O mês de dezembro é especial na Venezuela. Em uma sociedade em que o Natal dura três meses e molda o dia a dia do venezuelano, a política também é contaminada pelas festas de final de ano e as manifestações de chavistas e opositores ganham decorações natalinas, mesmo em um cenário de tensão. Foi o que aconteceu neste domingo (1), quando esquerda e direita saíram para disputar as ruas faltando pouco mais de 1 mês para a posse de Nicolás Maduro.
De um lado, apoio ao presidente eleito e, do outro, o pedido de mudança e o reforço da ideia de que houve uma fraude eleitoral no país. O lado opositor, no entanto, conseguiu reunir dezenas de pessoas em uma praça no bairro nobre de Caracas em uma mobilização descrita pela imprensa internacional como “decepcionante”. Depois de vários dias sem organizar manifestações, o grupo liderado pela ultraliberal María Corina Machado não conseguiu demonstrar força em um ato esvaziado.
A disputa em torno do resultado das eleições ainda é uma questão levantada pela oposição, mas as lideranças que coordenam esse processo parecem ter abandonado o barco. A ex-deputada até fez a convocação, mas não compareceu. Machado não tem aparecido em público e o governo venezuelano chegou a afirmar que ela estaria na Colômbia. O próprio ex-candidato da Plataforma Unitária, Edmundo González Urrutia, está na Espanha e também não participou do ato.
Restou aos apoiadores tentarem uma mobilização na zona leste da capital venezuelana. O ato tinha dois motes: o pedido de libertação dos presos nas manifestações de 29 de julho e um pedido de mudança do governo. Mas, neste momento, os opositores apostam que a bóia de salvação é o apoio de outros países, como os Estados Unidos.
A diplomacia da Casa Branca, no entanto, enfrenta um dilema interno para resolver com a Venezuela. Segundo o jornal Wall Street Journal, há uma pressão de empresários ligados ao petróleo para que o governo de Donald Trump tenha uma linha de maior flexibilização das sanções contra Caracas. Um deles, segundo o diário, é Harry Sargeant III, um dos principais financiadores do Partido Republicano.
De acordo com o WSJ, ele estaria tentando influenciar o governo de Trump a liberar a compra de petróleo venezuelano e negociar com Maduro um apoio para o controle da migração ilegal. A reportagem do Brasil de Fato esteve no ato da oposição. Mesmo acreditando em uma mudança de governo até 10 de janeiro, muitos dos manifestantes não veem um caminho para isso que não seja pelo apoio internacional.
“Claro que sim, temos que fazer isso [derrubar o governo]. Se não por bem, porque já fizemos isso com o voto, haverão outras medidas para tomar. Estamos dispostos a assumi-las. Nós somos povo, somos maioria, por isso saímos mais de 7 milhões de pessoas para exercer nosso direito. Eu como fiscal eleitoral e nós que trabalhamos nas mesas eleitorais sabemos o que aconteceu em todas as mesas”, disse Matilde Marin, licenciada em administração.
Edmundo González disse na semana passada que está preparado para tomar posse em 10 de janeiro. A declaração, no entanto, teve pouco resultado na mobilização de opositores. Depois dos atos violentos de 29 de julho, o grupo se desmobilizou e viu as lideranças deixarem as ruas e se afastarem daqueles que buscam uma troca no governo.
O presidente Nicolás Maduro criticou a declaração de Edmundo nesta segunda-feira (2). Segundo ele, o ex-embaixador não “foi capaz de ir em uma marcha em Madri”, onde está vivendo. “Até onde vão levar o seu show? Ficará no lixo da história”, disse.
A própria María Corina Machado, que participou de marchas depois das eleições, deixou de lado a mobilização de rua. De um lado, ela afirma estar sendo perseguida pelo governo e impedida de estar nessas manifestações, mas de outro frustra opositores que esperavam a sua presença de alguma forma. Ela chegou a fazer publicações nas redes sociais pedindo a presença de apoiadores no ato, mas não apareceu.
Os opositores também pediram a libertação dos presos nas manifestações violentas de 29 de julho. Com balões e velas, os manifestantes levaram cartazes com nomes de algumas pessoas que supostamente teriam sido presas. A maioria dos manifestantes, no entanto, não conhecia nenhuma das pessoas destacadas nos cartazes.
