Eleição de Orsi no Uruguai foi a melhor notícia para governo brasileiro nas relações internacionais
Olá!
O indiciamento dos golpistas, a vitória da esquerda uruguaia e a proposta de ajuste de Haddad trouxeram alento para a esquerda, mas é cedo para os foguetes.
.A caipirinha de Haddad. O ministro da Fazenda iniciou a semana convencido de que não seria derrotado mais uma vez pelo mercado. A carta de exigências, como se sabe, está na mesa há mais de um ano e resume-se a uma única palavra, “cortes” ou “ajuste fiscal”, para quem prefere os eufemismos do mainstream. Mas a semana começou diferente, e daí veio a ideia: por que não fazer uma caipirinha com esse limão? Na política, Haddad calculou que as últimas revelações sobre o golpe jogariam a extrema-direita na defensiva e abririam uma nova oportunidade para o governo pactuar com o centrão um ajuste fiscal mais palatável. E, na economia, a aceleração da inflação entre os mais pobres e a desmoralização da caserna mostrou que os mais ricos e os militares também têm que dar sua cota de sacrifício para o país. Foi assim que Haddad jogou tudo no pilão e amassou. O resultado foi uma proposta de ajuste que tenta cortar pelo topo e pela base ao mesmo tempo, tirando a pecha de que é sempre o povão quem paga a conta sozinho. O objetivo é economizar R$ 70 bilhões nos próximos dois anos. O pacote inclui a imposição de um limite para o aumento anual do salário mínimo de 2,5% acima da reposição inflacionária, redução da faixa do abono salarial de R$ 2.824 para R$ 2.640, ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para até R$ 5 mil, efetivação do teto salarial para os servidores públicos (R$ 44 mil), incluindo aí benefícios que hoje estão fora do cálculo, e reforma do sistema de pensões e aposentadoria dos militares. Como se vê, foi um avanço perto do que o mercado esperava e do exemplo vindo do governo Tarcísio em São Paulo. Porém, considerando o bombardeio do mercado e as chantagens que o centrão fará para aprovar a proposta dentro do Congresso, a dúvida é se o governo terá cacife para sustentar os pontos progressistas até o fim ou se a caipirinha de Haddad será servida sem cachaça, com pouco açúcar e muito limão.
.Viva e respirando. Obviamente, as investigações da PF sobre o golpe e a repercussão detalhada dos planos golpistas de Bolsonaro, Braga Netto e companhia jogaram água no chope de uma direita que não se cansava de comemorar as vitórias nas eleições municipais, a hegemonia do centrão e os ventos trumpistas. Mas a verdade é que a direita não vai acabar, nem mesmo a extrema-direita. No mundo real, o único destino que já parece selado é o de Bolsonaro que, na constatação da PF, “planejou, atuou e teve domínio de forma direta e efetiva de golpe” e, esta deve ser também a linha de interpretação do STF. Mas nem tanta coisa mudou, considerando que a ausência de Bolsonaro do pleito de 2026 já estava plenamente assimilada pela direita, ainda que isso não fosse dito abertamente para não desmobilizar os bolsonaristas fieis. Obviamente, há um vácuo, mas os candidatos à sucessão já estavam com o bloco na rua, inclusive se chocando com o próprio Bolsonaro, como no caso de Ronaldo Caiado e Pablo Marçal. Além disso, é provável que o quadro partidário se mantenha fragmentado e confuso por um tempo, mas o importante para a direita é manter suas ideias na câmara de eco, como se vê pela criação do partido do MBL e pela perigosa abrangência do olavo-bolsonarista Brasil Paralelo. A ausência de uma candidatura forte talvez ainda leve o centrão ao encontro de Lula em 2026, mas isso não significa de forma alguma subordinação. Como se viu na ofensiva conservadora no Congresso esta semana, com projetos de criminalização do MST e ataques ao direito ao aborto. Por isso, o projeto que envia para reserva militares que disputarem cargos políticos até ganhou sobrevida depois das denúncias de golpe, mas não deve ir longe. Assim, parte do freio à extrema-direita continua terceirizado para o STF, que deve retomar a discussão da regulação das redes sociais, arquivado no Congresso por Arthur Lira. Mas, se a convocação da CUT para atos contra a anistia dos golpistas em 10 de dezembro, colocar a esquerda na rua, o cenário pode mudar favoravelmente.
.Norte ou sul? Depois da bem sucedida participação brasileira no G20, a eleição de Yamandú Orsi foi a melhor notícia que o governo brasileiro poderia receber nas relações internacionais. Para a esquerda brasileira, a vitória uruguaia tem lições importantes sobre a retomada do trabalho de base, o enraizamento nas comunidades e a mobilização popular, como destaca o deputado gaúcho Matheus Gomes (PSol). O governo brasileiro ganha um aliado importante para retomar uma agenda de integração regional, dando um oxigênio necessário ao surrado Mercosul. Lula também ganha um reforço para tentar salvar o acordo Mercosul - União Europeia que, na vida real, nunca empolgou nenhum dos dois blocos. Só que, enquanto na França os pequenos agricultores protestam contra o acordo temendo os prejuízos para produtos locais e tradicionais como vinho, queijo e azeite de oliva, no Brasil, os grandes fazendeiros conseguiram a proeza de unir toda a classe política, de Lula a Arthur Lira, passando por Marina Silva, contra a decisão do Carrefour de não comprar carne do Mercosul por falta de adequação sanitária. A França nem é uma das maiores compradoras de carne brasileira, bem distante dos chineses e norte-americanos, mas a comoção patriótica surtiu efeito e o Carrefour recuou. No saldo, o governo viu uma oportunidade de tentar, pela milésima vez, ganhar a simpatia de um setor publicamente bolsonarista e antipetista. O problema é que o Planalto não admite, mas o agronegócio está no centro de outro problema internacional, a questão ambiental. Nesta semana, por exemplo, os ruralistas criticaram a meta de redução de emissão de gases do efeito estufa. Além disso, a última COP não só confirmou que seus acordos são inócuos, como virou território controlado pelo lobby de petroleiras, pelo sistema financeiro e o agronegócio. Ou seja, a COP brasileira nasce com a responsabilidade de virar o jogo ou confirmar o fracasso deste tipo de cúpula.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.Conceitos para explicar a transição hegemônica entre China e EUA. Uma aula sobre a geopolítica contemporânea pelo argentino Claudio Katz. No Brasil de Fato.
.Que tal dessa vez deixarmos o Haiti em paz? O papel desestabilizador das potências e da ONU para impedir a recuperação do Haiti. No Diplô Brasil.
.Eis que tudo se fez novo. Quem são os pastores que desafiam o conservadorismo e abraçam o progressismo a partir do Evangelho. Na Piauí.
.General acusado pela morte de Rubens Paiva recebe salário de R$ 35 mil. Ele ainda está aqui. E impune. No Metrópoles.
.Camboriú, cúmulo da segregação brasileira. Em dados e gráficos, como se desenvolveu a capital brasileira da extrema-direita e da especulação imobiliária. No Outras Palavras.
.Na trilha sonora da mudança social. Existe espaço para a música de contestação e anti-sistêmica dentro da indústria cultural? O escritor Alexander Billet responde em entrevista na Jacobina.
.Itamar Vieira Junior: 'Reforma agrária é um tema que não envelhece'. O premiado escritor analisa a questão agrária hoje e reafirma seu apoio à luta pela terra. No Brasil de Fato.
.Sete cartuns sobre o golpe. Na Piauí, André Dahmer mostra que rir também pode ser um ato político.
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*Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
**Este é um texto de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Rodrigo Chagas