre isso a gente precisa pensar nas mudanças que o Brasil viveu nas últimas décadas. E eu acho que foram mudanças positivas, apesar de tudo, apesar das coisas que nos atravessaram, e que a gente continua a descobrir coisas.
Mas o Brasil, nessas últimas décadas, tem se encontrado com sua história, e isso tem permitido que a gente celebre as nossas origens.
Isso não era celebrado da maneira que é celebrada antes.
A literatura estava restrita a um pequeno grupo, durante muito tempo esteve restrita a um pequeno grupo, basicamente do eixo Rio-São Paulo, escrevendo sobre suas vidas, sobre suas identidades, suas trajetórias, e agora acho que ela se torna mais diversa.
A gente tem autores do Norte, autores do Nordeste, autores negros, autores indígenas, todos esses, com essa oportunidade de publicar e são eles, felizmente, que têm trazido leitores para a literatura brasileira.
Há muito tempo a literatura brasileira não vendia tanto como vende agora. E Isso também reflete um paradigma, uma mudança social. É o sistema de cotas que cria um corpo de leitores que quer se ver representado nas histórias, que quer se sentir representado nas pessoas que escrevem.
Isso não quer dizer que nós também não sejamos questionados. Todo momento quem está aí já estabelecido na literatura questiona o que fazemos, somos acusados de fazer literatura identitária, etc.
Mas acho que essa disputa de narrativa é natural, toda mudança enseja reações contrárias.
Vejo o que acontece agora, por exemplo. O Brasil passou por um período de prosperidade, de progresso de mudanças sociais importantes e aí veio uma onda retrógrada que nos lançou num regime que poderia ter descambado para algo pior.
Como o senhor avalia o avanço da reforma agrária na atual gestão? O MST e outros movimentos do campo vêm cobrando o governo. O senhor chamaria de decepção o que foi apresentado até agora?
Eu não chamaria de decepção. Eu acho que, pelo contexto e pelo que temos vivido, já era esperado, né? Temos um presidente que é aberto ao diálogo e eu tenho certeza que pela vontade pessoal dele, pelo que ele pensa, muita coisa poderia já ter avançado.
Mas, à mesma medida, temos um Congresso profundamente conservador e, bom, todos esses eventos que têm vindo à luz nos últimos dias mostram que é preciso ter cuidado, preciso ter parcimônia.
Mas, é claro, o Brasil continua ainda assassinando lideranças camponesas, ambientalistas, existem inúmeros conflitos de Norte a Sul do país.
É urgente se tratar da questão da terra e do território e o governo não tem feito isso da maneira que esperávamos
Estamos aguardando reforma agrária. Não dá para pensar Brasil sem a reforma agrária, não dá para pensar a segurança alimentar, não dá para pensar na redução da fome no país, se não se investe na ponta, se não se investe na reforma agrária.
Porque, como já diria a grande Maria da Conceição Tavares, nós não comemos PIB [Produto Interno Bruto], a gente come alimento, comida, e o grande latifundiário não fornece alimento para a população.
Então esse é um tema, eu sempre digo, que nunca envelhece. Se o Brasil pretende ser um país mais equânime, um país mais justo para seus cidadãos, reforma agrária é um tema que não envelhece, ele continua absolutamente atual e a gente vai precisar ter um foco muito grande nisso nos próximos anos, porque senão vamos enxugar gelo, vamos dar vez e voz a esses que, de alguma maneira, ainda continuam atravancando o nosso caminho.
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Edição: Martina Medina