Coordenador de Políticas Internacionais da Confederazione Generale Italiana del Lavoro (CGIL), Salvatore Marra esteve em Porto Alegre (RS) para um encontro com a direção da Central Única dos Trabalhadores (CUT) gaúcha. Neste encontro com Brasil de Fato RS, Marra acentua que os trabalhadores do mundo perderam a esperança nas suas associações da categoria e nos partidos progressistas.
Na sua visão, a esquerda tem usado políticas neoliberais na economia, impondo a chamada austeridade e reformas trabalhistas com retirada de direitos, o que leva à abstenção ou ao voto na ultradireita, que se vende com discurso social e antissistema. Aponta que figuras extremistas como a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni e o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro "apoiam as multinacionais, apoiam os grandes grupos multimilionários e não a classe trabalhadora". Para enfrentar essa conjuntura, prega uma aliança global de centrais sindicais para impulsionar uma agenda nova e progressista.
Acompanhe:
Brasil de Fato RS: Qual a razão de sua presença no Brasil?
Salvatore Marra: Tenho muitas razões para estar aqui. A primeira é que a CGIL, que é a Central Geral Italiana do Trabalho, a CUT italiana, participou da reunião do G20 Social. É a primeira vez que se organiza uma reunião desse tipo com a sociedade civil de todo o mundo para entregar uma declaração global aos líderes nacionais com uma mensagem clara contra a pobreza, a fome, a mudança climática, as desigualdades e por uma reforma radical da governança global apoiada pelo presidente Lula.
A CGIL é uma organização anti-imperialista, solidária, que acredita que a saída dessa situação muito negativa em que estamos neste momento é através de uma reforma da governança global. Apenas através de uma negociação nos conflitos que temos no mundo se pode garantir trabalho digno para todas os trabalhadores.
A segunda razão é porque há uma celebração muito importante para a Itália em 2024, que são os 150 anos da imigração italiana no Brasil. É importante também porque, na Itália e na Europa, agora se trata da imigração como tema de emergência. Mas é um fenômeno estrutural que não pode ser tratado de emergência. Lutamos por uma vida e um trabalho dignos agora como foi há 150 anos quando os italianos chegaram aqui. Que não tenha mais discriminação, mais apartheid, mais divisão no mundo do trabalho pelas pessoas imigrantes.
A questão da imigração é um dos principais debates no campo da extrema direita, principalmente na Europa e nos Estados Unidos. Trump se elege muito a partir disso. Como vocês, enquanto central sindical, estão vendo essa ascensão da extrema direita no mundo?
A extrema direita utiliza o tema da diversidade em geral para dividir os trabalhadores e a população em geral. No seu discurso, ela diz: 'O imigrante te tira o trabalho. Te tira a educação dos filhos. Te tira a saúde'. O que não é verdade porque os imigrantes que são integrados à economia pagam impostos, por exemplo. Produzem riqueza. Se são irregulares, como quer a extrema direita, não podem produzir riqueza porque não pagam impostos. Então, as centrais sindicais em nível mundial devem desnudar as falas neorracistas da extrema direita e desmontar essa falsidade.
A extrema direita usa o discurso racista, homofóbico e misógino para dividir a gente. As pessoas que realmente causam danos à sociedade não são os imigrantes e sim os multimilionários como o Elon Musk, que se aproveitam da nossa economia e não pagam um euro de impostos em nossos países. Temos que explicar isso às pessoas.
A Itália viveu fortemente o fascismo que nasceu lá. Como os italianos veem essa ascensão?
O povo italiano não é todo racista ou fascista porque agora há um governo de extrema direita como o de [Giorgia] Meloni [primeira-ministra italiana]. Simplesmente os italianos estão desiludidos com a política.
