Há três anos, o ministro das Relações Exteriores da ilha de Tuvalu, Simon Kofe, um pequeno território localizado no Pacífico sul, na região da Oceania, ganhou as manchetes do mundo. Tudo porque ele discursou para a 26ª Conferência das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas (COP26) de uma maneira bem pouco convencional: no mesmo plano em que se via uma autoridade local de terno, gravata e púlpito, impressionou o fato de ele discursar com a água batendo em seus joelhos. Ou seja, um local em que há até pouco tempo as pessoas caminhavam normalmente, já sofria com o avanço do mar.
Mais do que chamar a atenção para o aquecimento global, que é notório no mundo e diversos estudos e cientistas o ratificam, Kofe queria que o mundo escutasse que a sua população está perdendo território e que num futuro não muito distante a sua nação pode simplesmente deixar de existir. A ilha de Tuvalu vai desaparecer — o arquipélago de oito ilhas será coberto pela água em até 80 anos, dizem os cientistas — e as cerca de 20 mil pessoas que ali vivem vão se tornar todas refugiadas climáticas.
O pior de tudo é que sabemos que Tuvalu é apenas a ponta de um grande iceberg que está derretendo sem políticas públicas mundiais eficientes nesse sentido: de acordo com um estudo da “Nation Communications”, a calota polar da Groenlândia, por exemplo, em 10 anos já perdeu 3,5 trilhões de toneladas de gelo (e contando!), aumentando, assim, o nível dos oceanos em um centímetro. A mesma pesquisa científica já constatou que o degelo aumentou em 21% nos últimos 40 anos e que o aquecimento global está estritamente relacionado às diversas catástrofes ambientais que estão se tornando rotina no mundo.
Ou seja, quando é que os chefes de estado, a sociedade civil, o terceiro setor, as empresas privadas… quando é que vamos levar a sério a questão dos refugiados climáticos pelo mundo? Como se não bastassem os eternos conflitos, guerras, perseguições e violações de direitos humanos, que provocam uma linha ascendente nos últimos 10 anos que já provocou o deslocamento forçado de 120 milhões de pessoas, o mundo ainda discute de maneira muito rasa e subjetiva o tema do refúgio climático.
Eu participei na última semana de uma série de reuniões do planejamento estratégico do Cartão de TODOS, que patrocina com suas franquias todo o acolhimento de refugiados que proporcionamos a vulneráveis em Atenas (Grécia), Bogotá (Colômbia) e Ribeirão Preto (Brasil), e fizemos o exercício de nos transportar para o ano de 2050. De pensar no futuro, de como será o mundo que deixaremos para as próximas gerações.
Muito além da discussão da inteligência artificial nos negócios e na sociedade de uma forma geral, na minha opinião, os neo-refugiados e a escassez de comida vão colocar o planeta em colapso. Não é uma previsão. É uma certeza. Ainda mais quando os líderes e tomadores de decisões continuam tapando o sol com a peneira — e ainda vem aí a versão Trump 2.0, o mesmo cara que tirou os Estados Unidos do pacto climático de Paris.
A ONU, por exemplo, já estima que 20 milhões de pessoas já tiveram que deixar os seus lares de origem por eventos relacionados ao clima. Este grupo enorme de seres humanos não estão protegidos pela Convenção de Genebra (1951), que limita a definição de refugiado apenas ao tema de perseguições (religiosas, políticas, étnicas, gênero, etc) e guerras. Ainda que exista o movimento de integrá-los a partir da rede “Refugiados para Ação Climática” da COP 29 já lançada, as ações ainda são muito tímidas.
Seguimos na velha máxima de atuar em caráter emergencial quando existem guerras e conflitos que ganham mais atenção dentro do noticiário. Não existe um plano de contingência para os refugiados ambientais, muito menos para a iminência desses deslocamentos que vão ser cada vez mais constantes nos próximos anos.
Se não somos capazes de escutar os especialistas que não se cansam de trazer dados relevantes com ampla base científica de que, sim, o planeta está entrando em colapso e o nível dos oceanos vai expurgar diversas cidades e territórios, que ao menos sejamos inteligentes o suficiente para redesenhar nossas políticas públicas, entender que milhões e milhões de pessoas vão precisar de nova terra firme para viver e que a polarização política mundial e o avanço dos pensamentos de extrema direita não podem entrar na pauta de uma redefinição global de tamanha magnitude. Deveria ser algo simples de entender.
* André Naddeo é jornalista com passagem pelas redações dos principais portais do país. Há oito anos, “chutou o balde” e começou a trabalhar com refugiados de mais de 26 nacionalidades. Idealizou um programa inovador de acolhimento e integração sociocultural de jovens refugiados e hoje é diretor-executivo da ONG Planeta de TODOS.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Nathallia Fonseca