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Documento confirma que não havia propriedades na área do Parque Nacional de Jericoacoara, no Ceará

Presidente do Conselho Comunitário explica que mesmo com este documento, a questão da terra ainda não foi resolvida

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
O documento foi apenas um dos anexados à defesa do Conselho Comunitário de Jericoacoara e entregue à Procuradoria Geral do Estado do Ceará no dia 13 de novembro. - Foto: Arquivo/Governo do Ceará

Um documento publicado no Diário Oficial do Estado confirmou o que a comunidade local da Vila de Jericoacoara vem chamando a atenção nos últimos meses: as terras da empresária Iracema Correia São Tiago sempre estiveram ao sul do Parque Nacional de Jericoacoara e não havia propriedade privada dentro da área destinada à regularização fundiária conduzida pelo Governo Estadual. 

Durante uma análise minuciosa do histórico fundiário da região, a equipe de defensores do Conselho Comunitário revisou documentos relativos ao processo de regularização fundiária realizado pelo Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace) entre 1995 e 2000, sob o governo de Tasso Jereissati.

O documento foi apenas um dos anexados à defesa do Conselho Comunitário de Jericoacoara e entregue à Procuradoria Geral do Estado do Ceará no dia 13 de novembro.

Lucimar Marques, Presidente do Conselho Comunitário, nativa da Vila de Jericoacoara explica que a questão da legalidade das terras em Jericoacoara foi bem resolvida há quase trinta anos pelo próprio Governo do Estado do Ceará, por meio de um processo de regularização fundiária sério e bem feito, iniciado em 1995.

“Agora temos um particular que, através de aparentes aumentos das suas terras, com simples averbações de topografias em cartório, conseguiu realizar acordo com o estado para ganhar terras que nunca teve e processar a União para receber indenização milionária também sobre terra que nunca teve. Não entendemos como o governo do estado de hoje consegue ter postura tão diferente do Governo do Estado de trinta anos atrás, que teve a iniciativa de trazer segurança fundiária para Jericoacoara e levantou as áreas da região reconhecendo que não havia títulos de propriedade na Vila de Jericoacoara e nem no Parque Nacional”.

Lucimar informa que este documento é mais um elemento, de natureza jurídica, contundente que elucida a verdade. “A verdade, qualquer morador da região aqui conhece: o senhor José Maria Machado comprou uma fazenda na década de 80 ao sul do Parque Nacional para plantar caju. Todos aqui lembram disso, era uma fazenda bonita, bem cuidada, com várias máquinas trabalhando. Temos aqui também várias pessoas que trabalharam nesta fazenda e são testemunhas da sua localização: ao sul começava no Córrego da Forquilha e ao norte terminava na região da Lagoa Grande. E é exatamente nesses limites que a Portaria do Idace reconhece o terreno. Ou seja, não é um documento ou fato isolado, mas sim, um conjunto probatório que confirma os limites da propriedade”. 

Lucimar explica que mesmo com este documento, a questão da terra ainda não foi resolvida, porque o acordo que tramita no Governo do Estado não foi cancelado. “Este acordo é baseado apenas em uma topografia realizada de forma unilateral e averbada à matrícula, aparentemente sem respeito à legislação, que é exatamente responsável pelo aumento considerável da área original da propriedade. O acordo foi apenas suspenso para averiguações. A nós causa muito espanto que depois de um trabalho meticuloso e juridicamente seguro feito pelo Governo do Estado na década de 90, os órgãos do governo estadual de agora tenham feito um acordo com base em um único documento, desprezando todo um conjunto robusto de documentos, leis, portarias, pesquisas em cartório, realizadas especificamente com a finalidade de trazer segurança jurídica para a questão fundiária de Jericoacoara em um governo anterior. Nossa luta é para que o acordo seja definitivamente cancelado”. 

No dia 1º de novembro, a Procuradoria Geral do Estado do Ceará divulgou uma nota oficial sobre o caso onde diz que “considerando as questões trazidas pela comunidade da Vila de Jericoacoara sobre a cadeia dominial do imóvel, realizará uma série de diligências a fim de ouvir outros órgãos e aprofundar a análise de todos os pontos colocados. O objetivo da Procuradoria é garantir a segurança jurídica com relação ao andamento e conclusão do acordo extrajudicial com a proprietária do imóvel. Diante disso, o processo está suspenso por tempo indeterminado até que sejam cumpridas todas as diligências e que todos os órgãos se manifestem sobre a matéria, não restando dúvidas quanto ao legítimo domínio”.

Entenda as portarias e o trabalho do Idace

A Portaria 102/2000, publicada em 21 de março de 2000, confirma que, à época da arrecadação das terras devolutas de Jericoacoara, o Idace tomou o cuidado de solicitar ao cartório de Acaraú uma certificação de que não havia propriedades registradas na área em questão. A certidão emitida comprovou que a região estava livre para ser incorporada ao patrimônio do estado.

