ENTREVISTA

'Pequenas máquinas agrícolas são uma necessidade para agricultura camponesa', diz pesquisadora chinesa

Xu Siyuan falou sobre a experiência do uso de máquinas agrícolas de pequeno porte por camponeses chineses

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Colheita de arroz no Assentamento Cristina Alves do MST com máquinas chinesas da parceria entre Consórcio Nordeste e Universidade de Agricultura da China - Eduardo Moura/MST-MA

Centro Brasil-China de Pesquisa, Desenvolvimento e Promoção de Tecnologia e Mecanização para Agricultura Familiar foi lançado no último sábado (30), na Universidade de Brasília (UnB). A proposta vem sendo impulsionada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como uma estratégia para o desenvolvimento da agricultura familiar no país, com a produção de maquinário agrícola de pequeno porte.

As máquinas chinesas para a agricultura familiar começaram a chegar ao Brasil em fevereiro deste ano, sob acompanhamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). O primeiro lote de 30 máquinas está sendo testado no Rio Grande do Norte e o segundo lote com 50 equipamentos chegou à capital federal para ser testado na UnB.

Ao Brasil de Fato RJ, a pesquisadora Xu Siyuan da Universidade de Agricultura e Floresta do Norte da China falou do potencial do maquinário apropriado para ampliar a produção agrícola e diminuir o trabalho de trabalhadores e trabalhadoras do campo. Ela também comentou sobre a relação entre a concentração de terra, a fome e a pobreza no Brasil.

"A coisa mais impressionante é que no Rio Grande do Sul eu vi a fome na cidade e aqui [Rio de Janeiro] eu vejo a pobreza na cidade. [...] Então como ainda podem existir essas questões de fome e pobreza? Eu já lhe falei sobre a minha estúpida descoberta: vocês não precisam de mais produção agrícola. Vocês precisam de uma revolução agrária! (risos). Vocês têm muita terra. Vocês só precisam entregar a terra para as pessoas corretas. Para produzir, antes de mais nada e, principalmente, para o consumo interno, para a melhoria de vida do seu povo, para que o povo tenha uma vida melhor."

Em outubro, Siyuan esteve em intercâmbio no Brasil para conhecer experiências de produção em agroecologia e soberania alimentar do MST no Rio de Janeiro – nas cidades de Maricá, Piraí e na favela da Rocinha, na capital fluminense – e também no Rio Grande do Sul. Ainda no Rio, a pesquisadora dialogou com pesquisadores do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (RJ).

Brasil de Fato: No Brasil temos um agronegócio extremamente tecnificado, enquanto a nossa agricultura familiar está bastante atrasada. A China resolveu um dilema histórico entre agricultura camponesa e desenvolvimento tecnológico? O que acha da estratégia do MST de impulsionar o uso da tecnologia chinesa no Brasil?

Xu Siyuan: Falando da agricultura familiar ou da agricultura camponesa no geral e sua relação com a tecnologia, não sei se podemos dizer que a China resolveu esse dilema histórico: maquinaria agrícola para o campesinato. Penso que é uma necessidade na China com o desenvolvimento da agricultura. Ainda precisamos de máquinas em tamanho apropriado, para melhorar a nossa produção agrícola e também para diminuir o trabalho dos camponeses.

Quando você pensa sobre a agricultura chinesa ou produção agrícola no geral, você vai ver que pequenas máquinas agrícolas são uma necessidade. Vou dar uma visão mais ampla da China. Desde quando tivemos a redistribuição da terra em 1978 até agora, a média de área em que trabalham os camponeses pobres, é na verdade apenas 1 mu (1 ha = 15 mu). Então, em média, uma família camponesa tem cerca de ⅓ de hectare para trabalhar. Nesse caso, as máquinas para trabalhar precisam ser pequenas, especialmente se estamos falando do Sul da China. Então existe uma necessidade e uma sinalização para a indústria de máquinas agrícolas para desenvolver pequenas máquinas agrícolas para os camponeses.


