Os processos políticos de levantes militares contra a colonização francesa dos países africanos da região do Sahel, composta por dez países: Senegal, Etiópia, Níger, Mali, Mauritânia, Burkina Faso, Djibouti, Sudão, Eritréia e Chade foi tema do quarto episódio de O Estrangeiro, podcast semanal de política internacional do Brasil de Fato.
Com participação de Stephanie Brito, analista política da Assembleia Internacional dos Povos, e Pedro Stropasolas, repórter do BdF enviado ao Níger na semana passada, os apresentadores Lucas Estanislau e Rodrigo Durão conversaram sobre o controle da França mesmo após a independência dos Estados da região.
O país europeu foi o principal colonizador da região, que alcançou a independencia - ao menos em tese - na década de 1960. "A França manteve um controle muito forte na economia desses países, a ponto de muitos deles ainda terem uma moeda francesa (o CFA) uma moeda controlada pelo Banco Central francês, e também na questão política e militar", elucidou Stephanie Brito.
A analista explica que "os povos do Sahel têm sofrido muito com esse processo de violência de terrorismo, e eles acreditam que a França tem um papel determinante em estimular esse tipo de desestabilização, porque é um mecanismo para manter o controle francês na região".
Esse controle é feito através da permanência francesa não apenas na economia dos países, que sequer possuem o direito de ter uma moeda local própria, como também com a presença de bases militares francesas no território. "Nos países que são ex-colônias francesas, há um descontentamento geral com a presença francesa que se mantém nesses países. É algo que está na base da população."
"Antes do golpe nesses países [Líbia e Níger], já houve muita mobilização popular contra a presença francesa, especificamente contra a presença das bases militares francesas", acrescentou Brito.
O controle político que a França exerceu, e ainda tenta exercer, nesses países é muito diferente da forma como se deu a descolonização de outras colônias do mundo. "Houve um controle muito mais rígido das organizações políticas e das ações do exército", pontuou a analista.
Sobre a atuação das milícias islâmicas nos países, a analista esclarece que "a religião nunca foi um problema nos países. Eles nunca tiveram violência de caráter religioso, e isso foi um fator trazido depois do golpe que aconteceu contra o [Muammar] Kaddafi [na Líbia]".
A França "não só não estava ajudando a fazer esse enfrentamento contra as milícias islâmicas, como estava estimulando as ações delas". "Houve um processo que continuou depois da descolonização, de criar mecanismos para dividir a sociedade, para criar uma desestabilização social", argumentou Brito.
A convidada explicou que as "milícias islâmicas não surgem do nada, sempre tem alguém por trás financiando, com um objetivo político específico". E esse incentivo ao início de uma violência religiosa por parte das milícias que surgiram nos países do Sahel fazia parte do plano francês de manter a dependência da região e exploração das riquezas. "E de ter uma justificativa para a presença francesa e americana nos seus países".
Levante preocupa França e EUA
Stephanie Brito e Pedro Stropasolas estiveram na capital do Níger, Niamei, para a Conferência Internacional de Solidariedade aos Povos de Sahel, que reuniu 30 países e cerca de duas mil pessoas de todo o mundo.
A reunião foi organizada por dois movimentos populares africanos: a Panafricanism Today e a Organização dos Países da África do Oeste (OPAO) e tinha como principais objetivos fazer todos os povos do mundo conhecerem as lutas patrióticas do Sahel; dar confiança ao povo do Níger, Burkina Faso e Mali, nas lutas anticoloniais e anti-França; fazer com que os outros países da região africana sigam o mesmo caminho de libertação da África.
Por conta da exploração francesa persistente, os dez países que compõem o Sahel são extremamente pobres, e figuram nos últimos lugares da lista de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), apesar de serem abundante em riquezas naturais.
A analista política informou que "o levante nesses países é muito preocupante para a França e para os Estados Unidos. Porque não só se consolidaram três golpes populares [Níger, Mali e Burkina Faso], como esses países também formaram uma aliança de estados do Sahel, em que o primeiro objetivo é um pacto militar para terminar com o problema da violência das milícias. Mas eles também têm uma agenda política e econômica de independência, de soberania dos povos. E ela tem a capacidade de se expandir para outros países do continente".
"A situação de pobreza e subdesenvolvimento nesses países é inacreditável. É uma questão muito difícil para a França explicar e justificar para o mundo e para esses povos o controle da região insistente da região", acrescentou Brito.
A reação imperialista da França e EUA sobre os países africanos não têm ficado por baixo, segundo a analista geopolítica. "A reação tá sendo uma guerra econômica, esses países estão sendo sancionados por esses dois países. [Também existe uma] guerra diplomática, eles não estão sendo reconhecidos pelos governos, pela ONU. [Uma] guerra monetária, eles têm uma debilidade de fazer suas próprias transações, visto que usam a moeda francesa", completou Brito.
O podcast O Estrangeiro é apresentado por Lucas Estanislau e Rodrigo Durão ao vivo toda quinta-feira às 12 horas.
Edição: Rodrigo Durão Coelho