Como é a articulação entre os ricos e os pobres, como isso se coloca na correlação de forças e de que forma afeta as mulheres. Esses foram alguns dos questionamentos levantados na mesa de análise de conjuntura política do 4º Encontro Nacional e Feira Camponesa das Mulheres do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que ocorre em salvador (BA). O debate aconteceu nesta terça-feira (3), com a participação da médica pediatra cubana Aleida Guevara, da coordenadora nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Sônia Mara, e da coordenadora do MPA, Leila Santana.
Citando Simone de Beauvoir, Sônia lembrou que "basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados". Ela iniciou sua fala pontuando sobre os modelos de sociedade em disputa atualmente e que concentram as maiores riquezas: Estados Unidos e China, incluindo o Brics.
"EUA é o principal representante imperialista e concentrador da riqueza. China e Brics têm 40% da riqueza e são os maiores produtores do mundo. São duas potências que disputam para governar o mundo. Temos esperança de dialogar com a China, mas precisamos, antes, construir a nossa soberania. Nós mulheres já a construímos desde os nossos territórios, desde lá da roça."
Segundo salientou Sônia, estamos vivendo uma reestruturação mundial do capitalismo, que tem gerado mudanças estruturais históricas. "Tudo necessita de muita energia, comida, exportação, maquinaria elétrica (energia pura, carros elétricos e baterias duradouras de lítio), transportar hidrogênio verde embalado. E o Brasil é o país que tem tudo que podemos imaginar para se desenvolver, e vai ser o centro da disputa do hidrogênio verde, renovável, comida, água, minérios críticos, florestas tropicais."
A coordenadora do MAB também destacou o agravamento da crise ambiental no mundo. Em sua avaliação o tema é preocupante pois pode ser a desculpa que o capitalismo vai usar para se reposicionar na exploração do planeta.
"Não se resolve crise ambiental, social, econômica e política com bancos e com governos golpistas. Porque o lucro privado é o centro da disputa e não os problemas do povo. Estamos em um momento em que todos os movimentos vão precisar se reposicionar para construir poder nos nossos territórios. É tempo de avançar. Nós precisamos, enquanto mulheres, assumir o comando de ajudar a construir um processo de organização."
Educação para defender o progresso
"Todas as mulheres cubanas se alfabetizaram porque há uma coisa muito importante, a educação, para que ninguém nos manipule, engane ou vitimize. Para defender o progresso, necessitamos educação", sentenciou Aleida Guevara.
Em sua fala, ela contextualizou o início da revolução cubana, a situação das mulheres e sua contribuição. "As mulheres eram as últimas. Eram professoras, cantantes, artistas ou prostitutas, todas criticadas. Com a revolução isso mudou. As mulheres participaram ativamente no projeto revolucionário."
Assim surgiu, há 64 anos, a Federação das Mulheres Cubanas, que reuniu mulheres de todo o país, e que se empenha no resgate do valor da mulher. "Somos nós mulheres que cultivamos e damos forma à vida. A nossa força como movimento social, como mulheres, é muito importante para mudar a realidade e defender a vida. A mulher tem um papel importantíssimo na sociedade. Sem a mulher não há vida."
Para Aleida, o alcance do papel das mulheres na sociedade se faz lado a lado com os companheiros. "Todos juntos, sem diferença sexual no combate diário pela soberania da pátria. Por isso é importante a educação."
Além da educação, a médica também destacou a inclusão das mulheres e a reforma agrária como pilares da revolução cubana, conquistas atingidas com organização do trabalho e da classe trabalhadora conjuntamente. "Sem reforma agrária não há revolução. O povo é dono da terra. Nenhuma empresa transnacional pode comprá-la. Nossa terra não se vende, nem se negocia. O primeiro que alcançamos foi a soberania dos recursos naturais (que já são poucos)."
Se não somos donos do que produzimos, prosseguiu, não há força para mudar a sociedade. "Por isso é importante o trabalho organizado. É a unidade do povo que dá força para mudar a realidade, do contrário é impossível fazê-la. Educação, solidariedade, respeito, dono do que se produz, respeito a todos os seres humanos, sem isso não podemos criar um mundo diferente. Por isso é importante que tentemos, a força que podemos ter como movimento social, a força que temos como mulheres para mudar a realidade."
De acordo com ela, atualmente, em Cuba, 72% dos profissionais são mulheres e mais de 60% dos médicos são mulheres. "A revolução nos propiciou isso. Estando juntas aprendemos coisas novas. Temos que que estar preparadas para defender a vida, que é mais valioso. Vocês marcam o caminho, e o resto do povo vai seguir com ternura. Até a vitória sempre!"
"Semear rebeldia para colher liberdade"
"Ninguém luta sobre algo que não se compreende, luta por resistência, mas sobretudo por emancipação da nossa consciência. Só conseguimos refletir o contexto que vivemos se pensamos juntas a totalidade dos nossos desafios. É tempo de semear rebeldia para colher liberdade", enfatizou Leila Santana.
Segundo ela, o capitalismo não tem compromisso com os corpos e os territórios, e diante disso, o papel de atuação deve ser coletivo, e não individual. "Somos um movimento diverso, do campo das águas e das florestas. Nossa diversidade não nos fragmentou, ela nos permitiu entender nossa pluralidade que é a nossa maior potência de luta neste período. Precisamos unir, colar, juntar, repensar nossas alianças. Nossa luta é anti-imperialista, internacional, ultrapassa fronteiras. Nossa luta é grande e complexa."
"Somos corpo-território. Se esse é nosso lugar de luta e resistência, precisamos nos organizar na luta pela reforma agrária e território. Sem terra e território não resistiremos", enfatizou a coordenadora do MPA.
De acordo com ela, a luta é estrutural e não conjuntural. "Mesmo a gente produzindo 70% do alimento que está na mesa do povo brasileiro, a população empobrecida tem passado fome e fome controla corpo, controla cabeça. O alimento não é só político, é também cultural, ancestral, é instrumento de defesa do nosso território."
Nesse sentido, apontou, a roça e a escola são instrumentos de resistência coletiva dos territórios. "Se o alimento nos une, devemos assumir que é fundamental nos reconectamos, nos realinharmos com as cidades, afirmar o poder popular como nosso horizonte estratégico. A reforma agrária precisa ser o foco da luta do MPA nos próximos períodos, inclusive a demarcação dos territórios tradicionais."
Para ela, além da luta ser política, também é de produção do conhecimento. Bessa perspectiva, o desafio que se coloca é a construção de uma comunicação contra hegemônica, que dispute com o agronegócio e se contraponha a ele.
"Precisamos disputar e afirmar que somos nós, especialmente as mulheres, que produzem alimento para o povo no Brasil. Nós mulheres somos guardiãs e produzimos o grosso da alimentação do povo trabalhador brasileiro. Nossa comunicação tem que ser contra-hegemônica, popular e feminista. O corpo das mulheres não está à disposição da bala, mas à disposição da luta.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira