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Wesley Barbosa: 'O livro é uma das maiores tecnologias da humanidade e jamais será obsoleto'

Jovem escritor contemporâneo já vendeu mais de 16 mil exemplares de livros de forma independente

Ouça o áudio:

Wesley Barbosa: 'Por que não posso vender o meu próprio livro? Quem melhor que eu para fazer essa abordagem?' - Divulgação
A periferia simplesmente tem a potencialidade de exprimir

Wesley Barbosa é um escritor brasileiro, vindo da periferia, que já vendeu mais de 16 mil livros de forma independente. Em 2022, ele teve o seu primeiro romance publicado, Viela Ensanguentada, mas, mesmo sendo um jovem, já tem uma vasta produção de obras e contos. 

No início, ele conciliava o trabalho em uma lanchonete com a venda dos livros, “de mão em mão”. “Eu notei imediatamente que os meus livros não estariam nas livrarias e que eu teria que ser o meu próprio distribuidor”, contou, em entrevista ao programa Bem Viver desta quinta-feira (5).

Após participar da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em 2019, e vender mais de 300 exemplares, percebeu que poderia se dedicar integralmente à literatura e foi, passo a passo, construindo a sua própria editora independente, a Barraco Editorial.

“Quando eu criei esse conceito para a minha editora foi justamente no sentido de representar a resistência de uma pessoa periférica no mercado editorial.  Cada vez mais as pessoas estão se auto publicando, criando suas festas literárias, suas feiras literárias, para poder apresentar o seu trabalho”, explica. 

Wesley Barbosa também destaca a importância da entrada de pessoas negras, mulheres e LGBTI+ na produção literária e afirma o papel dos festivais e dos movimentos alternativos na valorização desses atores não brancos. “É que a periferia simplesmente tem a potencialidade de exprimir”, enfatiza. 

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato - Como é a tarefa de publicar sem ter uma editora, em um país como o Brasil, que é tão “regrado” pelas editoras?

Wesley Barbosa - A princípio, uma editora do Capão Redondo publicou o meu primeiro livro O Diabo na Mesa dos Fundos, que é uma coletânea de 19 histórias. O editor desse livro apostou no meu trabalho e fez 200 exemplares que foram vendidos de maneira independente.  

Eu notei imediatamente que os meus livros não estariam nas livrarias e que eu teria que ser o meu próprio distribuidor. Então, eu trabalhava numa lanchonete de uma universidade de Santo Amaro e, quando chegava o fim do expediente, eu ia vender os livros no Centro de São Paulo, onde eu abordava as pessoas, me apresentava e perguntava se eu poderia falar sobre o livro. 

Assim, eu percebi que tinha um certo “talento” para falar sobre o meu trabalho. Eu já havia trabalhado também como vendedor ambulante. Eu pensava, “por que não posso vender o meu próprio livro? Quem melhor que eu para fazer essa abordagem?”. 

Eu fui vendendo até que, em 2019, eu fui para a Flip e vendi mais de 300 livros. Daí, comecei a viver dessa grana e percebi que não precisava ter um trabalho formal, e que poderia viver da minha literatura. 

Foi assim que começou a minha “andança literária”. Acabei me tornando um ambulante da literatura. 

Você pretende seguir o seu trabalho dessa maneira ou está disponível para dialogar com alguma editora?

No começo, era muito difícil, porque ninguém me conhecia e eu tinha que “batalhar” para defender o meu livro de todas as maneiras, no melhor sentido, falando da qualidade do texto, por exemplo. 

E esses 16 mil exemplares, eu fui vendendo dessa maneira, de mão em mão e também pela internet. Daí, chegou em um determinado momento que eu comecei a ser convidado para fazer palestras em escolas e no Sesc, sempre levando o livro. De repente, as pessoas começaram a me acompanhar no Instagram e elas já chegam com intenção de comprar o meu livro. Então, hoje, eu saio muito menos para vender nas ruas e vou mais às feiras literárias. 

Algumas editoras já me procuraram, não foi uma nem duas, foram editoras grandes. Mas, no momento, eu quero continuar sendo um autor independente. Eu abri um selo chamado Barraco Editorial, porque eu já morei em um barraco e tudo no meio editorial tem que soar “bonitinho”. Quando eu criei esse conceito para a minha editora foi justamente no sentido de representar a resistência de uma pessoa periférica no mercado editorial. 

