Os deputados franceses de esquerda e de extrema direita derrubaram, nesta quarta-feira (4), o governo do primeiro-ministro da França, Michel Barnier, após menos de 100 dias no poder. A medida aprofunda ainda mais a crise política na segunda maior economia da União Europeia (UE).
Pouco antes das 13h de Brasília, os deputados começaram a debater as duas moções de censura apresentadas contra o governo de Barnier. Foram 331 votos a favor da derrubada, de um total de 557 cadeiras, e mais do que os 288 necesssários para maioria absoluta.
"Hoje, votamos pela censura ao seu governo, mas, sobretudo, marcamos o fim de um mandato: o do presidente", afirmou o deputado esquerdista Éric Coquerel, ao defender a moção de censura da coalizão de esquerda Nova Frente Popular (NFP). Durante os discursos, os deputados também pediram a renúncia do presidente Emmanuel Macron.
"Seu fracasso [de Barnier] estava anunciado e foi estrondoso", afirmou o deputado de esquerda Eric Coquerel, ao defender a moção de censura da coalizão de esquerda Nova Frente Popular (NFP) contra um governo que ele qualificou como "ilegítimo".
A porta-voz e deputada Yael Braun-Pivet confirmou que Barnier agora tem que "apresentar a sua renúncia" a Macron e, com isso, declarou a sessão encerrada.
O primeiro-ministro conservador, de 73 anos, antes da confirmação de queda, havia feito um apelo à "responsabilidade" dos deputados para não derrubassem o governo, em um momento econômico do país considerado tenso, e que o risco da dívida francesa alcança um nível similar ao da Grécia.
Além disso, a instabilidade na França e a crise no governo da Alemanha, que precisou antecipar as eleições legislativas para 23 de fevereiro - o que também pode resultar na queda de Olaf Scholz -, devem afetar a UE, a poucas semanas do retorno de Donald Trump ao poder nos EUA.
Para a cientista política francesa Florence Poznanski, a queda do primeiro-ministro é vista pelo povo francês "com uma expectativa grande, porque era um governo totalmente deslegítimo".
No entanto, a situação política torna-se bastante interrogativa, porque "é quase certo que Macron continuará a nomear um governo com uma cor política igual a atual, e, talvez, até mais à direita. O Macron, inclusive, pode nomear novamente o Barnier", disse a cientista política ao Brasil de Fato.
"O interesse do país é mais importante que o interesse dos partidos", enfatizou na terça-feira o presidente francês, Emmanuel Macron, durante visita oficial à Arábia Saudita, ao mesmo tempo em que tentou acalmar os mercados ao afirmar que a "economia é forte".
Em demonstração de que os investidores já antecipavam a queda do governo, segundo John Plassard, analista do banco Mirabaud, a Bolsa de Paris operava em alta nesta terça; isto é, com resultado positivo.
Macron, que não é afetado pela medida, pode agora nomear Barnier novamente ou outro primeiro-ministro, mas o equilíbrio no Parlamento permaneceria o mesmo, já que ele não pode convocar eleições legislativas antecipadas até meados de 2025.
Barnier, o Breve
A aprovação da moção de censura fez do governo Barnier o mais curto da Quinta República francesa, que começou em 1958, e o segundo a cair, depois da queda administrativa de Georges Pompidou em 1962, quando Charles de Gaulle era presidente.
A medida aprofunda a crise política que o país enfrenta desde junho, quando o presidente surpreendeu o país e antecipou as legislações, que estavam previstas para 2027, após a vitória da extrema direita nas eleições para o Parlamento Europeu na França.
Macron perdeu a maioria absoluta após sua reeleição em 2022. No entanto, as eleições resultaram em uma Assembleia sem maioria clara e dividida em três blocos irreconciliáveis: esquerda, centro-direita e extrema direita.
A NFP - coalizão de socialistas, comunistas, ambientalistas e integrantes da esquerda radical - venceu as eleições e esperava nomear o premiê. Mas, quase dois meses depois, Macron nomeou o direitista Barnier, ex-negociador europeu para o Brexit, como primeiro-ministro, justificando "estabilidade".
Barnier só conseguiu o apoio da aliança de centro-direita de Macron e de seu próprio partido conservador, Os Republicanos (LR), o que significa que a sobrevivência de seu governo dependia da líder de extrema direita Marine Le Pen, que finalmente decidiu pela queda do primeiro-ministro.
Popularidade baixíssima
A negociação dos orçamentos para 2025 foi o gatilho da moção de censura. Apesar de várias concessões obtidas, Le Pen estabeleceu como limite que o governo desistisse de adiar parte da revalorização das pensões de janeiro para julho, o que não aconteceu.
No momento em que a maioria dos franceses considera Macron o responsável pela situação atual e com sua popularidade em baixa, cada vez mais vozes pedem a renúncia do chefe de Estado para superar a crise, uma opção que o presidente chamou na terça-feira de "ficção política".
Le Pen aparece em uma posição de destaque nas pesquisas para chegar à Presidência, mas a Justiça pode frustrar o sonho da líder de extrema direita se, em 31 de março, decidir inabilitá-la de atividades políticas por cinco anos, como solicitou o Ministério Público em um caso de desvio de fundos europeus.
*Com AFP e The Guardian
Edição: Rodrigo Durão Coelho