Ministro da Educação da China cumprimenta dirigente nacional do MST, João Pedro Stedile, na Universidade de Brasília / Mauro Ramos

A China também desenvolveu sua indústria agrícola, com grande produção e com grandes empresas, como a Cofco, se aproximando do modelo prevalecente no Brasil e no mundo. O que tem a dizer sobre isso? A China está buscando auto-suficiência na produção de alimentos, tentando ser menos dependente das importações do ocidente? Acha que a China ainda se preocupa com a sua pequena agricultura camponesa?

Vamos falar de agricultura e vamos falar de comida. Se falamos de agricultura e comida, não é muito apropriado dizer que a China busca diminuir sua dependência da produção ocidental. Por que segurança alimentar sempre foi uma questão e prioridade número um para o governo central, então não há dependência do Ocidente para começar. Porque temos a política de segurança alimentar, em que 90% das necessidades precisam vir da produção doméstica, então em termos de comida não se fala em dependência.

No entanto, penso que uma razão para Cofco e outras indústrias agrícolas irem para outros países e controlarem o setor agrícola pode estar relacionada com segurança alimentar de alguma forma, por quererem aumentar as cadeias de suprimentos, como eles falam: cadeias de suprimentos sustentáveis. Na verdade, não é para diminuir a dependência, mas há maior demanda da população chinesa. Então penso que a respeito da segurança alimentar, estamos falando de ter uma fonte de alimentos da produção agrícola do país, para não depender das exportações do agronegócio global para a China.

Sabemos que a China tem uma estratégia de Rejuvenescimento Rural, ou Revitalização Rural, se fala da Modernização do Campo na China. De maneira geral se pensa isso no marco da chamada Civilização Ecológica da China. São linhas políticas? O que são essas estratégias que o governo chinês está direcionando e impulsionando no processo de desenvolvimento da China?

A respeito do desenvolvimento rural, penso que experimentamos três estágios. O primeiro é relativamente antes de 2000, quando não tínhamos concordância sobre desenvolvimento. No final dos anos 1990, alguns especialistas dizem que tínhamos uma crise de sustentabilidade no meio rural, em que a renda dos camponeses não aumentou de forma significativa ao longo dos anos 1990. Então, a partir dos anos 2000 se lançou uma questão sobre os camponeses e a área rural, quando surgiu o Movimento da Nova Reconstrução Rural-NRR. E agora temos um novo período de revitalização rural.

Se tratando do desenvolvimento rural, coloco em duas partes. E vou deixar os camponeses de fora, pois não conheço bem sobre governança rural. Vou falar de produção agrícola e desenvolvimento rural no geral. Então se pensarmos sobre esses três períodos, podemos dizer que a questão principal na trajetória do desenvolvimento agrícola na China é que ele se deu substituindo a agricultura camponesa por uma de maior escala. A partir de 2006, tivemos um plano em que abolimos o imposto rural. Então se tornou rentável ter mais terra e desenvolver agricultura em maior escala. Em 2013, o governo central lançou uma política de crédito para o campo, que mobilizou mais gente do capital financeiro e do capital industrial a ir para o campo na China e arrendar maiores glebas de terra para desenvolver a agricultura moderna. Nesse sentido, nosso desenvolvimento rural, em termos de agricultura, é para modernizar a agricultura.


De esq a dir, vice-reitor da UnB, Márcio Muniz; reitora da UnB Rozana Naves; ministro da Educação chinês Huai Jinpeng; e embaixador chinês no Brasil, Zhu Qinqiao / Mauro Ramos

Portanto, a revitalização rural, nesse estágio, tem relação com a agricultura, por que já sabemos qual tipo de agricultura estamos falando. O desenvolvimento rural é para aproveitar outros recursos rurais na China. Por exemplo, você mencionou a civilização ecológica. Recursos ecológicos podem também ser utilizados no campo. Outros recursos podem ser as casas rurais na China. A política pode considerar que há casas abandonadas, que não estão sendo usadas propriamente, então a ideia talvez seja concentrar a propriedade e transformar em turismo rural por exemplo. Você transforma as casas rurais em outro recurso.