Então, hoje eu estou muito feliz e sou a minha própria distribuidora, por enquanto. Mas, logo, eu pretendo distribuir nas livrarias também. Eu sempre estou aberto à conversa, só que, no momento, eu estou feliz sendo um autor independente. Eu também estou publicando outros autores porque existe uma dificuldade, às vezes, de ter um diálogo com uma editora grande, que cuida de muitos autores. Daí, de repente, você quer discutir sobre o livro de uma maneira mais atenta, mas a editora está cuidando de outros autores que já estão na casa. 

Então, por exemplo, eu consigo contratar um capista, um designer que vai fazer o projeto gráfico do livro, um bom revisor e até um editor. Até então, eu mesmo editei os meus livros, mas percebi que eu preciso de outro olhar, que não seja o meu, para editar os meus livros, mas eu tenho uma editora.

Por isso, eu acredito que, cada vez mais, os autores vão se autopublicar. Primeiro, porque, como eu sempre digo, a melhor pessoa para cuidar do seu trabalho artístico é o próprio artista. Uma grande editora vai fazer uma bela distribuição e divulgação, mas, no meu caso, estou bastante confortável em eu mesmo fazendo, pela minha própria editora. 

Queria te ouvir agora sobre as feiras e festas literárias, que me parecem ser um movimento cada vez mais em ascensão do Brasil. Esses espaços têm sido importantes para impulsionar essa literatura não branca e que consegue ser mais diversa?

Eu acho necessário que tenham cada vez mais debates, festas literárias e feiras literárias. Outro dia, eu fui convidado para fazer uma fala num lugar que alguns autores não quiseram ir porque era um lugar muito longe. E eu disse: “Pode me chamar”. Nesses lugares, sempre tem alguém querendo ouvir e falar sobre literatura, mas, como são lugares mais afastados, às vezes tem dificuldade. 

Eu acredito que cada vez mais a literatura está sendo produzida por pessoas pretas, trans, mulheres e LGBT. Até os ganhadores do Prêmio Jabuti, como o próprio Itamar Vieira Júnior ou o Jefferson Tenório. Se a gente lê os grandes autores como Machado de Assis, Lima Barreto, Carolina Maria de Jesus, vamos perceber que eles estão falando, de alguma maneira, a mesma coisa que esses autores que vêm das quebradas do Brasil, ou das “minorias”, como muitos gostam de dizer, sendo que, na verdade, nós somos a maioria.  

É necessário e cada vez mais essas festas literárias são importantes. Por exemplo, quando fecha um bar e é feito um sarau no lugar, isso também é uma festa literária necessária. É porque há a necessidade de ter cada vez mais movimentos literários que provoquem a discussão em torno da importância da literatura. 

Quando eu vou para a Flip pela primeira vez e saio apresentando o meu trabalho de mão em mão e, no ano seguinte, eu já consigo alugar um estande com a minha própria editora, e, no outro ano, eu sou convidado e um cara feito o Pedro Cardoso vai, é porque tem alguma importância. 

A Flipei deste ano, por exemplo, foi incrível, porque ali realmente estavam sendo discutidas coisas políticas e também relacionadas à literatura. Ou seja, a Flipei, a Flip e os movimentos paralelos que acontecem na própria Flip, como a Casa da Favela, precisam ser vistos com cada vez mais empolgação. As pessoas têm muita coisa para dizer e elas estão escrevendo hoje, mas, às vezes, não têm um espaço em uma editora. 

Por isso, eu volto a dizer, cada vez mais as pessoas estão se autopublicando, criando suas festas literárias, suas feiras literárias, para poder apresentar o seu trabalho. Hoje você vai na livraria, as pessoas estão indo lá procurar o meu livro. Ele não está lá, por enquanto, mas tem gente indo procurar. 

Eu acredito que um autor independente, quando está na rua apresentando para um grupinho universitário que está bebendo ali na mesa, está fazendo a sua própria festa literária. Então, mesmo quando eu não era convidado para uma feira literária para falar sobre o meu trabalho, eu estava fazendo a minha feira literária e as pessoas estavam abraçando essa feira.

Como você tem sentido, nessas andanças e conversas, a abertura das pessoas para receber um livro físico nos dias de hoje, sabendo que todo mundo tem seu celular, com internet, e que estamos cada vez mais acostumados com conteúdos curtos?