Desafortunadamente, nos últimos anos a participação das pessoas nas atividades sociais e na política está diminuindo muitíssimo. Qual o motivo disso? Infelizmente, na Itália e também na Europa, o Partido Socialista e a esquerda têm feito uso de políticas neoliberais na economia: austeridade e reformas laborais regressivas. Então, as pessoas dizem 'a esquerda não me representa mais. Vou votar por esses movimentos de direita'. Que se apresentam com um discurso social.
E antissistema.
Antissistema também. O Bolsonaro tem um discurso antissistema. Na retórica, mas não nos fatos. Pessoas como Meloni e Bolsonaro apoiam as multinacionais, apoiam os grandes grupos multimilionários e não as pessoas comuns, a classe trabalhadora. Vou dar alguns exemplos. Na Itália, a primeira coisa que Meloni fez ao ser eleita foi eliminar o crédito mínimo universal, que havia sido estabelecido pelo governo precedente visando os mais pobres.
Segundo, [os ultras da direita] estão totalmente contrários ao salário mínimo imposto pela União Europeia. E o governo Meloni disse que nunca haverá um salário mínimo na Itália. Estão contra os convênios coletivos e a contratação coletiva. Estão contra as medidas sociais em favor dos mais necessitados. Eliminaram medidas que protegem as mulheres, em particular a presença de mulheres no mercado do trabalho. O discurso é social, mas a prática é antissocial.
No seminário realizado na CUT/RS, você defendeu um novo movimento sindical que reflita as novas formas de trabalho e que também vá até o trabalhador...
E escute o trabalhador. Temos que ouvir as suas necessidades. É a única maneira de ganharmos de novo a sua confiança. É outra palavra muito importante. O sindicato tem que ganhar de novo a confiança dos trabalhadores e trabalhadoras que perderam a esperança nas suas associações da categoria e nos partidos políticos progressistas. Creio que a CGIL e a CUT também vão apoiar isso.
Precisamos de uma aliança global sindical progressista para impulsionar uma nova agenda sindical progressista. É possível, mas precisamos um discurso muito claro no sentido de uma mudança radical da política econômica, de uma reforma global, de uma governança global para assegurar a paz e o trabalho digno. Temos que fazer isso. As centrais sindicais do mundo todo têm que criar uma rede de sindicatos progressistas internacionais e criar um novo pacto social por uma agenda social global.
Que ações vocês têm tomado nesse sentido de se aproximar mais dos trabalhadores?
A primeira coisa que temos feito é falar com as pessoas organizando assembleias nas empresas e nos lugares de trabalho. Queremos falar, mas, como disse, ouvir também os problemas e as necessidades das pessoas. Agora, por exemplo, organizamos uma greve geral pro dia 29 contra a política de austeridade e contra a reforma social do governo Meloni. Organizamos três mil assembleias nas empresas italianas. No ano passado, organizamos 2,8 mil assembleias.
Em todo o país?
Em todo o país e todos os setores. Nossos sindicalistas em cada território podem chamar uma assembleia sindical nas empresas para explicar por que organizamos uma greve geral. Em 2023, preparamos essa campanha de assembleias antes das eleições europeias. Houve uma mudança, porque o partido de Meloni (Fratelli d´Italia- FdI) perdeu quase 500 mil votos nas eleições europeias e a coalizão de direita perdeu 1,2 milhão de votos. Foi um dos resultados da nossa campanha. Temos explicado que esse governo diz uma coisa e faz o contrário.
Qual é o principal mote da greve?
É a austeridade do governo Meloni que votou pela volta da austeridade na Europa e quer nos impor sete anos de austeridade pelas regras europeias. Austeridade é corte de gasto social e de direitos. A Europa já teve austeridade e quem pagou a conta foi a classe trabalhadora, os pobres. Então, rejeitamos. E a lei de imposto que o governo [Meloni] está preparando vai cortar direitos, vai cortar saúde, vai cortar educação, vai cortar todos os serviços públicos. Outra coisa em que a CGIL acredita é que somos totalmente contrários à privatização dos serviços públicos. Porque irá dividir a sociedade e criar mais desigualdade.