Então penso que a ideia geral da revitalização rural é – para dizer da melhor forma, pensando de forma positiva – explorar o potencial dos recursos rurais na China e utilizá-los economicamente. No entanto, eu tenho minhas questões sobre isso. Tenho preocupações a respeito desse modelo de desenvolvimento do campo na China.

Quais são suas questões?

Bem, pra começar minhas questões, uma coisa que estávamos comentando era sobre a urbanização da China. Vimos que com a rápida industrialização e urbanização, a China não tem problemas com relação a pessoas em situação de rua ou desemprego nas cidades. E a base disso na verdade começa com a nossa reforma agrária. A base é que cada camponês tem direito a um pedaço de terra e também tem direito a casa.

A concessão de uso de uma casa e um pedaço de terra. Portanto, aconteça o que aconteça na cidade, você pode sempre voltar pro campo, pra sua casa e pra sua terra. No entanto, você ouviu sobre as duas estratégias que eu mencionei: uma é modernização da agricultura e outra é usar as casas rurais. Essas duas coisas tocam em questões muito sensíveis da reforma agrária. Supondo que você transferiu a sua concessão de uso da terra e da casa, o que vai ser deles [os camponeses]? Vão ser arrendadores. Eles vão perder a possibilidade de uso da terra e da casa. Vão receber renda pelo arrendamento. Mas vão se transformar em que?


Agricultores do MST recebem novas máquinas agrícolas da China / Eduardo Moura/BdF

Não vão ser mais camponeses, certo? Vão depender da renda da "propriedade", não da sua produção agrícola.

Sim. E eles vão se transformar em força de trabalho para a agricultura moderna. Vão se transformar em empregados, por exemplo para o turismo rural.

E isso já está acontecendo?

Acho que sim. Acho que o arrendamento das casas rurais é relativamente novo, então ainda não vemos as consequências disso. Mas, a gente já vê mais e mais camponeses se tornando, parcial ou totalmente, trabalhadores rurais empregados, força de trabalho para a agricultura.

Complicando um pouco a questão, aqui no Brasil por exemplo e que também se reflete na Europa – como nos explicou Tony Filler, um amigo, que pesquisou e introduziu o conceito de "atividades plurais" – o camponês não é apenas um produtor rural, ele tem um conjunto de atividades que geram sua renda. De acordo com a pesquisa, quanto mais diversificadas as atividades e a renda, mais sustentável é sua propriedade. Então, isso é uma coisa negativa?

Não, mas eles estão falando de duas questões distintas. Os produtores na Europa não são os camponeses na China. Se um produtor tem 20 hectares (ha) de terra no Brasil, você pode diversificar sua propriedade. Você pode ter produção agrícola, pode ter projetos turísticos, você pode envolver outras atividades. Isso não é necessariamente ruim. Aliás, pode-se dizer que é uma boa, mais sustentável, com rendas diversificadas, até melhor do que apenas produção agrícola. Mas, quando você pensa nos camponeses chineses, nós temos apenas um pequeno lote de terra. Como vamos diversificar? Você não vai diversificar sua renda no nível da propriedade, não tem como. Você pode fazer isso, por exemplo, ao nível de uma comunidade, isso é o que você precisa fazer.

Então veja, eu não vejo problema em que uma vila na China diversifique suas atividades. Podemos incluir produção agrícola, turismo rural, agroindústria, tudo certo nesse ponto. Mas a questão é: você pode diversificar as atividades, mas precisa pensar na distribuição da renda. Se estamos utilizando os camponeses apenas como trabalhadores dessas indústrias, eu não acho que isso seja justo. Você pode fazer assim: os camponeses ter participação no negócio – já que estamos desenvolvendo a vila juntos – então toda a renda vai ser dividida de maneira que os camponeses vão ter mais do que uma renda salarial, de acordo com a sua filiação enquanto membro da comunidade, para que seja melhor compartilhado. Não é só sobre quais atividades econômicas vamos ter no campo na China, mas também sobre como podemos dividir toda a renda de acordo com os recursos que temos na comunidade, não apenas usar a força de trabalho dos camponeses.


