Uma pesquisa conduzida pelo Observatório Político Eleitoral (Opel), vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observou que a população brasileira identifica e reconhece as consequências do racismo estrutural na representação política. Esse reconhecimento, no entanto, não é traduzido em soluções concretas na hora do voto ou no apoio a ações afirmativas, por exemplo.
De acordo com o estudo Agenda Antirracista e a Política Brasileira, boa parte das pessoas entrevistadas demonstraram resistência à inclusão da raça como critério de escolha de candidatos e candidatas com base na falsa ideia de igualdade e democracia racial.
"Um número expressivo de participantes expressou a ideia de que 'todos somos iguais', o que leva a uma resistência à inclusão da raça como critério de escolha eleitoral ou de promoção de políticas específicas, como cotas raciais. Esse pensamento, associado ao mito da democracia racial, representa um obstáculo para a adoção de medidas concretas e específicas em prol da igualdade racial", alerta o estudo.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a socióloga Andressa Oliveira, uma das autoras da pesquisa, afirma que ideias sobre meritocracia também permeiam essa decisão. Segundo ela, estudos sobre o tema normalmente mostram que a população brasileira não nega o racismo, mas se distancia das possibilidades de solução e não enxerga a solução em políticas públicas e ações concretas.
"É como se o racismo permeasse a sociedade de forma que as pessoas não conseguem enxergá-lo como um problema que deve ser encarado e enfrentado por meio de políticas, mas como algo relacionado a questões meritocráticas. Encontramos essa percepção, que classificamos como uma espécie de 'igualdade abstrata', muito permeada pelo mito da democracia racial, como se todos fôssemos iguais. A ideia é que, se você alcança um certo lugar, um certo patamar, isso está mais relacionado à meritocracia do que a políticas públicas. Essa percepção influenciou o desenvolvimento da nossa pesquisa."
A forte presença do discurso meritocrático é um dos principais obstáculos para o avanço da agenda antirracista. Utilizada para rejeitar medidas como as cotas raciais, a narrativa foi observada em diferentes espectros políticos e ignora o impacto das desigualdades históricas e estruturais que impedem a equidade de oportunidades.
Quase metade das pessoas que participaram do estudo disseram já ter votado em candidatos e candidatas negros e negras, mas esse aspecto não foi o que levou ao voto, como explica a pesquisadora.
"A pesquisa apontou que 45% dos entrevistados afirmaram já ter votado em algum candidato negro ao longo da vida, mas o critério racial não foi central para a escolha. Os eleitores consideram mais as propostas do candidato. Eles reconhecem a baixa representatividade de pessoas negras na política, mas demonstram grande relutância em apoiar ações afirmativas para mitigar esse problema, apesar de reconhecerem sua existência."
A pesquisa também evidencia a sub-representação persistente de pessoas negras na política brasileira, um reflexo do racismo estrutural que limita o acesso a espaços de poder. Apesar do aumento das candidaturas negras nas eleições de 2022, o resultado das urnas demonstrou uma disparidade significativa: 70% dos eleitos eram brancos, enquanto apenas 30% eram pretos ou pardos.
"Existem vários pontos que contribuem para a sub-representação negra na política. A principal inferência dos próprios eleitores é a de que eles quase não veem candidatos negros. Essa questão ficou bastante evidente nas conversas com os nove grupos que entrevistamos", pontua Andressa Oliveira.
Segundo ela, ao tentar entender o motivo dessa percepção, o grupo que realizou o estudo se deparou com respostas que também envolvem uma percepção equivocada sobre a meritocracia.
"Eles mencionam a questão da meritocracia e questionam o motivo de não verem candidatos negros, já que as redes sociais permitem que qualquer pessoa se divulgue, ignorando que, na verdade, para se ter alcance e relevância nesses espaços também é preciso dinheiro. Além disso, há a questão do incentivo dos partidos políticos a essas candidaturas. É fundamental um maior incentivo para a criação de ações afirmativas dentro de todos os partidos, visando a entrada, permanência e maior investimento nas campanhas desses candidatos."
Como solução para o problema, o estudo aponta a necessidade de conscientizar o eleitorado sobre a importância do voto como ferramenta de transformação social. Campanhas voltadas para o eleitorado, mas também para partidos, movimentos e militantes também estão nessa lista de possíveis caminhos para solucionar o cenário. Além disso, a pesquisa demonstra que a apresentação de dados concretos sobre a sub-representação racial pode ser uma estratégia eficaz para sensibilizar o eleitorado.
"Uma das coisas que ficou bastante evidente para nós ao longo da pesquisa foi que grande parte das pessoas se posiciona contra as cotas. Mas quando apresentamos dados concretos para essas pessoas, como a quantidade de candidaturas de pessoas negras e brancas, elas se mostram mais sensibilizadas para o tema e começam a entender que existe um problema que não estavam percebendo", destaca a pesquisadora.
Segundo Andressa Oliveira, as pessoas demonstram disposição em conhecer a realidade e os dados, mas ainda sofrem grande impacto das informações falsas, cada vez mais propagadas, especialmente em períodos eleitorais.
"É preciso realizar campanhas massivas que expliquem as desigualdades, apresentando, por exemplo, estudos de caso sobre o impacto do aumento da representatividade negra em diversas áreas. É fundamental ampliar esse discurso para mais ambientes e promover o engajamento da sociedade civil. Outro ponto importante é que, apesar de não priorizarem a raça na escolha do candidato, as pessoas se interessam pelas propostas em áreas como saúde e educação. Portanto, é importante conectar as propostas antirracistas a outras propostas de cunho social", finaliza ela.
Edição: Thalita Pires