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O que falta para o governo federal lançar o Programa de Redução de Agrotóxicos?

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Seminário Contextos e Perspectivas do Pronara reuniu representantes do governo federal, organizações da sociedade civil e instituições governamentais - Instagram @ana_agreocologia
Programa é tímido diante das necessidades da população brasileira e da natureza

No Dia Internacional de Luta Contra os Agrotóxicos, celebrado na terça-feira, dia 3 de dezembro, a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo) realizou o Seminário Contextos e Perspectivas do Pronara, e entregou ao governo federal uma minuta para atualização do Programa de Redução de Agrotóxicos (Pronara). 

O seminário reuniu representantes do governo federal, organizações da sociedade civil e instituições governamentais para defender a formalização de um decreto presidencial para instituição do programa. A reivindicação da Cnapo é que o programa, que estava previsto para ser lançado nesta semana, tenha seu decreto assinado pelo presidente Lula no próximo dia 8 de março.

A luta pela criação do Pronara já está completando 10 anos e a redução do uso de agrotóxicos é uma demanda urgente da sociedade brasileira, frente ao avanço na liberação dessas substâncias nos últimos anos, ao crescimento do impacto desses produtos na saúde humana e no meio ambiente e ao seu alto custo para os cofres públicos, uma vez que a reforma tributária manteve benefícios fiscais para essas substâncias.

Jaqueline Pivatto, integrante da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, lembrou, na abertura do seminário, que estamos numa realidade de constantes violações de direitos humanos, sociais e ambientais, em todo o nosso território. "Tratores jogam veneno em crianças, pulverizam áreas de mananciais, vilas e comunidades, e os espaços de resistência da agroecologia e produção orgânica estão perdendo todo o seu trabalho, toda a sua produção, pela contaminação direta por esses produtos".

A luta histórica do movimento agroecológico foi lembrada por Rogério Dias, presidente do Instituto Brasil Orgânico. "Não tem como falar numa mudança, numa transformação da agricultura, sem trabalhar problemas como esse, extremamente graves. É no enfrentamento que a gente vai fazendo as transformações. Quando nós conseguimos, em 2009, que o presidente Lula assinasse o decreto 6913, ninguém acreditava que fosse possível mudar a forma de fazer o registro de produtos biológicos". 

Segundo Dias, na época, havia apenas oito produtos registrados e hoje já há mais de 600. "Isso só aconteceu porque houve uma vontade política de fazer uma mudança. Então, é muito importante para nós que a gente tenha o Pronara, mas que o Pronara seja um instrumento forte, entendido por todos. Não podemos correr o risco de ficar esperando a vida inteira para ter um pacote perfeito, mas que nunca vai ser implementado", defendeu Dias.

Pivatto apontou que há sinais dentro da estrutura do governo brasileiro de que passos importantes estão sendo dados em direção à aprovação do Pronara. Por outro lado, lembrou que o governo Lula bateu recorde de liberação de agrotóxicos. "Nossa tarefa foi feita, a gente ajudou a construir e está pronto um ato normativo para lançamento do Pronara. O relatório feito a muitas mãos responde diretamente a essas emergências que a gente cita aqui. Não são revolucionários, mas vão dar assistência e condições para a agricultura familiar produzir comida sem veneno para alimentar o povo", afirmou Pivatto.

Segundo Fernanda Machiaveli, secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), o relatório da Cnapo será objeto de pesquisas. "Hoje a gente está num momento quase culminante, na reta final. Temos, por conta da luta de vocês, nesse último ano, o apoio do nosso presidente. Temos o presidente Lula apoiando e cobrando que o Pronara seja lançado o quanto antes. Há procedimentos administrativos que envolvem qualquer ato normativo, consultas a várias áreas de mérito e gabinetes ministeriais, mas já existe uma expectativa que esse lançamento seja feito", anunciou Machiaveli.

Marcelo Fragozo, Chefe de Gabinete da Secretaria-geral da Presidência da República (SGPR), destacou o papel importante da Cnapo. "Em menos de dois meses, a Comissão recuperou, sistematizou e traz aqui uma proposta muito robusta, muito completa, daquilo que precisa ser um programa de redução de agrotóxicos". 

"Nós já colhemos, recebemos esse material e agora temos uma missão, como gestores e órgãos de governo, de traduzir isso em norma. Aqui tem uma proposta do decreto de criação do programa e estou cada vez mais convencido de que a gente vai ter duas linhas de trabalho. Uma linha é essa que vocês estão propondo, da institucionalidade de um programa de redução de agrotóxicos, que tem como ponto de partida o decreto, mas é muito importante que a gente não faça isso de forma meramente burocrática", argumentou Fragozo

O chefe de gabinete da SGPR acrescentou que é necessário trazer a "política para a sala". "Não é interesse nem do governo, nem da sociedade civil, que o presidente assine um decreto de um programa de redução de agrotóxicos, e, no outro dia o Congresso vai lá e faz um PL para derrubar. Então, a gente precisa também fazer essa construção política que vai além dos que já estão aqui reunidos, reconhecer que há outros atores nessa disputa política e econômica e colocá-los à mesa."

Como previsto nos objetivos do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), lançado em outubro, a subcomissão temática dedicada ao Pronara mapeou iniciativas já implementadas nos diferentes ministérios ao longo desses dez anos, e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apresentaram o que já têm feito nesta área.

"O Pronara é um programa conservador desde a perspectiva agroecológica. Diferentes movimentos, instituições e organizações estão lutando por sua implementação, mas precisamos dizer com clareza que ele é tímido diante das necessidades da população brasileira e da natureza", explicou Laércio Meirelles, integrante da Rede Ecovida e da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). 

"O Pronara não agride em nada o agronegócio brasileiro, não agride em nada os defensores do uso de agrotóxicos, apenas tenta organizar e normatizar um pouco para que a gente caminhe para sua redução. Não é o programa dos nossos sonhos, desde a perspectiva agroecológica, mas dialoga com a realidade e com o contexto social e político do nosso país, então o que ainda falta para o seu lançamento é determinação política do governo para se contrapor ao lobby das indústrias, um lobby perverso e intenso feito há décadas e que está super ativo contra o Pronara", defendeu Meirelles.

*Este é um artigo de opinião e não expressa necessariamente a linha editorial do Brasil de Fato

Edição: Thalita Pires