Máquinas agrícolas chinesas no Brasil / Eduardo Moura/BdF

Se pegarmos a história desde 1978, há um processo de urbanização e de migração interna do campo para a cidade. Mas isso não é necessariamente uma migração permanente, porque você tem o Sistema de Responsabilidade Familiar, que você já explicou, onde você tem um contrato entre os Comitês de Vila com os camponeses, certo? Você também tem o sistema hukou que restringe a migração permanente, certo? Então de maneira geral a estratégia da maioria dos camponeses na China é dual: alguns membros da família vão trabalhar nas áreas costeiras ou nas cidades e outros ficam nas áreas rurais, certo? O que mudou em relação a isso desde a política de transferência de concessão de uso da terra a partir de 2013?

Se eu entendi, você está dizendo que os camponeses costumam ter duas rendas: uma advém da cidade e outra da sua produção agrícola nas vilas. Então com a política de transferência você está perdendo a parte da produção agrícola, certo? Quer dizer, não perdendo. Ao invés de ter renda da produção, você está recebendo pelo arrendamento. E se possível você também vai trabalhar na agricultura por um salário. Então a renda está vindo de outra forma agora.

Então você está deixando de ser um camponês para ser um trabalhador assalariado agora. Sua renda vai ser aquela da cidade mais a do arrendamento e um salário no caso de você trabalhar para alguma empresa que está arrendando.

Voltando à questão anterior, você falou das suas preocupações a respeito do modelo de desenvolvimento na forma como está se dando. Mas ainda há muitas experiências de cooperativismo na China, certo? Você acha que o modelo de cooperativismo seria melhor?

Se a cooperativa agrícola está operando como deve ser. Ou seja, cada produtor é membro da cooperativa e eles desenvolvem a produção, agroindustrialização e outras atividades juntos e então eles vão ter, como eu disse, revitalização rural baseada na filiação. Quer dizer, eles vão ter participação na renda da cooperativa. Se nós tivéssemos isso, eu diria que realmente seria uma boa ideia. No entanto, no desenvolvimento das cooperativas agrícolas, há um problema em que as cooperativas estão sendo capturadas pelas elites rurais. No caso das cooperativas coletivas, o benefício para os membros é mais igualitário. Mas agora está se transformando em organização majoritariamente dominada por elites rurais. Esse não é o tipo de cooperativa agrícola que queremos para os camponeses.

Bem, por último mas não menos importante, ainda temos uma pergunta sobre a Agricultura Ecológica na China, sabemos que existem algumas experiências. Você acha que há uma mudança importante a respeito disso? A Agricultura Ecológica está ganhando espaço? Há uma mudança na mentalidade das pessoas em relação ao consumo de alimentos saudáveis na China?

Eu penso que a agricultura ecológica na China está crescendo. Especialmente a partir de 2010 ou mesmo antes, isso começou com o surgimento dos consumidores de classe média, que estão mais preocupados com a qualidade da comida, então se criou uma demanda no mercado por produtos orgânicos. Então é por isso que a maioria da agricultura ecológica na China se desenvolveu ao redor das grandes cidades, onde estão os consumidores da classe média. Mas pode-se dizer também que, passada uma década, já se alcançou a demanda dos consumidores da classe média.

Entretanto há um outro motivo para o desenvolvimento da agricultura ecológica, que é: nós estamos testemunhando as consequências da agricultura química industrial. Então nós queremos mudar isso, para oferecer comida mais saudável para os consumidores, para proteger o ambiente rural e isso também é bom para os produtores agrícolas, porque eles costumam utilizar agroquímicos, então para a sua própria saúde é melhor desenvolver agricultura ecológica. Então há diferentes motivações para fazer isso.

No entanto, eu devo dizer que, comparado com o que eu vi no Brasil, a nossa agricultura ecológica é realmente uma escala muito pequena. Não é suficiente. E se comparar o que está acontecendo no Brasil com o que está acontecendo na China, eu realmente admiro o que está acontecendo no Brasil, porque o apoio à agroecologia no Brasil já está institucionalizado. Por exemplo, os produtos orgânicos no Brasil podem ser vendidos por um valor 30% maior que o preço do mercado. E isso é uma política, certo? Nós não temos uma política assim. Também há um problema com a certificação da produção ecológica. Todos sabemos que a certificação de produtos orgânicos é muito cara. Não é acessível para produtores individuais. Mas aqui vocês têm programas de certificação participativa. Isso reduz o custo da certificação. E supondo que você possa diminuir a burocracia para o processo de certificação pode ser ainda melhor.