Essa pergunta é muito incrível, porque eu li um dado de que mais de 4 milhões de pessoas deixaram de ler. Não sei se está correto, mas era algo em torno disso, justamente devido à tecnologia. As pessoas ficam muito tempo nas telas. Eu acredito que as redes sociais vieram para o bem e para o mal. Por exemplo, no meu caso, como eu disse, não estou nas livrarias, mas eu consigo alcançar o cara lá no Ceará, o brasileiro que está lá na Europa, consigo mandar livro para todo o Brasil e para fora do Brasil. 

Neste ano, meu livro Viela Ensanguentada foi lançado na França, justamente por conta da tecnologia. A editora leu uma matéria minha em algum veículo, quatro anos atrás e a gente ficou conversando, até que eu escrevi esse livro, enviei para ela e o primeiro livro publicado por eles foi o meu. 

Ou seja, se não tivesse essa facilidade de poder trocar ideias por meio da rede social, eu não teria a oportunidade de ir para lá no que vem fazer o lançamento na França. Mas também existe a questão de que a tecnologia limita muito. A pessoa que vê um stories de 10 segundos não vai ficar muito tempo, por exemplo, lendo um livro de 400 páginas. 

Mas eu tenho uma grande felicidade de receber quase todos os dias mensagens de pessoas que nunca haviam lido um livro e leram o meu livro pela primeira vez e pedem para eu indicar livros desse mesmo estilo.

Então, eu acredito que o livro, sendo uma das maiores tecnologias da humanidade, jamais será algo obsoleto, porque a nossa necessidade primordial é justamente o conhecimento e o conhecimento armazenado dentro de um livro não vai pifar.  

É a pessoa com ela mesma, com o livro e com boas reflexões. Isso não vai acabar.  

Queria que tu falasse um pouquinho mais da tua obra Viela Ensanguentada.

Eu conheci recentemente um projeto lindo chamado Liberdades Poéticas, que são mulheres que vão a presídios femininos e trabalham literatura. Elas compraram 40 exemplares do Viela Ensanguentada para que essas mulheres privadas de liberdade pudessem ler.

Parece que tem uma lei que diz que, a cada livro que elas leem, tem redução de quatro dias de pena. Não sei exatamente se está correto, mas parece que é por aí. Elas leram o meu livro e eu fui convidado para conversar com elas a respeito. 

Daí, durante a conversa, quando eu estava quase indo embora, entrou alguém e começou a distribuir Bíblias. Eu agradeci e uma delas veio e me pediu para autografar a Bíblia. Eu até brinquei: “Ué, mas eu não sou Deus”. E ela falou que gostou muito do meu livro, que se identificou e que queria que eu escrevesse algo especial, porque, quando ela fosse sair de lá, iria arrancar a folha, comprar o livro e colar nele. E aí vieram todas. 

Eu escrevi isso no meu Facebook, printei e postei no Instagram. Daí, alguém disse: “Por que você não faz uma campanha especial de doação de livros para essas mulheres?”. Assim, eu comecei essa campanha e, em dias semanas, 100 livros foram comprados para doar para essas mulheres. 

Isso para mim é muito gratificante, é melhor que um prémio literário. Quando uma pessoa que não tem o hábito da leitura se desperta para isso, o escritor já fica muito feliz. Isso é uma inspiração. Não tenho nem palavras para dizer o que eu sinto quando uma coisa dessas acontece. Com certeza, vale mais do que 10 Jabutis. 

Brasil de Fato -  Qual próxima publicação nós podemos esperar?

Wesley Barbosa - Eu estou escrevendo um livro de contos desde 2020, mas vai demorar um pouco para sair. Eu também já terminei um novo romance, mas não sei quando irei publicar. No ano que vem, pretendo publicar um livro infantil que já está pronto. 

Muita gente me pede, dizendo: “Você não escreve para criança?”. Eu nunca tinha escrito, mas falei “por que não?”. Daí, escrevi e já estou planejando isso. 

Eu estou sempre escrevendo e vou reeditar alguns livros pela minha própria editora. Estou fazendo essa transição de alguns livros. Também estou publicando outros autores. Acabei de publicar o livro da Cintia Santos, que é Ori: encontros mágicos. Também publiquei o livro de dois escritores maravilhosos, Lena Roque e Marcelo Ariel, que se chama Maria Firmina dos Reis, Presente

Quem quiser encontrar algum dos meus livros, é só me chamar lá no Instagram, que é @barbosaescritor

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Edição: Martina Medina