O governo italiano é autoritário. Aprovou algo que se chama Lei da Segurança que vai proibir as manifestações. Se você ocupa uma rua ou diante da sua empresa porque organiza um piquete pode ir preso.
É apenas uma das normas de extrema direita. Há leis racistas contra os imigrantes. Não só em termos de ingresso, mas também em se tratando da presença no país. Como, por exemplo, não poder ter uma SIM telefônica. Vão proibir os imigrantes irregulares [de ter acesso a] um celular.
Outra coisa é o ataque à liberdade de informação. A televisão pública está totalmente ocupada por jornalistas e políticos de direita e de extrema direita. Todos os jornalistas progressistas foram expulsos ou se foram autonomamente. E há um ataque à Justiça sem precedentes.
Todos os dias há um ataque à magistratura e à Constituição. Querem reformar a Constituição, retirando o poder da Assembleia Nacional para favorecer o presidente do Conselho de Ministros, que é Meloni. Formando uma República autoritária. Estão aprovando essa reforma constitucional. Mas a Assembleia Nacional não vai aceitar. Queremos um referendo nacional contra isso.
Já aprovaram a Autonomia Diferenciada, que propicia mais poderes às regiões sobre assuntos como saúde, educação, transporte, etc. E vão dividir o país em mais de 20 regiões com poderes autônomos criando uma divisão muito mais profunda entre o Norte e o Sul do país. E mais desigualdade.
A CGIL conseguiu 1,3 milhão de assinaturas para pedir o referendo que poderá derrubar essa lei terrível. Vamos votar no primeiro semestre de 2025. A reforma será aprovada, mas vamos fazer uma campanha para que o povo a rejeite. Isto já foi feito duas vezes, uma contra o governo [do primeiro-ministro Silvio] Berlusconi e outra, infelizmente, contra o Partido Democrático e o presidente [Matteo] Renzi, que aprovou uma lei muito similar à de Meloni. É por isso que digo que os partidos progressistas têm falhado perante a classe trabalhadora.
Temos que empurrar em nível internacional uma agenda progressista que seja verdadeiramente progressista. Uma situação muito complicada, não só na Itália, mas na Europa, porque a maioria do Parlamento Europeu, infelizmente também, é de direita e de extrema direita.
Como é que as guerras que estão acontecendo estão possibilitando esse tipo de política?
A história nos ensina tudo. Guerra, fascismo, Segunda Guerra Mundial. Extrema direita é guerra. Não temos que comentar muito. Vão juntas as duas coisas.
Como a CGIL se coloca diante do genocídio na Palestina?
A CGIL está totalmente contra remeter armamentos para a Ucrânia ou Israel. A todos os países em guerra. O primeiro artigo da Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) diz que não devemos nunca esquecer que a própria OIT e as Nações Unidas são o resultado do desastre da Segunda Guerra Mundial. Com a ONU, os governos mundiais disseram 'Nunca mais guerra'. E agora o que estamos fazendo? Estamos voltando atrás.
Donald Trump foi um dos que destruiu, com Bolsonaro, as Nações Unidas. Temos que preservá-las. Reformá-las, sim. Como diz o presidente Lula. Estamos de acordo. Temos que reformar e fortalecer as Nações Unidas. Rejeitar a violência, a guerra e as armas como a solução dos conflitos internacionais. Que têm que ser solucionados com diálogo e negociação.
Como vê a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza lançada por Lula?
É fundamental. O trabalho digno é o único instrumento para combater de forma profunda, a fome e a pobreza. Não são só os subsídios. Os subsídios, como a renda mínima global, o salário mínimo, são instrumentos. Mas é o trabalho digno que vai resolver o problema da divisão que temos nas nossas sociedades. Se há trabalho digno para todos, não há discriminação, não há divisão com os imigrantes porque o trabalho existe para todos e todas.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Vivian Virissimo