A gente precisa disso. Porque nossos produtores agroecológicos não vivem próximos uns dos outros, estão muito distantes, então não conseguimos desenvolver um sistema participativo como o que vocês têm aqui de forma conveniente. Digamos que se conseguimos produzir agroecologicamente em maior escala, em uma área concentrada, seria possível desenvolver esse modelo participativo, nessa proporção. Essa é uma questão sobre certificação. A outra questão é que vocês também têm políticas do governo para apoiar esse sistema participativo, porque vocês têm assistência técnica. Eu participei de uma reunião sobre o programa de certificação participativa e eu vi que tinha um técnico prestando assistência aos produtores sobre como ir adiante com o programa de certificação participativa, ensinando como preencher os documentos, falando como devem ser as visitas no campo. Isso é também suporte institucional e isso é o que precisamos na China. Realmente colocar a agricultura ecológica dentro das políticas de governo, da mesma forma como vocês tem um programa de aquisição de alimentos também.

Antes da gente finalizar, eu gostaria de aprofundar um pouco mais a última questão. Como a narrativa sobre a macro-política da Civilização Ecológica se conecta com a narrativa sobre as políticas agrícolas de revitalização e modernização rural?

Devo dizer que não sou expert nisso, mas acho que a civilização ecológica oferece uma oportunidade para o desenvolvimento da agricultura ecológica. É uma oportunidade, mas o papel importante da agricultura ecológica ainda não está sendo reconhecido. Quando falamos em civilização ecológica a primeira coisa que me vem à cabeça é como podemos resolver o problema da poluição do ar, como tornar as águas mais limpas, tornar o céu mais azul, tornar as montanhas mais verdes. Isso está mais relacionado à civilização ecológica. Mas deveríamos argumentar também que a agricultura ecológica é uma parte super vital para a civilização ecológica. Deveríamos tornar a agricultura mais ecológica.

Ainda tenho duas últimas questões, não necessariamente relacionadas. Uma, nós não falamos sobre o que você pesquisa especificamente, que é a Governança da Semente na China. Aqui no Brasil tivemos uma importante discussão ao final dos anos 1990-2000 sobre a liberalização de sementes transgênicas. Como está essa questão na China agora? Sabemos que numa perspectiva histórica houve uma experiência fantástica de coletivismo na era Mao e depois as coisas começaram a mudar durante a era da Reforma e Abertura, mas qual a situação atual?

Falando apenas dos transgênicos, houve um momento, antes de 2010, sobre o desenvolvimento de cultivos transgênicos na China. Os pesquisadores já tinham conseguido um certificado de segurança para arroz transgênico. Mas isso levantou muitas preocupações no meio acadêmico e na sociedade em geral. Então surgiram, não movimentos, mas atividades organizadas para falar sobre isso, para discutir os perigos do arroz transgênico. Isso é também uma das razões do porque: até expirar a certificação de segurança do arroz transgênico, ele nunca foi levado ao mercado, nunca foi cultivado no campo pelos agricultores. Mas isto é em relação ao arroz transgênico. Nos últimos 3 anos, tivemos o desenvolvimento do milho transgênico. Eles já conseguiram o certificado de segurança e agora conseguiram uma permissão para cultivar. Aliás, enquanto conversamos já há plantações de milho transgênico crescendo no campo na China.

Já está generalizado ou são apenas experimentos?

Existem vários estágios. O primeiro é fazer experimentos em pequena escala e logo em uma escala maior. Depois desses dois estágios se entra realmente na fase do cultivo para comercialização. Mas isso também acontece passo a passo. Primeiro se faz isso em algumas poucas províncias, como em Yunnan, Mongólia Interior, em Hebei. Existem algumas províncias onde se pode cultivar para o comércio. Se isso funcionar bem, eu não me surpreenderia se tivermos uma expansão dos cultivos de milho transgênico.

