37 indiciados

Inquérito do golpe falha ao não afrontar financiadores, diz cientista social; ouça

Em entrevista ao podcast Três por Quatro, Suzeley Mathias observa tendência de foco em supostas 'maçãs podres'

Documento mostra a faceta agrária por trás da tentativa de golpe de 8 de janeiro - Caio de Freitas Paes
A participação das forças armadas no processo político brasileiro é permanente

O relatório da Polícia Federal (PF) sobre o suposto plano de golpe de Jair Bolsonaro (PL) e aliados foi o principal tema do debate político no Brasil nesta semana. O indiciamento de militares de alta patente surpreendeu a cientista social Suzeley Kalil Mathias, professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Ela, porém, apontou falhas no inquérito, que foca em supostas "maçãs podres".

A professora participou como convidada do Três por Quatro, podcast de política do Brasil de Fato. Apresentado por Nara Lacerda e Igor Carvalho, com comentários da economista Juliane Furno, o programa dedicou a edição desta sexta-feira (29) à trama golpista apontada pela PF, com indiciamento de 37 supostos envolvidos – entre eles o próprio Bolsonaro.

"Nós temos que lembrar que a participação das Forças Armadas no processo político brasileiro é permanente. Nós nascemos enquanto República com um golpe militar, a gente não pode esquecer disso. Assim como também são recorrentes na história do Brasil as tentativas de assassinato de presidentes, de vice-presidentes, de políticos, de membros de poderes políticos. E o que espanta é ter sido à luz do dia e ter fracassado", disse Mathias.

Para a cientista social, um dos motivos do fracasso da intentona foi não ter havido unanimidade entre a burguesia brasileira em torno do plano. Os militares, segundo Mathias, não fazem parte dessa elite – na verdade, são instrumentos dela. E parte da elite econômica apoiava a trama golpista.

"Nas forças armadas, se identificam as maçãs podres. À classe dominante que está no poder não interessa mostrar os seus instrumentos de poder. O golpe, o financiamento dos quartéis, certamente passaram pela Fiesp", afirmou. "Eu acho que quem financiou foi essa classe que quer permanecer no poder. E quem mais financiou foi o agronegócio, porque é quem tem mais dinheiro para fazer isso. E de maneira mais oculta, que não vai aparecer em nenhum lugar", destaca.

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Juliane Furno, que é professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), considera que o "amadorismo" das Forças Armadas foi fundamental para o insucesso do plano golpista. Ela lembra que a trama teve uma série de "buracos" e "rastros". Entretanto, faltou também respaldo fora da caserna.

"A ausência de apoio internacional, apoio nos setores médios, na imprensa, na própria burguesia brasileira. Não se consuma um golpe, por mais bem assentado em bases sociais que esses setores estejam, sem o apoio dos donos do poder, donos da imprensa, dos donos do poder e dos donos do poder a nível internacional, especialmente os Estados Unidos", avalia.

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.

Edição: Rodrigo Chagas