A portaria detalha as coordenadas da área arrecadada e lista seus confinantes, mencionando que, ao Sul, estavam as terras da empresa M Machado, de propriedade da família Machado. Esse documento oficial é um dos muitos que compõem o acervo de provas do Idace sobre a regularização fundiária em Jericoacoara.

Lucimar lembra que o Idace foi o órgão que coordenou o processo de regularização fundiária iniciado em 1995, pelo governador Tasso Jereissati. De acordo com ela, o Idace realizou um trabalho detalhado que durou cinco anos, tendo, inclusive, um escritório permanente em Jericoacoara para realizar a medição e titulação das posses, e também realizar diligências em cartórios e conferência de confinantes.

Entre 1995 e 2000, o Idace realizou um trabalho minucioso, estabelecendo um escritório permanente na vila e criando o “Comitê de Acompanhamento da Regularização Fundiária de Jericoacoara”, que incluía os moradores para garantir a legitimidade das posses cadastradas. O processo envolveu um levantamento topográfico detalhado e gerou diversos documentos que comprovam a inexistência de propriedades privadas na área arrecadada, incluídos nos processos administrativos 95076047-1/95 e 00057524-0.

O histórico do terreno

Em 1982, a Fazenda Junco I, também conhecida pelos moradores nativos de Jericoacoara como “Firma Machado”, foi registrada na matrícula 827, no livro 2C, no cartório de Acaraú, com uma área equivalente a 159,89 hectares. Exatamente 7 meses depois, uma averbação, justificada por um levantamento topográfico, ampliou a área da fazenda para 220,47 hectares. Apenas 11 dias depois, as terras ganharam um novo dono: o senhor José Maria de Moraes Machado, então marido de Iracema Correa São Tiago, empresária que reivindica hoje a posse das terras (que segundo ela, corresponde a 83% da Vila de Jericoacoara).

No mesmo dia da compra da primeira área, o senhor José Maria Morais Machado compra um segundo terreno, inicialmente sem área definida, como consta na matrícula 884 do livro 2C. Porém, horas antes da venda, uma nova averbação também justificada por uma topografia, foi registrada informando que a área do terreno equivalia a 106,78 hectares. Um terceiro terreno que originalmente tinha 47 hectares, também passou por averbação antes da venda ampliando a área para 113,79 hc. 

Após as modificações, a soma total da área dos três lotes adquiridos por José Maria de Moraes Machado, em 26 de janeiro de 1983, é de mais de 440 hectares. Estas áreas correspondem à Fazenda de Plantio de Caju, Junco 1. Fotos de satélite da região à época mostram uma área de cultivo, com solo arável, com as dimensões e a localização correspondente aos documentos e ao relato de vários nativos da Vila.

O tempo passa e nasce o município de Jijoca de Jericoacoara, o que muda a responsabilidade do registro das terras para o cartório da cidade. Em 2007, os três lotes de terra que formam a fazenda Junco I passam por uma nova averbação e o terreno que, após várias modificações, estava com pouco mais de 440 hectares, mais que dobra de tamanho. A partir da matrícula 545 no cartório de Jijoca, a área passa a ser de 924,49 hectares, ampliando o tamanho do terreno em 109%, até alcançar a Vila de Jericoacoara.

Luta da comunidade

“Jericoacoara é um lugar lindo que atrai visitantes para o Ceará e fortalece a economia cearense. O nosso conselho comunitário já existe há 40 anos e está acostumado a defender Jericoacoara de tentativas de ganho injustificado de terrenos que valem milhões. Esta talvez seja a ameaça mais séria que já enfrentamos, mas ela também chega em um momento que já estamos calejados com esse tipo de coisa”, afirma Lucimar que explica que se este acordo fosse confirmado, a vila de Jericoacoara ficaria completamente desfigurada perdendo paisagens belíssimas que ao longo dos anos foi decidido, coletivamente, preservar. “Somos unidos, organizados, com diversos voluntários, e estamos em uma luta incansável para trazer a verdade. A mentira tem perna curta e a verdade nos libertará”, finaliza Lucimar.

O Movimento Salve Jeri representa a união de todos que estão engajados na defesa do nosso lugar da presente ameaça. São diversas pessoas analisando documentos, divulgando informações, fazendo pesquisas, conversando com testemunhas, e interagindo com os órgãos que estão investigando este caso.

O Movimento Salve Jeri também usa as redes sociais para sensibilizar a sociedade sobre a luta da comunidade e recentemente criaram um site para compartilhar informações, mapas e documentos que contam a verdadeira história de Jeri. “A página está em processo de alimentação constante, com atualizações e informações detalhadas e precisas do caso. Todo o conteúdo está sendo validado pela diretoria e pelos advogados que estão nos assessorando”, explica Lucimar.

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Fonte: BdF Ceará

Edição: Camila Garcia