Há outros transgênicos sendo desenvolvidos além do milho?

Olha, nós já tivemos outros transgênicos antes. Já tivemos mamão, já tivemos algodão e agora temos milho. Alguns pesquisadores dizem que há outros transgênicos sendo desenvolvidos na China. A soja, por exemplo, vai no mesmo caminho do milho. No entanto, a soja transgênica não é para consumo direto. Serve apenas de matéria prima para a produção de óleo e ração animal. De fato, a soja produzida na China é não transgênica. A soja transgênica é importada, principalmente do Brasil.

Você esteve no Rio de Janeiro por uma semana e visitou uma favela, a Rocinha. Você também visitou várias experiências de sucesso em Maricá-RJ e também conheceu um assentamento do MST em Piraí [relacionadas à Soberania Alimentar]. Essas experiências são heterogêneas entre elas, mas suficiente para se ter uma ideia da realidade do Rio de Janeiro e até do Brasil, juntado as experiências que você conheceu no Rio Grande do Sul. Pensando nessas experiências, qual é a sua impressão em relação ao Brasil a respeito da Segurança Alimentar e a nossa produção agrícola, especialmente de áreas da Reforma Agrária? Pode nos falar um pouco sobre isso?

Eu acho interessante a forma como você [Fabiano] e os colegas do Rio Grande do Sul organizaram o roteiro para as minhas visitas. No RS, primeiro eu visitei cozinhas solidárias e restaurantes populares na cidade e então eu fui para o campo visitar as experiências de produção agrícola e agroecologia. Foi como eles organizaram. No Rio, vocês primeiro me levaram para uma favela, depois Maricá e para o assentamento do MST. Vocês sempre me dão a oportunidade de comparar. A coisa mais impressionante é que no RS eu vi a fome na cidade e aqui [RJ] eu vejo pobreza na cidade. Daí eu vou para a área rural no RS e não consigo acreditar que há um problema de fome. Porque os produtores que visitamos, na verdade não são grandes produtores, são produtores médios. Mas eles têm 20 ha de terras. Um casal de agricultores tem produção de amora, tubérculos, repolho, eles tem sua própria horta caseira, eles tem de tudo nessas 20 ha. Eles são capazes de alimentar cerca de 100 pessoas, não? Só com essa terra. Então como ainda podem existir essas questões de fome e pobreza? Eu já lhe falei sobre a minha estúpida descoberta: vocês não precisam de mais produção agrícola. Vocês precisam de uma revolução agrária! (risos). Vocês tem muita terra! Vocês só precisam entregar a terra para as pessoas corretas. Para produzir, antes de mais nada e principalmente, para o consumo doméstico, para a melhoria de vida do seu povo, para que o povo tenha uma vida melhor.

Eu vou tentar levar sua mensagem ao nosso governo (risos) para que possamos reforçar nossa luta histórica pela Reforma Agrária, que é de fato a raiz das nossas desigualdades. Definitivamente o tamanho da nossa produção agrícola é incompatível com as nossas condições de pobreza no campo e nas favelas. Tem alguma outra questão que não falamos aqui e você gostaria de comentar?

Eu diria que tenho um arrependimento sobre a minha viagem pro Brasil. Infelizmente não conheci um assentamento do MST no Rio Grande do Sul, e não cheguei a conhecer a fábrica de sementes que você falou [a Bionatur]. Outra coisa é que eu realmente gostaria de visitar mais assentamentos do MST, especialmente as áreas de produção coletiva que você mencionou. Estou muito interessada nisso. Porque precisamos de uma reorganização da produção agrícola, que não esteja apenas baseada no nível da família, mas do território. Dessa forma é possível organizar a produção agrícola de acordo com o tipo de terra, o tipo de clima e podemos encontrar uma forma de distribuição igualitária de todo o recurso fruto da nossa produção agrícola. Precisamos nos apropriar desses conhecimentos.

*A entrevista foi realizada em inglês e transcrita e traduzida por Janailson Almeida, estudante de doutorado (CPDA/UFRRJ), militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e orientando do professor Fabiano Escher, que colaborou com comentários. 

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Vivian Virissimo