O agronegócio se apresenta ao mundo como a base de sustentação da economia brasileira, além de “pop, tech, e tudo”, de acordo com as propagandas que têm inundado as telas de emissoras, financiadas, sobretudo, com essa publicidade. De fato, os números são impressionantes. Em 2023, apenas as exportações do setor ultrapassaram os 800 bilhões de reais. Mas para onde vai todo esse dinheiro?
“Essa riqueza produzida pelo agronegócio, às custas do Estado brasileiro e, por conseguinte, do povo brasileiro, serve para continuar enricando uma pequena parcela da sociedade brasileira, sem gerar efetivamente nenhum retorno efetivo para o povo brasileiro, muito pelo contrário, as consequências do agronegócio são muito mais danosas para a sociedade brasileira”, afirma Débora Nunes, da direção nacional do MST. Para ela, é preciso desmistificar a ideia, propagada nos meios de comunicação pelo próprio agronegócio, de que se trata de um setor essencial para a economia do país.
“É importante que nós tenhamos clareza de que essa lógica de reprodução que o agronegócio tem é uma lógica altamente dependente do Estado brasileiro. Toda a dinâmica do agronegócio é produzir commodity para a exportação. Lógico que isso influi diretamente no equilíbrio da balança comercial. Nós não estamos aqui questionando isso. Isso acontece. No entanto, a grande questão é que essa riqueza que o agronegócio produz, que é exportada, é revertida em que para o povo brasileiro e a que custo é feito isso”, analisa Nunes.
Um relatório da Receita Federal apontou que o agronegócio recebeu, em isenções fiscais, quase R$ 30 bilhões de janeiro a agosto de 2024. Só as empresas que participam do mercado dos agrotóxicos ganharam mais de R$ 21 bilhões em renúncia fiscal no primeiro semestre deste ano. Para Jaqueline Andrade, da organização Terra de Direitos, a população paga um preço alto pelas consequências dessa política fiscal.
“A política de isenção fiscal, a política extrafiscal reversa, na qual você tem, na verdade, um incentivo fiscal para um setor que mais gera danos, nocividade para a saúde e para o meio ambiente do que exatamente um retorno para o país, para o desenvolvimento”, e completa. “Isso, na prática, significa onerar o poder público, porque quem gasta com o tratamento de pessoas intoxicadas é o sistema único de saúde, basicamente. A gente tem dados [que afirmam que] o SUS é onerado, em cada caso de intoxicação, U$D 1,28 dólares”.
De acordo com relatório da Comissão Pastoral da Terra, registros de contaminação por agrotóxicos no Brasil aumentam 950% em 2024.
As isenções fiscais a agrotóxicos são questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF) em uma ação, movida pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), por ferirem direitos constitucionais como o direito à saúde, ao meio ambiente equilibrado, e por provocar um rombo nas contas da União devido à perda de arrecadação de recursos, que poderiam ser revertidos em políticas sociais.
Os defensores das isenções fiscais ao agronegócio, sobretudo aos agrotóxicos, argumentam que o fim das renúncias teria impacto sobre o preço dos alimentos, o que é rejeitado pela representante da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Jakeline Pivato.
“Mais de 85% dos agrotóxicos consumidos no nosso país são exclusivamente para o setor de commodities. Então ele não tem vínculo direto com a produção de alimentos. Está muito voltado à questão da soja, do milho e da cana-de-açúcar, que é um setor voltado para a produção de combustíveis e para a bolsa de valores”, afirma a ativista, que ainda lamenta as posições contraditórias de ministérios do governo quanto à pauta dos agrotóxicos e das renúncias fiscais.
“A gente tem uma realidade muito perigosa no nosso país, onde tudo que a gente consegue avançar no debate enquanto sociedade não chega nem perto de onde está a centralidade do problema", diz. "Um exemplo é o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos, que é um programa com medidas bastante possíveis e alcançáveis, e que não vai de forma alguma chegar perto de impactar o setor, por uma questão ideológica, por uma questão de dificuldade mesmo de compreensão da pauta, a gente não consegue dialogar com o Ministério da Agricultura”, relata Pivato.
O lançamento do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) vem sendo adiado pelo governo federal devido a divergências do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), como já foi noticiado amplamente pelo Brasil de Fato.
'Lobby do Veneno'
Para piorar esse cenário, o Congresso Nacional caminha na contramão do mundo quando o tema é agrotóxico. A bancada do agro segue empenhada em avançar com projetos que buscam facilitar o acesso a esses agentes químicos, muitos deles banidos em outros países.
É o caso dos agrotóxicos à base do ingrediente ativo tiametoxam, do tipo neonicotinoides, feitos a partir da nicotina e altamente nocivos a insetos polinizadores, proibido em diversos países. O uso da substância foi suspenso por uma resolução do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em fevereiro de 2024, no entanto, com apoio do Mapa, parlamentares da direita se articulam contra a decisão.
“Com todo respeito ao Ibama. Eu fico estressada de ver a gente se preocupar mais com o meio ambiente, no sentido de animais, objetivamente, em vez de criar ações para mitigar”, disse a deputada Coronel Fernanda (PL) diante de uma servidora do instituto. A advogada advogou ainda pela "desburocratização" da liberação dos agrotóxicos no Brasil”.
Outro projeto, este de Decreto Legislativo (PDL), pretende autorizar no Brasil o uso de outro fungicida, o carbendazim. A proposta busca sustar uma decisão da Anvisa, que decidiu pela redução gradual do agente em lavouras brasileiras. O PDL 312/22 foi aprovado pela comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados e aguarda designação do relator na Comissão de Saúde.
A deputada federal do Psol, Célia Xakriabá, é parte da resistência aos projetos do chamado ‘lobby do veneno’ no Congresso Nacional. “Já éramos uma das principais barreiras do lado de fora, e aqui dentro não é diferente. Os que são maioria não nos assustam, porque não se trata de ser maioria ou minoria. Nós somos a melhoria, porque o que votamos aqui também transcende para as questões partidárias do campo progressista, porque a questão da defesa da ambiental, territorial, climática, e sobretudo quando a gente fala do veneno, isso tem que ser pauta prioritária, de saúde pública. O veneno que adoece os outros também nos adoece. E, portanto, nós temos tido um grande enfrentamento”, conta a parlamentar.
Enquanto isso, no país que ostenta ser o maior produtor de alimentos do mundo, em 2023, cerca de 14 milhões de pessoas permaneciam em situação de insegurança alimentar e fome, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). Uma contradição que só se explica pelo modelo agrícola privilegiado para o qual o chamado “Estado mínimo” não é uma realidade, enquanto a população segue pagando a conta.
“Nós precisamos dizer assim, olha: que o trabalhador sustenta o Brasil, pagando impostos de tudo, independente se ele ganha só um salário, se ele ganha dois, ele paga impostos. Para se ter ideia, a cesta básica tem impostos, mas um setor rico e que enriquece justamente porque consegue essas benesses do Estado”, conclui Pivato.
Edição: Nathallia Fonseca