A eleição de 28 de julho foi marcada não só pela continuidade de Maduro no poder por mais 6 anos, como também por uma grande contestação dos resultados pelos opositores de extrema direita. O grupo liderado por María Corina Machado afirma ter recolhido mais de 80% das cópias das atas eleitorais e sustenta que a soma desses resultados daria a vitória a Edmundo González. Eles, no entanto, não levaram esses documentos à Justiça venezuelana, que investigou o pleito.
Pelo contrário, a oposição levou as cópias à Organização dos Estados Americanos (OEA), ao Senado do Chile, e até para congressistas da extrema direita brasileira. A senadora Tereza Cristina (PP-MS) recebeu os documentos de Gustavo Silva, representante do comando de campanha da Plataforma Unitária.
González assinou em setembro uma carta se comprometendo a reconhecer a decisão da Justiça venezuelana sobre as eleições do país e teria dito que “ainda que não compartilhe, acata a decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ)”. No mesmo dia, ele deixou a Venezuela e viajou para a Espanha. A Justiça do país validou a vitória de Nicolás Maduro depois da judicialização do processo. Na carta endereçada ao próprio Jorge Rodríguez, Edmundo González reafirma que sempre “estará disposto a reconhecer e acatar as decisões de órgãos de Justiça”.
A oposição se apoia na lacuna deixada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). A Justiça validou o resultado eleitoral em agosto e deu 30 dias para o órgão eleitoral publicar os resultados desagregados. O CNE, no entanto, não publicou até agora os dados detalhados por mesa de votação e justificou o atraso por um ataque hacker. O site segue fora do ar mais de três meses depois do pleito.
Mesmo sem uma proposta de governo, os opositores acreditam ser possível derrubar o governo de Maduro. Marina Dusmet é musicista e entende que haverá uma mobilização no sentido de impedir a posse de Maduro em 10 de janeiro.
“O 10 de janeiro é a data onde serão realizadas as mudanças eleitorais de entrega da presidência. Nesse 10 de janeiro vamos ter uma mudança radical. Eu rezo, oro e peço que a mudança seja a favor de todos os venezuelanos. Que seja a favor desta nação e que seja a favor da liberdade. Do contrário, se Maduro e seus capangas, porque não há outro termo para ser usado, impedir que ocorra uma mudança em paz, de forma institucional e respeitando as garantias a todos os participantes, vai ser uma estocada mais na vida, nos valores e nos direitos de todos os venezuelanos”, disse ao Brasil de Fato.
Segundo os opositores, será feito o que for preciso para garantir a mudança no governo.
Marchas da oposição
O movimento opositor foi contrastado por chavistas que também foram marchar, mas para reforçar o apoio à posse de Maduro em 10 de janeiro. Os atos também não estiveram lotados, mas reuniram centenas de pessoas que viram a necessidade de respeitar os resultados divulgados pelo CNE. O vermelho do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) se mesclou com tocas de papai noel e decorações natalinas em um ato que teve início no Petare, um dos maiores bairros populares do país.
Os próprios chavistas não veem a oposição articulada para tentar um golpe de Estado no próximo mês. Willian Pire é presidente de uma Unidade de Batalha Hugo Chávez, chamada de UBCH, e afirma que o movimento dos Estados Unidos de não reconhecer as eleições venezuelanas só expõe a incapacidade da Casa Branca em administrar seus próprios problemas.
“A oposição sempre vai depender dos EUA, porque eles não têm outros meios. Eles planejam uma guerra contra o povo venezuelano. Não é chavismo contra a oposição, porque isso não existe. Eles querem uma situação de conflito e buscam governar um país sobre sangue, sobre cadáveres. Mas eles não vão conseguir, porque esse país amadureceu muito. Nós estamos por cima dos governos de Biden e agora de Trump, porque o governo estadunidense não resolveu os milhares de problemas que tem no seu país. Como eles pretendem solucionar uma situação de outro país quando eles mesmos não dominam seus problemas?”, disse ao Brasil de Fato.
Para quem votou em Maduro, a expectativa é pelo cumprimento do plano de governo para os próximos 6 anos. Jose Maestre é integrante do grupo Glória Esportiva do Estado Miranda e não vê mais força política nas manifestações violentas da oposição.
“Acabou o tempo da oposição. Agora o que vem é a reconquista do nosso país e a organização política venezuelana aposta na paz, segurança e desenvolvimento nacional. Nosso presidente se formou politicamente a partir de um grande líder como é Hugo Chávez. Estamos conscientes e contentes de que seja ele que administre o país porque nós apostamos nisso e apoiamos 100%”, disse.
Edição: Leandro Melito