“Hoje a família está com mais esperança de que vai ser feita a justiça”. A fala de Fátima Taddeo acontece depois que, nesta segunda-feira (2), vieram a público vídeos das câmeras de segurança da loja Oxxo que provam que Gabriel Renan da Silva Soares, sobrinho dela e do rapper Eduardo Taddeo, foi executado pelas costas por um policial militar (PM) no último 3 de novembro. As imagens evidenciam, ainda, que o PM Vinícius de Lima Britto mentiu no seu depoimento.
Os oito tiros são disparados sem diálogo ou abordagem feita pelo agente e não há qualquer ameaça feita pelo homem negro alvejado, que tentou furtar três produtos de limpeza. As imagens começaram a circular horas antes de outro vídeo que mostra um PM arremessando um homem rendido de cima de uma ponte em São Paulo.
As cenas chocantes fizeram o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o ex-policial da Rota e secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, virem a público. Em suas redes sociais, lamentaram as condutas dos policiais como ações excepcionais ao “profissionalismo” e os “anos de legado” da corporação. Apenas no primeiro semestre de 2024 a letalidade policial paulista saltou 71%, segundo o Ministério Público de São Paulo.
“Policial está na rua pra enfrentar o crime e pra fazer com que as pessoas se sintam seguras. Aquele que atira pelas costas, aquele que chega ao absurdo de jogar uma pessoa da ponte, evidentemente não está à altura de usar essa farda”, postou Tarcísio. “Pelos bons policiais que não devem carregar fardo de irresponsabilidade de alguns, haverá severa punição”, declarou Derrite.
As imagens
Para Fátima Taddeo, que é também advogada, os vídeos do Oxxo evidenciam que, em poucos segundos, “esse policial julgou, condenou e executou. Por um furto. Deu um preço para a vida do Gabriel. Dá para ver nas imagens três embalagens de produtos de higiene. Se for ver o preço de custo não deve chegar a R$15. Esse foi o valor dado para a vida dele”, lamenta.
O rapper Eduardo Taddeo, fundador do grupo Facção Central, definiu no Instagram que os tiros contra seu sobrinho foram disparados “em legítima defesa do racismo e do capital dos grandes conglomerados de exploradores”.
Com três ângulos, as imagens mostram o policial Vinícius Britto entrando no Oxxo sem farda e esperando sua vez para ser atendido. Quando já está no caixa, Gabriel entra na loja, vai até a prateleira dos fundos e pega três pacotes de sabão. Tenta, então, sair correndo, mas escorrega em um papelão na entrada da loja e cai na calçada. O policial então vê o que está acontecendo e saca a arma. Gabriel pega os produtos no chão e ao se virar para correr, é alvejado seguidamente. Cai no chão.
Britto, então, caminha calmamente até o corpo, mexendo no celular. Dois clientes do Oxxo passam normalmente por Gabriel estendido na calçada e entram na loja.
Questionada, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) informa que Britto está “afastado” das “atividades operacionais”. De acordo com a pasta, o caso “segue sob investigação pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP)” e as imagens foram juntadas aos autos.
“Familiares da vítima foram ouvidos e diligências estão em andamento para identificar e qualificar a testemunha que esbarrou na vítima durante sua fuga do estabelecimento comercial, momentos antes de ser alvejado”, afirma a secretaria comandada por Derrite. Os vídeos não mostram qualquer pessoa esbarrando em Gabriel.
PM mentiu
Diferentemente do que provam as imagens, o Boletim de Ocorrência (BO) diz que Britto “presenciou um indivíduo subtraindo mercadorias”. Repetindo três vezes a palavra “armado” na mesma frase, o documento segue com a seguinte descrição inverídica dos fatos: “Ao ser questionado pelo policial, Gabriel afirmou que estava armado, colocando a mão dentro da blusa, como se estivesse armado, e afirmou estar armado”. A cena, segue o BO, “obrigou” Vinícius “a efetuar disparos contra Gabriel”.
Em outro trecho, o Boletim de Ocorrência diz que o policial teria dado ordem para Gabriel parar. Ao invés de fazê-lo, o jovem teria colocado “a mão dentro do bolso da blusa, com menção de estar armado, e nesse momento, para revidar a possível injusta agressão, o policial efetuou um disparo”. Ainda nesta versão dos fatos, já baleado, Gabriel teria saído “em sentido a calçada”, porém voltado e “ainda com a mão na blusa”, disse “‘não mexe comigo que estou armado, não quero nada do que é seu’, sendo novamente alvejado pelo policial militar”.
“Se a família não corre atrás, o que ia prevalecer é o depoimento dele, aquele boletim de intervenção policial com resultado morte devido a um roubo tentado. E ficaria por isso mesmo”, pontua Fátima Taddeo.
O Brasil de Fato perguntou à SSP-SP quais providências serão tomadas diante da revelação de que a versão registrada no BO é falsa. “Caso as apurações apontem para a responsabilização criminal do policial militar, medidas administrativas serão adotadas”, disse a pasta. Entre elas, existe “a possibilidade de processo disciplinar”. O resultado deste possível processo “poderá” ser a “sua exclusão da instituição”.
Edição: Nathallia Fonseca